segunda-feira, 28 de março de 2011

A Turma do Saco e o vestibular

Quando eu falo da Turma do Saco estou me referindo a uma geração de participantes – a geração que fundou a Turma do Saco, uma geração que conduzira o bloco A Turma do Saco de forma exclusivamente comunitária. Tudo que se fazia ali resultava de um tremendo esforço coletivo, tinha planejamento, era discutido em reunião, às vezes reuniões acaloradas, tinha o envolvimento da comunidade. Quando eu falo de comunidade refiro-me às crianças, aos jovens, adultos e anciãos. As minhas crônicas são datadas, iniciam na década de 1970 e se estendem até à década de 1990, quando de alguma forma eu ainda participava da Turma do Saco. Por que eu estou falando isto? Porque eu acredito que para entendermos os áureos tempos da Turma do Saco é necessário perceber a geração que por ali passava naquela época. Havia ali muitas cabeças iluminadas naquele dado momento. Uma geração ávida por conhecimento. Gente curiosa, articulada, interessada, trabalhadora, estudiosa, buscando mudanças sociais coletivas e individuais. Jovens que se reuniam na quitanda do seu Belo ou na mercearia do Juarez para tomar cachaça e tirar gosto com camarão salgado, mas que, concomitantemente, tinham a capacidade de virar noites e noites estudando para fazer vestibular e outros concursos. Gente que se gostava e se admirava mutuamente. Gente com uma visão de mundo diferenciada. Gente que lia os clássicos da literatura universal (Julio Verne, Alexandre Dumas...), Karl Marx, Durkheim, Jorge Amado, Nauro Machado, Bandeira Tribuzzi e muitos dos clássicos da literatura nacional. Gente interessada em teatro, música, pintura, artes plásticas. Ali naquele ambiente havia uma certeza: o estudo e o trabalho eram a nossa única saída para um mundo melhor. O estudo tinha preponderância porque era o que definiria a qualidade do posto de trabalho que poderíamos postular no futuro. O trabalho era importante porque era por meio dele que tínhamos que satisfazer necessidades, desejos, sonhos. Em outras palavras, pobre não tem como se manter estudando sem trabalhar. Uma marca que diferenciava essa geração, provavelmente a sua maior diferença, era que ela tinha objetividade, sabia necessariamente onde queria chegar. Foi essa consciência que nos fazia investir tanto do nosso tempo e esforço na busca de um lugar na universidade. Torcíamos pelo vizinho com a certeza de que ele teria influência no nosso futuro. No Codozinho daquela época (dos setenta) quando alguém estava estudando para o vestibular todos nós torcíamos para que essa pessoa lograsse êxito. Cada um representava o bairro querendo entrar na universidade. Por isso, quando alguma pessoa membro da Turma do Saco passava, nós colocávamos o bloco na rua. Essas lembranças M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-A-S enchem os meus olhos de água, chegam mesmo a transbordar. Era muito legal, tínhamos orgulho disso. Era a Dica de dona Ermínia que estava passando no vestibular. Era a Maria Bacabal, filha de Ermínia a doutora formada em Odontologia. A Dadinha, filha da dona Maria Magrinha que passou no vestibular pra Letras. O Joca, filho do Serrote já está formado em Química. Gracinha Cavalcante, estava formando em Química. A Neném de dona Zezé passou para Faculdade de Letras. Wallace, filho do Chico Cabeça entrou na Faculdade de Geografia. O Zequinha de dona Elza passou pra Faculdade de Direito, A Jane Mary passou pra Faculdade de Ciências Contábeis, O Nonato Cavalcante passou pra Faculdade de Direito; o Antônio Cavalcante passou pra Faculdade de Comunicação; o Deco de dona Elza, passou pra Odontologia; Luiz Prego, filho de dona Joana Palitó, passou para a Faculdade de Agronomia. E assim, tantos outros casos foram se sucedendo. Cada pessoa que passava era uma festa, era mais uma vez que colocávamos o bloco na rua para celebrar mais uma vitória da comunidade que resultava de brilhantes esforços individuais. Tínhamos orgulho de dizer que a dona Elza e o seu Zé (ela zeladora de escola e ele expedicionário aposentado) formaram todos os seus filhos: Zequinha, Elzinha e Ezu, advogados; Deco e Aparecida, Odontólogos. Que na casa de dona Ermínia quase todos se formaram: Deuzimar, em