Quando eu falo da Turma do Saco estou me referindo a uma geração de participantes – a geração que fundou a Turma do Saco, uma geração que conduzira o bloco A Turma do Saco de forma exclusivamente comunitária. Tudo que se fazia ali resultava de um tremendo esforço coletivo, tinha planejamento, era discutido em reunião, às vezes reuniões acaloradas, tinha o envolvimento da comunidade. Quando eu falo de comunidade refiro-me às crianças, aos jovens, adultos e anciãos. As minhas crônicas são datadas, iniciam na década de 1970 e se estendem até à década de 1990, quando de alguma forma eu ainda participava da Turma do Saco. Por que eu estou falando isto? Porque eu acredito que para entendermos os áureos tempos da Turma do Saco é necessário perceber a geração que por ali passava naquela época. Havia ali muitas cabeças iluminadas naquele dado momento. Uma geração ávida por conhecimento. Gente curiosa, articulada, interessada, trabalhadora, estudiosa, buscando mudanças sociais coletivas e individuais. Jovens que se reuniam na quitanda do seu Belo ou na mercearia do Juarez para tomar cachaça e tirar gosto com camarão salgado, mas que, concomitantemente, tinham a capacidade de virar noites e noites estudando para fazer vestibular e outros concursos. Gente que se gostava e se admirava mutuamente. Gente com uma visão de mundo diferenciada. Gente que lia os clássicos da literatura universal (Julio Verne, Alexandre Dumas...), Karl Marx, Durkheim, Jorge Amado, Nauro Machado, Bandeira Tribuzzi e muitos dos clássicos da literatura nacional. Gente interessada em teatro, música, pintura, artes plásticas. Ali naquele ambiente havia uma certeza: o estudo e o trabalho eram a nossa única saída para um mundo melhor. O estudo tinha preponderância porque era o que definiria a qualidade do posto de trabalho que poderíamos postular no futuro. O trabalho era importante porque era por meio dele que tínhamos que satisfazer necessidades, desejos, sonhos. Em outras palavras, pobre não tem como se manter estudando sem trabalhar. Uma marca que diferenciava essa geração, provavelmente a sua maior diferença, era que ela tinha objetividade, sabia necessariamente onde queria chegar. Foi essa consciência que nos fazia investir tanto do nosso tempo e esforço na busca de um lugar na universidade. Torcíamos pelo vizinho com a certeza de que ele teria influência no nosso futuro. No Codozinho daquela época (dos setenta) quando alguém estava estudando para o vestibular todos nós torcíamos para que essa pessoa lograsse êxito. Cada um representava o bairro querendo entrar na universidade. Por isso, quando alguma pessoa membro da Turma do Saco passava, nós colocávamos o bloco na rua. Essas lembranças M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-A-S enchem os meus olhos de água, chegam mesmo a transbordar. Era muito legal, tínhamos orgulho disso. Era a Dica de dona Ermínia que estava passando no vestibular. Era a Maria Bacabal, filha de Ermínia a doutora formada em Odontologia. A Dadinha, filha da dona Maria Magrinha que passou no vestibular pra Letras. O Joca, filho do Serrote já está formado em Química. Gracinha Cavalcante, estava formando em Química. A Neném de dona Zezé passou para Faculdade de Letras. Wallace, filho do Chico Cabeça entrou na Faculdade de Geografia. O Zequinha de dona Elza passou pra Faculdade de Direito, A Jane Mary passou pra Faculdade de Ciências Contábeis, O Nonato Cavalcante passou pra Faculdade de Direito; o Antônio Cavalcante passou pra Faculdade de Comunicação; o Deco de dona Elza, passou pra Odontologia; Luiz Prego, filho de dona Joana Palitó, passou para a Faculdade de Agronomia. E assim, tantos outros casos foram se sucedendo. Cada pessoa que passava era uma festa, era mais uma vez que colocávamos o bloco na rua para celebrar mais uma vitória da comunidade que resultava de brilhantes esforços individuais. Tínhamos orgulho de dizer que a dona Elza e o seu Zé (ela zeladora de escola e ele expedicionário aposentado) formaram todos os seus filhos: Zequinha, Elzinha e Ezu, advogados; Deco e Aparecida, Odontólogos. Que na casa de dona Ermínia quase todos se formaram: Deuzimar, em Enfermagem; Maria Bacabal, em Odontologia; Dica, em Advocacia; Luís, em Pedagogia; Rosângela, em Serviço Social. Seu Chico Cavalcante e dona Cantídia formaram todos os filhos: Assis, em Matemática; Nonato em Direito; Antônio, em Relações Públicas; Maria dos Anjos, em Pedagogia; Neusinha, em Medicina, e por aí vai. Tínhamos orgulho de morar naquele pedaço de São Luís, nos orgulhávamos de ser vizinho dos nossos vizinhos, éramos felizes por fazer parte da Turma do Saco e víamos no sucesso individual uma forma de projeção daquela comunidade – o Codozinho de Cima. Era por isso que colocamos o bloco na rua toda vez em que cada um de nós passou no vestibular. Entrar na universidade constituía a certeza de mudança na nossa vida. Dali em diante, oportunidades sonhadas poderiam ser realizadas. Tínhamos esta certeza. Contagiávamos todo o bairro com a charanga na rua cantando Alô papai, alô mamãe, bota a vitrola pra tocar, pode tocar foguete que eu passei no vestibular... Todo mundo queria saber o que aquele bando de loucos fazia cantando pelas ruas da cidade. Estávamos compartilhando felicidade, a felicidade de sermos do Codozinho, de participarmos da Turma do Saco, de termos amigos logrando êxito na sua vida particular, concluindo com louvor o rito de passagem para o acesso à universidade pública, gratuita, de boa qualidade. Esse era o espírito do Codozinho dos anos 1970 e 1980.
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