domingo, 6 de dezembro de 2009

Natal, tempo de confraternizar

Já faz muito tempo que um grupo de amigos que se reunia sempre para bebemorar a amizade, resolveu, no período de Natal, fazer, digamos uma farra diferente. Uma farra de fraternidade, partilha.

Nada de cerveja, vodka, uísque ou qualquer outra bebida alcoólica, a farra seria mesmo de fraternidade. Queríamos nos embriagar de empatia, caridade, irmandade. Olhar irmãos que todos olham e não os veem no dia-a-dia. Assim fizemos.

Reunidos na casa de uma amiga, planejamos como se daria a nossa ação, em que direção ela seguiria, que irmãos seriam contemplados e em que lugar, entre outras coisas.

Dividimos as tarefas de acordo com o que cada pessoa poderia fazer. Combinamos que iríamos distribuir cestas básicas, roupas usadas, brinquedos, enxovais, o que desse para arranjar.

As cestas básicas seriam dadas de acordo com a possibilidade de cada um.

Pesquisamos os preços dos produtos no Bairro do João Paulo, um dos mais populares de São Luís. Ali o comércio atacadista é muito bom e os preços costumam ser ótimos para os consumidores.

Escolhemos e mobilizamos as famílias que receberiam os presentes. selecionamos famílias de uma palafita que fica no Bairro da Camboa e outras que se alojavam embaixo da Ponte Bandeira Tribuzzi. Fomos aos locais, conversamos com as pessoas, marcamos o dia da entrega e relacionamos cada família.

Tudo bem. Chegado o dia, fomos primeiro à palafita. Ali passamos de casa em casa entregando as cestas. Houve algumas pessoas que quiseram receber no meio da rua meio no tumulto, mas, dissemos de pronto: não há necessidade disso, passaremos em cada casa e entregamos os presentes. Tem o suficiente para todos, portanto, esperem em suas casas. E assim foi feito.

Dali fomos para debaixo da ponte Bandeira Tribuzzi, onde estavam várias famílias em estado de miséria absoluta.

Na palafita, as moradias eram precárias, mas existiam, as pessoas tinham abrigo e as condições mínimas de sobrevivência. Ainda que ínfimas, essas condições objetivamente existiam: abrigo, água, luz, móveis, outros. Embaixo da ponte não. Ali não existia qualquer condição. As pessoas não estavam em condições de moradia, estavam jogadas num lixão. Ali não existia água, luz elétrica, nada, nada, nada que propiciasse condições de moradia às pessoas que ali estavam.

Entregamos as cestas básicas e como as condições ali eram muito piores do que nas palafitas, resolvemos entregar as demais coisas para aquelas pessoas. E aí veio a parte que mais nos chamou a atenção. Começamos a distribuir enxovais, brinquedos e tudo mais. Estávamos sobre uma caminhoneta com carroceria que uma das integrantes do grupo arranjara.

Os brinquedos foram muito solicitados pelas crianças. Muitas os receberam e trataram logo de ir brincar. Entretanto, ali estava um menino que não se satisfazia com nada. Demos o primeiro brinquedo e ele pediu mais um; demos o segundo e ele não só pedia mais, como chorava aos berros: mais um, mais um, mais um. E aquilo foi se tornando algo tão incomum que o grupo incomodado, já não sabia mais a quem atender. As coisas ficaram difíceis, as pessoas aproximaram do carro e começaram a balançar como se o fossem revirá-lo. Aí pedimos calma, não nos apavoramos, tratamos de transmitir a maior paz possível e conseguimos concluir a entrega.

Foi dose pra leão, ficamos abalados com o desenrolar da missão. Voltamos pra casa, nos reunimos para avaliar a ação. As pessoas estavam satisfeitas, olhamos de perto algo que no nosso quotidiano vemos com a vista embaçada pelo nosso egoísmo, pelo narciso que se ocupa de cada um de nós, quando ensimesmados pensamos que os nossos problemas são os maiores do mundo.

Agora, com a visão clara, percebíamos que muitos irmãos, conterrâneos nosso ou não, estavam ali sem as mínimas condições de vida, vivendo na miséria, no lixo, sem distinguir ali quem era gente e o que era lixo. Lixo e gente se misturavam como peças de um mesmo cenário – a miséria.

Percebemos que a miséria não tem espaço para princípios, moral, ética, bons costumes, nada; ali “não há oxigênio” todos comungam a despressurização total, portanto, cada um avança no balão de oxigênio mais próximo. O ditado popular “farinha pouca, meu pirão primeiro” é o corolário da miséria. Ali, cada um trata de si enquanto Deus descansa... não há tempo para esperança...pessoas nessas condições chegam logo à insanidade física e mental.

Todos ficamos estupefatos, verificamos que o quanto mais a sociedade vira as costas para os irmãos em estado de miséria, mais a miséria bate às nossas portas de ricochete. As coisas funcionam assim: ofertamos aos miseráveis, o desprezo, a indiferença, a corrupção, o egoísmo, a discriminação social, a ganância, a usura e outros presentes correlatos e indesejáveis; recebemos dos filhos da miséria roubos, furtos, assaltos, homicídios, a droga, a violência em todas as formas e categorias de crueldade.

Foi então que ficamos sabendo: a miséria de cada irmão, a necessidade do nosso vizinho pobre, os problemas de todos os seres humanos em condições delicadas ou subumanas de sobrevivência, nos pertence também. Não convém, portanto, ficarmos enclausurados voluntariamente no nosso egoísmo enquanto lá fora a vida apodrece, porque mais cedo ou mais tarde o cheiro podre de tudo o quanto desprezarmos nos incomodará.

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