Enfermagem; Maria Bacabal, em Odontologia; Dica, em Advocacia; Luís, em Pedagogia; Rosângela, em Serviço Social. Seu Chico Cavalcante e dona Cantídia formaram todos os filhos: Assis, em Matemática; Nonato em Direito; Antônio, em Relações Públicas; Maria dos Anjos, em Pedagogia; Neusinha, em Medicina, e por aí vai. Tínhamos orgulho de morar naquele pedaço de São Luís, nos orgulhávamos de ser vizinho dos nossos vizinhos, éramos felizes por fazer parte da Turma do Saco e víamos no sucesso individual uma forma de projeção daquela comunidade – o Codozinho de Cima. Era por isso que colocamos o bloco na rua toda vez em que cada um de nós passou no vestibular. Entrar na universidade constituía a certeza de mudança na nossa vida. Dali em diante, oportunidades sonhadas poderiam ser realizadas. Tínhamos esta certeza. Contagiávamos todo o bairro com a charanga na rua cantando Alô papai, alô mamãe, bota a vitrola pra tocar, pode tocar foguete que eu passei no vestibular... Todo mundo queria saber o que aquele bando de loucos fazia cantando pelas ruas da cidade. Estávamos compartilhando felicidade, a felicidade de sermos do Codozinho, de participarmos da Turma do Saco, de termos amigos logrando êxito na sua vida particular, concluindo com louvor o rito de passagem para o acesso à universidade pública, gratuita, de boa qualidade. Esse era o espírito do Codozinho dos anos 1970 e 1980.
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domingo, 20 de março de 2011

A construção da sede da Turma do Saco

Lembra do Adoniran Barbosa? Ali, onde agora está aquele edifício alto era uma casa velha... Nós também, parodiando a Saudosa Maloca, do saudoso compositor, poderíamos começar a falar sobre a sede da Turma do Saco quase assim. No nosso caso, o certo é dizer, ali onde agora está a sede da Turma do Saco eram três casas velhas. Numa daquelas casas morou o saudoso Evaldo Rui, Paquinha, Ditinho. Bem, a família do Evaldo se mudou, saiu do Codozinho. As outras duas famílias também se mudaram. As casas pertenciam a uma só família que migrara para o Rio de Janeiro, deixando-as sob os cuidados de um advogado chamado Dr. Pompilo, que para nós, moradores do Codozinho daquela época (início dos anos 1970), era como o caviar da música do Zeca Pagodinho – “...nunca vi, não comi, eu só ouço falar”.
As casas eram tipo porta e janela, com uma construção que combinava taipa e alvenaria de adobe com estrutura em madeira. Sem moradores, frágeis, sem manutenção, logo o tempo se encarregou da demolição. Uma vez caídas, construíram um muro que fechava o terreno.
Aquele terreno era o lugar mais apropriado para soltar as pipas do Luís Carlos. Luís Carlos? É certo que os jovens que residem hoje no Codozinho não sabem nada ou quase nada sobre o Luís Carlos. Essa figura é um capítulo na Hestória do Codozinho. Provavelmente, nem os filhos dele conhece o Luís Carlos do qual eu falo agora, como, aliás, os meus filhos não conhecem o Luiz Prego que o Luiz Carlos conheceu e ajudou muito.
Foi na alfaiataria do Luís Carlos que eu tive a minha primeira oportunidade de trabalho em São Luís. Quando saí de Rosário trouxe na minha bagagem os saberes de aprendiz de alfaiate, acumulados na alfaiataria do lendário Zé Nogueira, sob a orientação do Zé Henrique, a quem sou muito grato. Como os serviços de Luís Carlos se avolumaram, ele precisou de alguém que fizesse os trabalhos manuais e eu e o Rogério Guaianaz (Ratinho) nos habilitamos. Fazíamos bainhas, alinhavos, chulios, pregávamos botões, fazíamos casas para botões, entre outros serviços.
Lembram que na crônica passada eu falei de Nanã, a saudosa dona Belisa? O Luís Carlos era filho de Nanã. Ele era um excelente alfaiate, costurava para metade da elite ludovicense, entretanto, possuía umas manias no mínimo exóticas, muito exóticas. Nós, rapazes do Codozinho daquela época, vivíamos na casa do Luís Carlos. A casa era super aconchegante: tinha cadeira elétrica, manga verde com um preparado de pimenta que ele fazia para presentear o diabo, mas por rejeição do demo, ele nos dava para temperar as mangas verdes que ali comíamos. Era como se estivéssemos mastigando pimentas malaguetas gigantes. Só em lembrar já me arde a boca e meus olhos lacrimejam.
