Já faz tempo que acompanho os debates em torno da política de quotas para negros nas universidades federais. Para falar verdade, divirto-me muito com tudo que vejo, leio e ouço sobre o assunto. Não surpreende que esse tema seja alvo de controvérsia propositalmente provocada. Afinal, este negócio de beneficiar negros no Brasil já foi causa até mesmo da queda de um Imperador. Lembram? Só para clarear a memória: o Imperador D. Pedro I foi derrubado no dia 7 de abril de 1831, em decorrência de um tratado que fizera com a Inglaterra, quatro anos antes, comprometendo-se a suprimir definitivamente, o tráfico de escravos no Brasil.
Também não causa surpresa a oposição de alguns negros, inclusive, ditos do movimento negro, à política de quotas. Afinal, esta coisa de negro contra seus próprios irmãos é um fato antigo na história do negro no Brasil. Lembram dos capitães do mato? Porque não os capitães das quotas? Na história recente de reconhecimento e regularização dos quilombos, houve casos de lutas onde de um lado estava uma parte da família liderando o movimento pela regularização da terra em nome da comunidade, e do outro estava membro da mesma família lutando armado do lado do pretenso proprietário e contra a comunidade quilombola. Claro que sempre lamentamos esse tipo de fato, mas, não podemos deixar de reconhecê-lo enquanto fato histórico que se reproduz.
Bem, mas, a que se deve a minha quota de participação nesse debate? Devo esclarecer que recentemente fui instado por um filho a expor a minha posição sobre o assunto. Na ocasião ele, o meu filho, falara que havia uma parte do movimento negro contrária à política de quotas, sob o argumento de que esta coisa se trata de um racismo às avessas, que coloca o negro numa posição de inferioridade diante de uma parte da população pela forma do seu acesso à universidade, que todos devemos lutar pelo fortalecimento da escola pública (ensino fundamental e ensino médio) e, ainda, que a pobreza no Brasil é um problema social e não racial, por isso as quotas deveriam ter um recorte social e não étnico. Por fim, o grupo argumenta que a política de quotas do jeito que está desenhada, com o recorte racial, suscita o conflito entre brancos e negros no Brasil e, isto, evidentemente, é algo que tem a rejeição de toda a nação brasileira.
Para início de conversa, eu coloquei de pronto a minha posição favorável à política de quotas. Os argumentos daqueles que se colocam contrários a esse tipo de política são ludibriantes, desprovidos de embasamento histórico-científico e, sobretudo, de conteúdo pífio e ominoso.
Devemos lembrar que políticas compensatórias de recorte étnico, constituem, antes de tudo, uma forma de reparação do governo brasileiro à população negra, pelos danos causados pela escravidão negra neste país. O país cumpre com esse tipo de política os compromissos como signatário da conferência de Durban, na qual o Brasil se assume definitivamente como país racista e, ao invés de jogar a sujeira debaixo do tapete, como fizera durante tantos anos, passa agora a trabalhar no sentido da diminuição dos efeitos de uma política dita de democracia racial, onde o branco sempre comeu o bolo todo e ao negro eram reservados apenas tapinhas na costa. Isto não é racismo, ao contrário, é assunção de um compromisso de promoção de uma parte do povo brasileiro que no curso da história deste país sempre fora relegada à invisibilidade. Por exemplo: todas as frações étnicas formadoras do povo brasileiro foram contempladas com terras, tendo, portanto, acesso ao Direito de propriedade da terra e, consequentemente, à criação de riquezas, somente a população negra não teve acesso legal as terras que historicamente trabalham e moram, caracterizando posse histórica, mansa e pacífica.
