domingo, 27 de fevereiro de 2011

De Rosário a São Luís

É sempre muito romântica a visão que um interiorano tem da cidade grande. Comigo não era diferente. Na minha cabeça de adolescente, a passagem de Rosário para São Luís significaria uma mudança muito grande. Morar na cidade, conviver com os avanços idealizados, estudar, ser doutor... Mudar de vida. Não sabia que tipo de doutor queria ser, mas tinha a certeza que seria doutor, que a cidade me abriria essa oportunidade. Seria doutor como o meu padrinho Antônio de Jesus Costa, o Miruca, lá de Rosário. Esse era o meu ideal. Miruca foi, num grande período da minha, o tipo ideal que eu perseguia. Eu o via como um homem inteligente, arguto, popular, querido e respeitável. Em síntese, queria ser doutor como o meu padrinho Antônio.
Foi assim que eu desembarquei em São Luís em dezembro de 1972, após a conclusão do ginásio (que hoje se denomina de ensino fundamental maior). Fui, com muita fé em Deus, atrás da realização dos meus sonhos: cursar o ensino médio, de preferência numa escola pública de boa qualidade, me preparar para entrar na universidade e, a partir desta, realizar os meus sonhos.
Como disse o poeta Gilberto Gil, “Eu também tô do lado de Jesus/ só que acho que Ele se esqueceu/de dizer que na terra a gente tem/que arranjar um jeitinho pra viver”. Eu não sabia muito como iria viver na cidade grande, mas tinha a determinação necessária para viver nela, porque sabia que os recursos que a minha Rosário tinha não seriam necessários para eu chegar onde eu pretendia. Logo eu, um pretenso doutor...
Fiz seleção pra Escola Técnica Federal do Maranhão, não logrei êxito; no Liceu Maranhense também não consegui entrar. Tive que recorrer ao auxílio do meu primo Wallace, lá do Codozinho (embora nessa época ele já morasse no bairro do Apicum), que conhecia a cidade mais do que eu, para me ajudar a arranjar um colégio pra eu cursar o segundo grau (hoje ensino médio).
Foi o meu primo Wallace Braz Sena (aquele do Mojore), que me salvou a pele. Ele me arranjou vaga no Colégio Henrique de La Rocque.
Pronto, a minha vida na cidade estava começando a se arranjar, eu já estava matriculado num colégio, mas onde eu iria morar? Estava na casa da minha Tia Maria, lá no bairro do Diamante, mas só para fazer as provas de seleção para o segundo grau. Minha mãe ficara em Rosário, sabia da minha determinação, mas não articulara nenhuma casa de parente para eu morar em São Luís...
Estava confuso, resolvi ir ao Codozinho, na casa da minha tia Eunice, quem sabe ali eu teria alguma ideia...
Mal cheguei ao Codozinho, fui abordado por um cara magrinho, baixo, falastrão, que eu nunca tinha visto antes, mas que falava comigo como se me conhecesse há mil anos. O cara falava rápido. Nem deixou eu entrar na casa da minha tia Eunice, foi logo me dizendo: - Prego, ali é a tua casa, tua mãe chegou ontem aqui num caminhão, nós que ajudamos a desembarcar a mudança, vem que eu te mostro...é bem ali”. Claro que hoje, quando lembro-me desse episódio eu acho tudo muito engraçado. Mas, foi pelas mãos do Rogério Guaianaz (ou Guaianaes?...) que eu cheguei à minha nova casa.
Minha mãe era uma mulher muito determinada e havia cumprido a promessa. Ela dizia que quando eu fosse estudar em São Luís ela iria junto e, se tivéssemos que sofrer sofreríamos juntos. Eu já morava no Codozinho e não sabia.
Deus prega cada peça na gente... eu mal sabia que Ele, naquele momento, estava me apresentando um amigo, um grande parceiro de estudo, um grande parceiro de roda de samba, um instrumentista pelo qual eu ia ter, num futuro próximo, mais que amizade, a admiração. O cara era controverso, engraçado, cheio de tiradas, magrinho, mirrado, franzino, sabido... Rogério Guaianaz era um cara extremamente sabido. Não era à toa que o apelidaram de Ratinho.
Ele adorava cunhar frases... era o Vicente Mateus do Codozinho. Morro de rir, quando me lembro dele. Era dele a frase: “– Professor não compra caderno”.
Rogério Guainaz era mais que um morador do Codozinho, ele tinha o espírito codozinhense. Dele é a primeira hestória que eu vou contar.
Como todo jovem na adolescência, nós jovens lá do Codozinho adorávamos festa. Sou de uma época em que as pessoas da minha classe social faziam muitas festas em suas casas. Festas dançantes. Gostosas e animadas festas. Festas de vizinhança. Festas de bairro. Éramos exímios penetras, penetras profissionais, vivíamos em festas para as quais não éramos convidados. Festas que muitas vezes encontrávamos por acaso. Sábado à noite saíamos do Codozinho farejando festas, íamos longe, no sentido da música, ou por meio de um boato de algum colega do bairro, da escola, e assim por diante.
Quando estávamos na festa, a concorrência era forte, nós queríamos nos armar (gíria da época que significava ficar com uma garota). E, mal dançávamos com uma garota um colega perguntava se ela dançava bem, se colava o corpo na gente, se era cheirosa, se gostava de dançar chapado (bem coladinho no nosso corpo) e outras interrogações do gênero. Se as informações fossem boas, logo os amigos davam em cima da garota. Todos queriam dançar com ela e conquistá-la.
Sabido como era, Rogério Guaianaz criou logo a sua maneira de despiste. Quando dançava com uma moça e gostava, sentia que dava pra ele conquistar, ou que ela tinha os atributos que ele gostava, terminada a parte, se alguém lhe perguntava sobre a moça, ele fazia uma cara de decepção e a esculhambava. Dizia que a menina dançava mal, pisava muito o pé dele, tinha mau hálito, que era flatulenta, e outras coisas do gênero que fosse o suficiente para ninguém querer dançar com ela. Para surpresa de todos, ele dançava a festa toda com ela e, quando terminava a festa, ainda ia levá-la em casa.
Bobinho esse Rogério Guaianaz, hein?...