Na sala onde era a alfaiataria do nosso querido Luís Carlos, havia umas três ou quatro cadeiras de ferro revestidas de macarrão. Invariavelmente, uma era a premiada. Ele colocava eletricidade na cadeira. Ligava a um fio elétrico cuja voltagem era controlada por um transformador. Ali, enquanto ele talhava e costurava, ficávamos conversando e quem chegava primeiro logo ia identificando a cadeira que tinha eletricidade e pegava outra, evidentemente. De modo que os primeiros eletrocutados nunca avisavam os que chegavam depois, só para rirmos do choque do próximo desavisado que chegava e de pronto sentava na cadeira e saía dando pinote feito boi de rodeio.
Eu diria que foi por causa de uma invenção do Luís Carlos que iniciamos a limpeza do terreno baldio que restou das ruínas das casas antigas. Ele, nas horas de folga, fazia umas pipas que pareciam ser apropriadas para o King Kong empinar. As pipas eram enormes. Ao invés de linha, eram empinadas com rolos de barbante. Acompanhávamos e o auxiliávamos, sempre curiosos para ver o resultado da exagerada invenção. Quando a pipa subia, aí vinha o desmantelo, eram três a quatro homens pra segurar e terminávamos tendo que soltá-la para evitar estrago maior em nossas mãos e nos telhados dos vizinhos. Soltando pipas com Luís Carlos, cortamos todos os mamoeiros que existiam no terreno. Depois que a pipa abateu o mato maior, sob a liderança do Henrique Pilu, fizemos um mutirão e limpamos o terreno, que naquelas alturas já estava sem muro e sem procurador qualquer.
Depois do terreno limpo, fizemos um barracão de madeira. Coberto com telhas de amianto, ao lado da casa de Bacabal. Assim foi edificada a primeira sede da Turma do Saco, onde fazíamos nossas rodas de samba embaladas por sambas de Benito de Paula, Roberto Ribeiro, Paulinho da Viola, Jorginho do Império e tantos outros compositores e cantores espalhados por este Brasil. Ali o samba de roda nascia redondinho, alimentado por feijoadas, mocotó, sururu, cuxá e outras comidas típicas do Maranhão. Por ali passaram músicos como Henrique Santana, Joacilo, Macarrão, Charles (percussionista), Léo do Cavaquinho, Paulo Trabussi e muitos outros. Isto sem falar nos músicos do bairro, que formavam a roda de samba (César Viégas, o saudoso Assis, Zeco Quim, João Quim, Rogério Guaianaz (Ratinho), Fussura, Laurindo, Lelé, Cosme Cavalcante e muitos e muitos outros.
Com o tempo, o movimento cresceu e tivemos que ocupar todo o terreno, resultando na sede que a Turma do Saco possui hoje, ressalvadas, é claro, as diversas reformas. Em síntese, a primeira sede que construímos para a Turma do Saco resultou de um enorme esforço coletivo. Toda comunidade envolvida participou.

A sede da Turma do Saco

Lembra do Adoniran Barbosa? Ali, onde agora está aquele edifício alto era uma casa velha... Nós também, parodiando a Saudosa Maloca, do saudoso compositor, poderíamos começar a falar sobre a sede da Turma do Saco quase assim. No nosso caso, o certo é dizer, ali onde agora está a sede da Turma do Saco eram três casas velhas. Numa daquelas casas morou o saudoso Evaldo Rui, Paquinha, Ditinho. Bem, a família do Evaldo se mudou, saiu do Codozinho. As outras duas famílias também se mudaram. As casas pertenciam a uma só família que migrara para o Rio de Janeiro, deixando-as sob os cuidados de um advogado chamado Dr. Pompilo, que para nós, moradores do Codozinho daquela época (início dos anos 1970), era como o caviar da música do Zeca Pagodinho – “...nunca vi, não comi, eu só ouço falar”.