O argumento de que é necessário primeiro lutarmos pela melhoria do ensino público e, este, uma vez recuperado, propiciaria o acesso do negro à universidade sem que para isso seja preciso lançar mão da política de quotas, posto que esta do modo como está delineada desperta ódio entre as raças, uma vez que se traduziria em perdas imediatas à população branca ou aqueles que não se declaram negros. Este argumento é análogo àquele que há anos atrás faziam os contrários à reforma agrária no Brasil. As pessoas ou classes sociais historicamente contrárias à distribuição ou a redistribuição de terras no Brasil, diante da luta massiva pela reforma agrária diziam que eram favoráveis à reforma agrária integral, com educação, saúde, estrada vicinal, transporte, eletrificação rural, telefonia rural, saneamento básico, crédito farto e tudo mais. Só quando da conjugação de todos esses recursos se poderia então proceder à reforma agrária. A história mostrou, entretanto, que os trabalhadores rurais teriam mesmo que ter primeiro o acesso à terra e depois continuar lutando pelos demais recursos e, até hoje a considerável parte dos assentados da reforma agrária não tem acesso à totalidade daqueles recursos componentes da “reforma agrária integral”. A luta mobilizadora de um grupo social ou étnico se constitui, antes de tudo, de ações marcadas por recortes pedagógicos, por isso, a cada dia, a cada momento, cada ganho, cada perda, ou mesmo os ganhos parciais chegam eivados de aprendizagem. É possível que nós ainda não tenhamos encontrado a forma perfeita (se é que essa existe) da promoção do acesso do negro pobre à universidade, entretanto, já encontramos uma forma e, no decurso da história, provavelmente, esta será submetida aos aperfeiçoamentos cabíveis. Sabemos também que a interrupção pura e simples da política de quotas, não constitui motivo para o governo acelerar as reformas necessárias à escola pública; nem a continuidade dessa política desmotivará o governo a efetivar os aludidos procedimentos. Uma coisa não invalidará a outra e, à medida que uma for sendo aperfeiçoada, creio, a outra será influenciada a sofrer reparos, acertos.
Que a pobreza é um problema social isto ninguém pode negar, como não se pode refutar os fatos que evidenciam que no Brasil a pobreza tem lugar e cor determinados e determinantes.
A política de quotas para negros desperta raiva nas pessoas da sociedade que não são beneficiárias desta? Desperta, da parte daqueles que se acham prejudicados, raiva das pessoas pobres e negras que estão por meio desta tendo acesso à universidade? Causa danos? Danos irreparáveis? O que diria a população negra brasileira que sofreu 500 anos de escravidão? Quantos negros foram mortos nos navios negreiros durante a travessia do Atlântico? Quantos foram mortos nas lavouras, nas senzalas, nas casas grandes? Quantos morreram tuberculosos ou acometidos de outras enfermidades de tanto trabalho nos engenhos? Quantos foram os mortos por participarem da luta pela liberdade? Quantos sucumbiram quando viram sucumbir a sua própria auto-estima de tanto serem submetidos a trabalhos humilhantes de forma humilhante? Quantos foram os estupros das mulheres escravizadas? Que perdas e danos estes fatos acarretam no imaginário dos negros que lêem a História do negro que não é sequer contada nas escolas? Que danos o racismo acarreta aos homens e mulheres negras deste país? Quanto custa todos os danos causados à população negra brasileira, do descobrimento até nossos dias?
A aritimética da escravidão e do racismo dela decorrente é ampla e não cabe equacioná-la na função da intolerância, ou na inequação do imediatismo que computa perdas como uma criança que chora quando alguém lhe tira o pipo ou reparte com o seu irmão o doce que esta queria comer sozinha.
Imaginem se nós negros fóssemos transformar em ódio todas as perdas e os danos que tivemos ou ainda temos como decorrência da escravidão, do preconceito racial, do racismo e ações correlatas que até hoje sofremos. Irmãos brancos, índios, asiáticos, irmãos de todas as origens, cores e credos que formam o povo brasileiro, nós, os negros, só queremos ter tratamentos e oportunidades iguais. Temos que participar da sociedade em igualdade com os demais. É necessário que haja redistribuição de frutos que ajudamos a plantar, regar e colher, mas, só agora estamos sendo chamados a desfrutar, contudo, temos que dividi-los com aqueles que até então desfrutavam destes bens sozinhos. A quota é apenas uma parte ínfima do direito que nos toca, o nosso quinhão. Após tantos anos de luta.
