sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A educação e a cultura como sistema de aprendizagem

Um dia eu conversava com um colega de serviço em Tocantinópolis, externava a angústia de estar em um lugar onde eu não tinha acesso a eventos culturais, onde a única diversão que se tem acesso são os bares ou coisa similar. Naquela oportunidade eu dizia que sentia muita falta de cinema, teatro, música e outras expressões culturais.
Nunca esqueci a reação daquele colega. Ele virou-se para mim e disse:
- Compadre, eu não sinto falta de nada disso, não. Eu nunca tive acesso a essas coisas. Por isso, não sinto falta.
Eu sabia muito bem do que estava falando o meu colega e compadre. Calamos por um instante, cada um refletindo a sua maneira e depois enveredamos a conversa por outros rumos. Nunca me esqueci daquele momento, porque ali se fortaleceu, ainda mais, a minha convicção da necessidade que as pessoas têm de acesso à cultura.
Educação e cultura constituem assuntos que devem ser tratados no âmbito do planejamento e da administração pública com a mesma intensidade. São ingredientes de um mesmo prato – a formação humana. Devem, da mesma forma, ser acessados por todos os jovens, devem fazer parte da formação de todas as pessoas. Ter acesso a educação e a cultura é uma questão de exercício de direitos inalienáveis do ser humano. É uma questão de exercício de cidadania. Não ter acesso à cultura é também um fator que contribui para o analfabetismo, para a ignorância das pessoas.
Estamos num momento em que no Brasil muito se fala da necessidade de se fazer melhorias no sistema educacional e, muitas vezes, a educação é tratada como uma ferramenta auxiliar do desenvolvimento econômico. Neste caso, a educação é tratada de forma reducionista, ficando relegada ao papel da formação profissional, como meio de fornecer mão-de-obra qualificada aos diversos ramos da economia. Isto é um erro que eu tenho receio que vire moda e os governos se danem a fazer centros de formação profissional no Brasil, como se o ser humano fosse apenas mais uma ferramenta econômica e a sua educação se reduzisse à instrumentalização do capital.
Sinceramente, ando muito preocupado com isso. Esse modo de tratar a educação, no momento atual, está muito presente nos discursos políticos e, o pior, como se isso fosse a coisa mais importante a se fazer no sistema educacional brasileiro.
Se os governantes assim procederem, saibam, no futuro teremos ainda mais problemas no nosso sistema educacional. Não estou defendendo, com isso, que não é importante se pensar na profissionalização dos jovens e, muito menos, que não devam ser habilitados para o mercado de trabalho. Receio que se desvincule o processo educativo do processo cultural tão necessário ao desenvolvimento da capacidade intelectual das pessoas.
O fato de nos últimos seis anos eu ter residido em cidades do interior (no Estado do Tocantins e agora no estado do Maranhão) tem corroborado fortemente para o aumento da minha preocupação com a melhoria do sistema educacional e, de modo enfático, com a necessidade de incentivo aos jovens ao acesso à cultura. Cultura e Educação, enfatizo, devem ser tratadas da mesma forma no processo de formação dos jovens brasileiros. Nas cidades do interior isto é mais do que necessário.
Por que esta preocupação com a formação cultural das pessoas, principalmente, os jovens pobres e do interior? Por algumas razões muito simples: a) pela necessidade que temos de formar jovens que no processo educativo desenvolvam, de modo salutar, o senso crítico e a capacidade criativa; b) pela necessidade de oportunizar aos jovens conhecimentos básicos sobre a cultura do povo brasileiro e de outras civilizações nas suas diversas formas de manifestação – música, prosa, poesia, pintura, dança, teatro, cinema, folclore, arquitetura, escultura, fotografia, culinária, dentre outras; c) como uma forma de ocupar lacunas que os jovens têm preenchido de modo nocivo à sua integridade física, moral e intelectual com irreparáveis consequências sociais e, ainda em detrimento do seu próprio desenvolvimento cognitivo.
Lamentavelmente, em significativa maioria das cidades do interior brasileiro, não há centro culturais onde os jovens possam estudar música, dança, pintura, artes cênicas, entre outras. Há casos em que nem mesmo a prática de esporte é incentivada nas escolas públicas. De modo geral, as administrações municipais não têm demonstrado qualquer preocupação com o incentivo e a disseminação do estudo da cultura entre os jovens.
Em muitas cidades os administradores não se importam sequer com a construção de espaços coletivos onde as pessoas possam desfrutar do ar puro, do passeio; onde as crianças e os idosos possam se divertir de alguma forma. Onde jovens se encontrem para conversar, declamar poesia, apresentar peças teatrais, dançar, discutir ou debater sobre assuntos de seus interesses, ou simplesmente, assistir a um filme, um documentário, uma peça teatral, uma apresentação musical, uma exposição de pinturas ou de fotografias, ou ainda, protagonizar eventos artísticos quaisquer.
A cultura de um país não pode se reduzir a um ministério, meia dúzia de museus, bibliotecas e monumentos culturais. Ela deve ser tão sistemática quanto a educação, aliás, como disse anteriormente, as duas são ingredientes do mesmo prato. Assim como a educação compreende escolas com professores, e um sistema de difusão do ensino programático específico, a cultura também deve ter um sistema de difusão cultural, com professores e/ou artistas com formação específica para difundir o ensino da cultura brasileira em seus diversos modos de manifestação (música, pintura, fotografia, etc.).Assim, os jovens teriam outras opções de divertimento além das festinhas, micaretas e bares, para ser mais específico eu diria, além de bebidas, bebidas e drogas.