As casas eram tipo porta e janela, com uma construção que combinava taipa e alvenaria de adobe com estrutura em madeira. Sem moradores, frágeis, sem manutenção, logo o tempo se encarregou da demolição. Uma vez caídas, construíram um muro que fechava o terreno.
Aquele terreno era o lugar mais apropriado para soltar as pipas do Luís Carlos. Luís Carlos? É certo que os jovens que residem hoje no Codozinho não sabem nada ou quase nada sobre o Luís Carlos. Essa figura é um capítulo na Hestória do Codozinho. Provavelmente, nem os filhos dele conhece o Luís Carlos do qual eu falo agora, como, aliás, os meus filhos não conhecem o Luiz Prego que o Luiz Carlos conheceu e ajudou muito.
Foi na alfaiataria do Luís Carlos que eu tive a minha primeira oportunidade de trabalho em São Luís. Quando saí de Rosário trouxe na minha bagagem os saberes de aprendiz de alfaiate, acumulados na alfaiataria do lendário Zé Nogueira, sob a orientação do Zé Henrique, a quem sou muito grato. Como os serviços de Luís Carlos se avolumaram, ele precisou de alguém que fizesse os trabalhos manuais e eu e o Rogério Guaianaz (Ratinho) nos habilitamos. Fazíamos bainhas, alinhavos, chulios, pregávamos botões, fazíamos casas para botões, entre outros serviços.
Lembram que na crônica passada eu falei de Nanã, a saudosa dona Belisa? O Luís Carlos era filho de Nanã. Ele era um excelente alfaiate, costurava para metade da elite ludovicense, entretanto, possuía umas manias no mínimo exóticas, muito exóticas. Nós, rapazes do Codozinho daquela época, vivíamos na casa do Luís Carlos. A casa era super aconchegante: tinha cadeira elétrica, manga verde com um preparado de pimenta que ele fazia para presentear o diabo, mas por rejeição do demo, ele nos dava para temperar as mangas verdes que ali comíamos. Era como se estivéssemos mastigando pimentas malaguetas gigantes. Só em lembrar já me arde a boca e meus olhos lacrimejam.
Na sala onde era a alfaiataria do nosso querido Luís Carlos, havia umas três ou quatro cadeiras de ferro revestidas de macarrão. Invariavelmente, uma era a premiada. Ele colocava eletricidade na cadeira. Ligava a um fio elétrico cuja voltagem era controlada por um transformador. Ali, enquanto ele talhava e costurava, ficávamos conversando e quem chegava primeiro logo ia identificando a cadeira que tinha eletricidade e pegava outra, evidentemente. De modo que os primeiros eletrocutados nunca avisavam os que chegavam depois, só para rirmos do choque do próximo desavisado que chegava e de pronto sentava na cadeira e saía dando pinote feito boi de rodeio.
Eu diria que foi por causa de uma invenção do Luís Carlos que iniciamos a limpeza do terreno baldio que restou das ruínas das casas antigas. Ele, nas horas de folga, fazia umas pipas que pareciam ser apropriadas para o King Kong empinar. As pipas eram enormes. Ao invés de linha, eram empinadas com rolos de barbante. Acompanhávamos e o auxiliávamos, sempre curiosos para ver o resultado da exagerada invenção. Quando a pipa subia, aí vinha o desmantelo, eram três a quatro homens pra segurar e terminávamos tendo que soltá-la para evitar estrago maior em nossas mãos e nos telhados dos vizinhos. Soltando pipas com Luís Carlos, cortamos todos os mamoeiros que existiam no terreno. Depois que a pipa abateu o mato maior, sob a liderança do Henrique Pilu, fizemos um mutirão e limpamos o terreno, que naquelas alturas já estava sem muro e sem procurador qualquer.
Depois do terreno limpo, fizemos um barracão de madeira. Coberto com telhas de amianto, ao lado da casa de Bacabal. Assim foi edificada a primeira sede da Turma do Saco, onde fazíamos nossas rodas de samba embaladas por sambas de Benito de Paula, Roberto Ribeiro, Paulinho da Viola, Jorginho do Império e tantos outros compositores e cantores espalhados por este Brasil. Ali o samba de roda nascia redondinho, alimentado por feijoadas, mocotó, sururu, cuxá e outras comidas típicas do Maranhão. Por ali passaram músicos como Henrique Santana, Joacilo, Macarrão, Charles (percussionista), Léo do Cavaquinho, Paulo Trabussi e muitos outros. Isto sem falar nos músicos do bairro, que formavam a roda de samba (César Viégas, o saudoso Assis, Zeco Quim, João Quim, Rogério Guaianaz (Ratinho), Fussura, Laurindo, Lelé, Cosme Cavalcante e muitos e muitos outros.
