sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Magno Cruz mais um irmão que se vai


Doeu-me muito saber que o irmão Magno Cruz pereceu. A maneira como eu soube também contribui para que em mim o impacto fosse tão forte. No momento em que atendi o telefonema do meu compadre Laurindo, estava, literalmente, com as trouxas na cabeça, na rodovia BR-010 saindo de Porto Franco para Imperatriz seguido por um caminhão que conduzia a minha mudança de Tocantinópolis/TO para Santa Inês/MA, onde estou residindo a exatos 4 dias.

Conheci Magno Cruz quando ele ainda morava no Bairro Belira e eu no Codozinho, em São Luís/MA. Na época ele era estudante de Engenharia Civil e eu fazia o que hoje se chama de ensino médio. Foi o Zequinha de dona Elza (José dos Santos Costa, ex-deputado estadual, hoje Juiz de Direito) que o apresentou para mim. Fomos apresentados como pessoas que gostavam de samba, que tínhamos algo em comum. Eu era dirigente do bloco carnavalesco Mocidade Independente Turma do Saco, pelo qual ele desfilou um ano apenas.

Com o tempo a Madre de Deus foi tomando conta do coração de Magno Cruz e ele ali chegou a ser dirigente do bloco organizado Caroçudos numa época em que eu voltava à Diretoria da Turma do Saco e pude constatar a força de mobilização que tinha o líder Magno Cruz.

Magno Cruz era pessoa extremamente inteligente, cumpridora dos seus deveres, pontual nos seus compromissos, sério, às vezes até eu o achava sisudo, tamanha a seriedade dele. No entanto, embaixo daquela seriedade toda estava um ser humano sensível aos anseios povo brasileiro, amante dos folguedos populares, festivo na sua essência, sobretudo muito organizado.

Brincava com ele, falando sério naquela época em que amanhecíamos na Madre de Deus - um dia haveremos de trabalhar juntos pela Turma do Saco. Nunca realizei este sonho apesar da admiração mútua. Ele me chamava de modo sério e carinhoso de “meu irmão”.

Ali, na Madre de Deus amanhecemos muitas vezes, ora nos festejos juninos, nos ensaios de bumba-meu-boi movidos pelas catuabas da vida e sempre admirando as toadas maravilhosas de Mané Onça e do nosso saudoso Vavá; ora amanhecíamos nos bares da Madre divina na companhia de Luzian, Laurindo, Maju, do grande percussionista Lázaro, entre outros amigos.

Os papos eram ótimos, falávamos das coisas maravilhosas de São Luís, da cultura da Ilha. Das coisas que nos uniam e nos desuniam: Turma do Saco, Caroçudos, Turma do Quinto, Flor do Samba, URTA, Mané Onça, Humberto de Maracanã, João Chiador, Cristóvão da Madre Deus, comunidades negras rurais, direitos humanos, e tome cerveja para regar um papo tão prolífico, entusiasmado e diverso. Invariavelmente, amanhecíamos em algum boteco da Madre de Deus, ou mesmo no bar da Turma do Saco.

Depois entramos numa fase mais politizada em que Magno Cruz chegou à Diretoria do Centro de Cultura Negra (CCN-MA), do qual sou fundador, junto de amigos como Mundinha Araújo (grande liderança do movimento negro no Maranhão), Dr. Luizão, Dr. Raimundo Antônio, do Adv. Carlos Caroço, Vinólia, Professora Sílvia Black, Avelino Jansen, e outros amigos.

Mundinha Araújo tem o mérito de protagonizar a liderança, mobilização e a articulação de tantas pessoas na condução da fundação do CCN, em 1979. Magno Cruz foi capaz de honrar todo o esforço de Mundinha Araújo, dando ao CCN a configuração de movimento. Movimento, ação, alegria, dinamismo, são termos indicadores da gestão de Magno Cruz no CCN. Diria até que o movimento negro no Maranhão tem como um dos seus marcos de referência a passagem de Magno Cruz pela Diretoria do CCN.

Magno Cruz alçou vôos também na política partidária, na qual eu sei que ele não logrou tanto êxito. Participou da luta corporativa no âmbito da empresa em que trabalhara, mas também ali sofreu várias decepções. Amargou anos de desemprego em decorrência da luta séria que travara, passou por dificuldades e não teve o acolhimento devido no âmbito do movimento social que tanto defendera. Estes foram os ônus de uma luta séria, travada por Magno Cruz sempre visando o bem coletivo.

Magno Cruz jamais exitou em sair na defesa do povo negro, quaisquer fosse a ocasião que assim o demandasse. Lembro-me ainda de uma querela entre ele e o professor Ubirajara Rayol. Este defendia São Luís enquanto Athenas brasileira e repudiava o título de Jamaica brasileira; Magno Cruz rebateu artigos do professor Ubirajara Rayol defendendo o título de Jamaica brasileira que as rádios davam à cidade pela influência que o reagge exerce em uma significativa parte do povo ludovicense. Foi uma briga de gigantes onde cada um defendia a São Luís que lhe ensejava pertencimento. Ambos defendiam a mesma Ilha; Magno Cruz sabia do que falava o professor Ubirajara Rayol e este também sabia do que Magno Cruz falava. A defesa de Magno Cruz se prendia ao fato de que a Jamaica brasileira nada era senão a manifestação cultural de uma parte dos filhos da Athenas brasileira deixados culturalmente órfãos pela soberba indiferença de uma sociedade dita culta.

Poeta, entregou-me uma poesia que fez em homenagem póstuma para Célia Maria minha primeira mulher. Guardo comigo como um troféu, uma consideração irreparável. Magno era amigo de todos os momentos.

Com a passagem de Magno perdemos uma relevante liderança do movimento negro no Maranhão: pessoa séria, corajosa, sensível, intelectualmente brilhante e, sobretudo honrada.

Magno Cruz, é por tudo isso e outras coisas que as palavras não expressam que você nos enche de saudades na sua partida precoce, meu irmão.


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