Também não causa surpresa a oposição de alguns negros, inclusive, ditos do movimento negro, à política de quotas. Afinal, esta coisa de negro contra seus próprios irmãos é um fato antigo na história do negro no Brasil. Lembram dos capitães do mato? Porque não os capitães das quotas? Na história recente de reconhecimento e regularização dos quilombos, houve casos de lutas onde de um lado estava uma parte da família liderando o movimento pela regularização da terra em nome da comunidade, e do outro estava membro da mesma família lutando armado do lado do pretenso proprietário e contra a comunidade quilombola. Claro que sempre lamentamos esse tipo de fato, mas, não podemos deixar de reconhecê-lo enquanto fato histórico que se reproduz.
Bem, mas, a que se deve a minha quota de participação nesse debate? Devo esclarecer que recentemente fui instado por um filho a expor a minha posição sobre o assunto. Na ocasião ele, o meu filho, falara que havia uma parte do movimento negro contrária à política de quotas, sob o argumento de que esta coisa se trata de um racismo às avessas, que coloca o negro numa posição de inferioridade diante de uma parte da população pela forma do seu acesso à universidade, que todos devemos lutar pelo fortalecimento da escola pública (ensino fundamental e ensino médio) e, ainda, que a pobreza no Brasil é um problema social e não racial, por isso as quotas deveriam ter um recorte social e não étnico. Por fim, o grupo argumenta que a política de quotas do jeito que está desenhada, com o recorte racial, suscita o conflito entre brancos e negros no Brasil e, isto, evidentemente, é algo que tem a rejeição de toda a nação brasileira.
Para início de conversa, eu coloquei de pronto a minha posição favorável à política de quotas. Os argumentos daqueles que se colocam contrários a esse tipo de política são ludibriantes, desprovidos de embasamento histórico-científico e, sobretudo, de conteúdo pífio e ominoso.
Devemos lembrar que políticas compensatórias de recorte étnico, constituem, antes de tudo, uma forma de reparação do governo brasileiro à população negra, pelos danos causados pela escravidão negra neste país. O país cumpre com esse tipo de política os compromissos como signatário da conferência de Durban, na qual o Brasil se assume definitivamente como país racista e, ao invés de jogar a sujeira debaixo do tapete, como fizera durante tantos anos, passa agora a trabalhar no sentido da diminuição dos efeitos de uma política dita de democracia racial, onde o branco sempre comeu o bolo todo e ao negro eram reservados apenas tapinhas na costa. Isto não é racismo, ao contrário, é assunção de um compromisso de promoção de uma parte do povo brasileiro que no curso da história deste país sempre fora relegada à invisibilidade. Por exemplo: todas as frações étnicas formadoras do povo brasileiro foram contempladas com terras, tendo, portanto, acesso ao Direito de propriedade da terra e, consequentemente, à criação de riquezas, somente a população negra não teve acesso legal as terras que historicamente trabalham e moram, caracterizando posse histórica, mansa e pacífica.