Com o tempo, o movimento cresceu e tivemos que ocupar todo o terreno, resultando na sede que a Turma do Saco possui hoje, ressalvadas, é claro, as diversas reformas.

segunda-feira, 7 de março de 2011

De Os Intocáveis à Turma do Saco

O Codozinho tivera outra experiência carnavalesca, com o bloco tradicional Os Intocáveis, cujo líder era o Zeca Pilu, o Henrique Pilu, José Henrique Franco de Sá, filho do saudoso seu Walterloo, que eu chamava respeitosamente de seu Walter. Não sei qual foi o motivo da desmobilização do bloco Os Intocáveis, mas quando eu cheguei lá no Codozinho já não botavam mais o bloco na rua.
Nos anos 1970 o carnaval iniciava cedo na ilha. Lembro-me de um bloco de sujo chamado Os Gaviões (que nada tem a ver com o bloco de mesmo nome que existia no bairro do Lira) que saía do Beco do Gavião, cujo líder era o Chico, figura muito conhecida na redondeza de São Pantaleão (Praça da Saudade, Madre de Deus, Lira, Codozinho, Belira, Vila Bessa). Chico tinha uma oficina de conserto de geladeiras e congeladores. Pessoa pacífica, mansa, fala fina, carismática, Chico juntava toda vizinhança de São Pantaleão no bloco. Fazia um arrastão. Saía de manhã do Beco do Gavião, passava pela Madre de Deus, Praça da Saudade, Rua do Norte, Rua do Passeio e desembocava no Caminho da Boiada, passava pela Vila Bessa, subia a Belira, o Codozinho de Baixo, o Codozinho de Cima, Lira e depois voltava para o seu lugar de origem.
Era manhã do primeiro Domingo de Janeiro de 1974, e nós, jovens do Codozinho de Cima, esperávamos ansiosos pela passagem de Os Gaviões. Queríamos cair na folia e o bloco era bom demais. Mas, ficamos um tanto decepcionados, quando o bloco entrou no Codozinho de Cima e isto nos deixou meio que paralisados, então resolvemos não acompanhar Os Gaviões. Explico. No Codozinho de Baixo, naquela época, havia uma quantidade significativa de jovens usuários da Canabis sativa (maconha, diamba). Esses jovens entraram todos no bloco e o cheiro de mato queimado era grande. Adite-se a isso, entreveros ocorridos entre uma liderança dos jovens do Codozinho de Baixo (Joacy, o chamado Capanga) e naquela época a liderança maior dos jovens do Codozinho de Cima, o Zeca Pilu, ou Henrique Pilu.
Bem, passado o bloco, ficamos ali na calçada de Nanã, nossa saudosa dona Belisa e, entre uma dose e outra, surgiu a ideia de fazermos uma brincadeira do Codozinho de Cima. Mas, como? Henrique ainda tinha uns surdos e contratempos velhos que sobraram do bloco Os Intocáveis; Sérgio Gordo tinha uns primos que lideravam o bloco tradicional Os Vigaristas (se não me engano), um bloco cuja sede era lá na Rua Jansen Müller. Daí, saímos juntando tambores, consertamos uns, fizemos outros mais e a bateria da brincadeira ficou pronta. Veja que, a princípio, a Turma do Saco aderiu ao ritmo dos blocos tradicionais.
E a fantasia? Como íamos fazer uma fantasia assim de última hora? O carnaval estava em cima... Foi então que uma alma luminosa teve a ideia de comprarmos sacos usados para acondicionar trigo, na Panificadora São Luís, e os transformassem em fantasia, que seria uma blusa com as extremidades desfiada e pintada na frente e atrás.
Depois de tudo pronto, o Henrique lembrou que faltava fazer o estandarte do bloco. E, é mesmo... Mas, para ter um estandarte temos que dar um nome... Qual seria o nome? Turma do Saco... Acredito que foi o próprio Zeca Pilu e o João Quim que deram o nome e todos concordamos unanimemente. Acreditávamos ser um nome um tanto revolucionário, diferente e, até involuntariamente, antagônico à denominação da vizinha Turma do Lamê, originária da Vila Gracinha.