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segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O Estatuto da igualdade racial

Bem, agora temos o Estatuto da Igualdade Racial, resultado da luta do movimento social e do incansável senador Paulo Paim (PT-RS), homem obstinado e alinhado aos anseios dos movimentos populares. Encaminhou a proposta com firmeza, habilidade e determinação, obtendo o resultado possível e, em minha opinião, positivo. Passaram-se, aproximadamente, dez anos, da apresentação do primeiro esboço até a aprovação da versão definitiva.
Na verdade, o Estatuto da Igualdade Racial é um documento cujo papel primordial é ratificar a existência da desigualdade racial no âmago da sociedade brasileira. Nesse sentido, não há o que comemorar. Porque o documento é um esforço repetitivo de um monte de direitos que outros dispositivos legais já preconizam à totalidade da população brasileira, mas que o Estatuto os enfatiza direcionando-os a comunidade negra.
A grande pergunta é: - há necessidade disto? Sim. Infelizmente, sim. Assim aos poucos o Estado e a elite deste país, sempre refratários a observar o fosso social que separa brancos e negros, vão desembaçando o olhar dissimuladamente preconceituoso, ao mesmo tempo em que são compelidos a refletirem sobre o racismo que os imobiliza à promoção de políticas que criem oportunidades de reduzir a amplitude da desigualdade entre brancos e negros.
Se, entretanto, visto como um indicador da civilidade do povo brasileiro, é uma vergonha. Não o Estatuto em si, o documento, mas a própria sociedade brasileira, especialmente a sua elite.
A visão embaçada de setores da sociedade brasileira os conduzem a uma postura contrária às medidas compensatórias que venham à reparação da indiferença política e social do Estado para com os negros no interregno de toda a História do povo brasileiro. A elite deste país sempre teve restrições em mostrar a face negra do povo brasileiro e, sempre que pode, mostra para além do Atlântico um Brasil sem ou de poucos negros.
Assim, o Estatuto da Igualdade Racial só se justifica diante do vigor do preconceito racial, enfatizo, dissimulado, vivo e forte na sociedade brasileira. Embora caminhemos brancos e negros lado a lado.
Não trocamos tapas pela diferença na cor da pele, mas negamos a oportunidade para que negros adentrem à universidade com a mesma facilidade que os brancos; não há uma luta armada no campo, mas negamos os instrumentos legais capazes de oportunizar a legalização das terras que os negros moram e trabalham há séculos. Se não possuem o domínio não têm acesso ao crédito rural para o desenvolvimento de uma agricultura mais moderna e lucrativa; não tendo direito ao crédito decente e farto como têm a maioria dos fazendeiros brancos, lhes negam, concomitantemente, o direito à riqueza. Isto, quando não negam ou refutam, cinicamente, toda a história de posse que consagra o direito a dominialidade às terras das comunidades negras rurais. Infelizmente, digo, infelizmente, no Brasil a brutalidade do preconceito é tamanha que o Estado brasileiro é capaz de negar o reconhecimento das comunidades quilombolas que nem o tempo foi capaz de negar; não nos defrontamos nas instituições públicas, mas, nelas nunca foram desativados os mecanismos que impedem o ascenso dos negros aos seus mais destacados cargos.
Eis aí o campo de validação do Estatuto da Igualdade Racial no Brasil – o preconceito racial. O Brasil de uma sociedade dividida entre os iguais e os mais iguais. Estes mais poderosos, donos de todo o poder, estão sempre prestes a criar, dissimuladamente, artifícios impeditivos da ascensão daqueles. O Brasil da dissimulada e “prestativa” democracia racial. O Brasil que divide os seus cargos públicos entre os seus filhos mais iguais e coloca todos os iguais numa “Secretaria da Igualdade Racial” especialmente criada, sem orçamento, sem funções e cargos consolidados, sem nada, mas apenas com o pomposo nome de Secretaria de Estado, ou mesmo de Ministério. O Brasil que teima em não ver que a igualdade não tem que ser dissimulada, engodo, ou ato paliativo de enganação ou ludibrio.
O Brasil que refuta o Estatuto da Igualdade Racial, o faz por mero esforço de retórica como se isso destruísse todo racismo edificado no dia a dia, até mesmo em atos que contestam o direito de negros lutarem para ter direitos.
Pra ser sincero, eu preferia um Brasil onde não houvesse necessidade, nem espaço para um Estatuto da Igualdade Racial. Um Brasil sonhado, onde negros e brancos tivessem iguais oportunidades; onde negros não tivessem que estudar tanto para ganhar o mesmo salário, ou um salário menor que o de um branco inculto. Um Brasil que as comunidades negras rurais tivessem o direito ao domínio das suas terras, de posse mansa, pacífica e secular; um Brasil em que negros competentes ocupassem lugares condizentes com as suas respectivas formações e competências, sem a necessidade de criar guetos institucionais, como secretarias e ministérios natimortos para serem ocupados por negros; um Brasil em que os negros não significassem tanto como significam hoje nas estatísticas policiais; um Brasil em que o bojo da massa de pobres, analfabetos, favelados, não tivesse a cor negra. É, mas, infelizmente, este Brasil, o Brasil que eu sonho, ainda está por ser construído. Enquanto isso, viva o Estatuto da Igualdade Racial!
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