O argumento de que é necessário primeiro lutarmos pela melhoria do ensino público e, este, uma vez recuperado, propiciaria o acesso do negro à universidade sem que para isso seja preciso lançar mão da política de quotas, posto que esta do modo como está delineada desperta ódio entre as raças, uma vez que se traduziria em perdas imediatas à população branca ou aqueles que não se declaram negros. Este argumento é análogo àquele que há anos atrás faziam os contrários à reforma agrária no Brasil. As pessoas ou classes sociais historicamente contrárias à distribuição ou a redistribuição de terras no Brasil, diante da luta massiva pela reforma agrária diziam que eram favoráveis à reforma agrária integral, com educação, saúde, estrada vicinal, transporte, eletrificação rural, telefonia rural, saneamento básico, crédito farto e tudo mais. Só quando da conjugação de todos esses recursos se poderia então proceder à reforma agrária. A história mostrou, entretanto, que os trabalhadores rurais teriam mesmo que ter primeiro o acesso à terra e depois continuar lutando pelos demais recursos e, até hoje a considerável parte dos assentados da reforma agrária não tem acesso à totalidade daqueles recursos componentes da “reforma agrária integral”. A luta mobilizadora de um grupo social ou étnico se constitui, antes de tudo, de ações marcadas por recortes pedagógicos, por isso, a cada dia, a cada momento, cada ganho, cada perda, ou mesmo os ganhos parciais chegam eivados de aprendizagem. É possível que nós ainda não tenhamos encontrado a forma perfeita (se é que essa existe) da promoção do acesso do negro pobre à universidade, entretanto, já encontramos uma forma e, no decurso da história, provavelmente, esta será submetida aos aperfeiçoamentos cabíveis. Sabemos também que a interrupção pura e simples da política de quotas, não constitui motivo para o governo acelerar as reformas necessárias à escola pública; nem a continuidade dessa política desmotivará o governo a efetivar os aludidos procedimentos. Uma coisa não invalidará a outra e, à medida que uma for sendo aperfeiçoada, creio, a outra será influenciada a sofrer reparos, acertos.
Que a pobreza é um problema social isto ninguém pode negar, como não se pode refutar os fatos que evidenciam que no Brasil a pobreza tem lugar e cor determinados e determinantes.
A política de quotas para negros desperta raiva nas pessoas da sociedade que não são beneficiárias desta? Desperta, da parte daqueles que se acham prejudicados, raiva das pessoas pobres e negras que estão por meio desta tendo acesso à universidade? Causa danos? Danos irreparáveis? O que diria a população negra brasileira que sofreu 500 anos de escravidão? Quantos negros foram mortos nos navios negreiros durante a travessia do Atlântico? Quantos foram mortos nas lavouras, nas senzalas, nas casas grandes? Quantos morreram tuberculosos ou acometidos de outras enfermidades de tanto trabalho nos engenhos? Quantos foram os mortos por participarem da luta pela liberdade? Quantos sucumbiram quando viram sucumbir a sua própria auto-estima de tanto serem submetidos a trabalhos humilhantes de forma humilhante? Quantos foram os estupros das mulheres escravizadas? Que perdas e danos estes fatos acarretam no imaginário dos negros que lêem a História do negro que não é sequer contada nas escolas? Que danos o racismo acarreta aos homens e mulheres negras deste país? Quanto custa todos os danos causados à população negra brasileira, do descobrimento até nossos dias?
A aritimética da escravidão e do racismo dela decorrente é ampla e não cabe equacioná-la na função da intolerância, ou na inequação do imediatismo que computa perdas como uma criança que chora quando alguém lhe tira o pipo ou reparte com o seu irmão o doce que esta queria comer sozinha.
Imaginem se nós negros fóssemos transformar em ódio todas as perdas e os danos que tivemos ou ainda temos como decorrência da escravidão, do preconceito racial, do racismo e ações correlatas que até hoje sofremos. Irmãos brancos, índios, asiáticos, irmãos de todas as origens, cores e credos que formam o povo brasileiro, nós, os negros, só queremos ter tratamentos e oportunidades iguais. Temos que participar da sociedade em igualdade com os demais. É necessário que haja redistribuição de frutos que ajudamos a plantar, regar e colher, mas, só agora estamos sendo chamados a desfrutar, contudo, temos que dividi-los com aqueles que até então desfrutavam destes bens sozinhos. A quota é apenas uma parte ínfima do direito que nos toca, o nosso quinhão. Após tantos anos de luta.