Contada assim parece simples, mas, tudo era feito com muita dificuldade e muita garra. Aliás, se tivermos que nomear a maior característica da Turma do Saco, eu diria que é a garra. O povo do Codozinho é, sobretudo um povo aguerrido.
Toda pequena conquista resultava de um imenso esforço coletivo. O bairro que no passado teve brigas entre vizinhos, agora, com a formação da Turma do Saco, despertara uma união enorme entre as famílias. Mãe ou pai que havia, no passado, brigado por causa de brigas entre os seus filhos, agora estava pasmo sem saber o que fazer, porque via o filho do vizinho invadindo a sua casa junto com o seu filho, antes desafetos, agora unidos pela Turma do Saco, em busca de uma ferramenta, ou um material qualquer para o bloco.
Essa era a grande força, o grande capital coletivo da Turma do Saco, a união entre os seus membros. A união era tão grande que contagiou os bairros vizinhos. Era muito bonito se ver a Turma evoluindo na sua organização: bingos, rifas, piqueniques, rodas de samba, bailes, venda de camisas, eram formas que tínhamos de prover o bloco dos recursos financeiros necessários para o carnaval.
Muita gente ajudou. De Os Intocáveis remanesciam vários amigos que ajudaram a fundar a Turma do Saco - Henrique Pilu, João Quim, Reginaldo Raposo (Seu Reco), Nego Sebastião, entre outros. A esses se juntavam César Viegas, Sérgio Gordo, Antônio Carlos BAIMA (o Tontonho), Zeco Quim, Rogério Guaianaz (Ratinho), Reginaldo Guaianaz (Gago), Osvaldo e Inaldo Loureiro, eu, todos os meus primos (Joca, Eliane, Lelé, João, João, Zequinha e os saudosos Sérgio e Burunga,) filhos do saudoso Serrote e minha tia Eunice. Seria bem mais fácil para mim, se dissesse que toda família do Codozinho participava. Mas, eu cometeria erro de deixar implícitos nomes de destaque como o de Francisco ASSIS, Beth, Dedé, Odila, Zequinha Costa, Ezu, Deco, Zeco Quim, Vaninha, Dadinha, Zeca e Maria Bacabal, Odinéia, Fátima Baixinha, Heleno Fournier, Colozinho, Wallace, o saudoso Eliézer, Neném de seu Walter, e tantas outras pessoas que eu vou citar à proporção que eu for lembrando, em outros artigos.
Apesar dos nomes, na verdade, de cada casa toda a família participava. Era legal. A Turma do Saco mal nascia e já tinha uma velha guarda formada pelos nossos pais. Walterloo, Serrote, Seu Valter, Vó Viró (nossa queridíssima saudosa dona Elvira Baima – avó de todo bairro), Almir, Iramar, Jota Alves e tantos outros amigos queridos. Ali estava todo o bairro unido independente da faixa etária, ou quaisquer outras diferenças. A Turma do Saco surgira pra ser o grande movimento do bairro do Codozinho. Algo muito bonito, envolvente, gostoso de participar, fantástico.
Saímos às ruas embalados por sambas e marchinhas compostos por João Quim e, ainda tocávamos em ritmo de bloco tradicional o gostoso carimbó de Pinduca. Comancheira ô ô ô, comancheira ah, ah, ah, vai lá vai lá vai, comancheira vai bailar. Vou ensinar a sinhá Pureza/a dançar o meu carimbo... O pinto quando nasce/ele dorme debaixo da mãe... e assim, saíamos do Codozinho às duas da tarde e retornávamos às duas da manhã.
No outro dia à mesma hora mobilizávamos o Codozinho cantando, Olha a onda oiô, oiô, olha a onda aia, é a Turma do Saco que acabou de chegar... Assim, saíamos de casa em casa de componentes que convidavam o bloco para as visitas domiciliares. Ótimos tempos: bebida e comida fartas e, o melhor de tudo a camaradagem, amizade, consideração. É interessante lembrar que havia pessoas que ajudavam muito, mas não saíam no bloco. Ajudavam por se verem representados enquanto moradores do bairro, ou mesmo simpatizantes do movimento. Por isso, adianto as minhas desculpas a todos cujos nomes não foram listados aqui.