sábado, 19 de fevereiro de 2011

O Codozinho e o Mojore

A minha admiração pelo Codozinho, vem desde a minha infância, quando eu ainda residia em Rosário. A minha mãe era muito ligada a minha saudosa tia Eunice, esposa do saudoso Serrote, irmã da tia Jovem, mulher do meu tio Chico Cabeça. Todos residiam lá na Rua Branca.
Minha irmã Idelcira, morava na casa da minha tia Eunice, daí a razão pela qual sempre minha mãe, D. Joana Palitó, me levava para visitar os parentes.
Na verdade, toda essa gente, era aparentada por afinidade, os parentes consanguíneos mesmo, estavam lá na Madre de Deus, na Rua 01, onde residira meu avô, Graco Baima de Linhares, meus tios Cacaraí (que foi jogador do Sampaio Correia), tio Lousa (Inocêncio Linhares, que deu nome à Turma do Quinto), minha tia Maria Pemba, e o tio Beca (Bernardo Fontes). O outro tio e padrinho, Careca (Joaquim Paz de Linhares), também fundador da Turma do Quinto e autor do samba – Salve, salve a nossa escola de samba, escola que o Quinto criou... lembram?) morava em Rosário, era funcionário da Rede Ferroviária Federal S.A. – REFESA.
Bem, depois deste breve ensaio genealógico, eu volto a lembrar que meus primos por afinidade Wallace, Sandra, Joca, Masinha, Eliane, Tânia, Telma, Concita, Burunga e outros, costumavam passar as férias em Rosário. Ah, como era gostosa aquela época!
À medida que eu me aproximava da adolescência a minha relação com o Codozinho se estreitava mais. A minha paixão pelo futebol fez com que várias vezes a minha mãe intermediasse a ida de times do Codozinho para jogar futebol de salão com equipes de Rosário. Os times (Benfica, América...) eram levados pelo meu tio Chico Cabeça, e todos se hospedavam em nossa casa. Eu adorava esse movimento.
Mas, o que me marcou a reminiscência de forma intensa foi o Mojore – Movimento Jovem Renascença, que não era necessariamente, um movimento do Codozinho, mas, vários jovens dali fizeram parte dele.
O Mojore nascera, se não me falha a memória, ainda na década de 60, quando eu ainda morava em Rosário. Era um movimento de produção intelectual, capitaneado pelo então jovem intelectual, o saudoso João Alexandre Júnior, naquela época já um promissor advogado. O veículo de comunicação do Mojore com a comunidade era o jornal O Balaio. Deste movimento participaram amigos, jovens intelectuais do Codozinho, como José dos Santos Costa (Zequinha de dona Elza, hoje Dr. Costa, Juiz de Direito, ex-deputado estadual), o saudoso Evaldo Rui, Francisco Bahia, Wallace Braz Sena, William Ferreira e muitos outros amigos que moravam lá na Rua Euclides da Cunha. Que me desculpem aqueles cujos nomes eu esqueci.
Esse movimento teve forte pulsação intelectual codozinhense, poesias, músicas, artigos, entre outras produções artísticas emergiram no âmbito do Mojore. Contudo, naquela época, os meios de comunicação não davam voz ou vez a esses rapazes – era a época da ditadura militar. Tudo que eles falavam sofria censura. Vários foram chamados aos órgãos de repressão para explicar frases ou mesmo palavras que escreveram em suas produções intelectuais. Era a época do “eu não sei, nunca vi, muito pelo contrário”, ou do “eu não acho nada, um amigo meu foi achar e nunca mais o acharam”. Tristes tempos, uma nódoa que ficará impregnada nas páginas da História do Brasil, como uma vergonha nacional. Não foi uma época fácil.
Nem precisa dizer que o Mojore foi um movimento de vida breve. O Jornal Pequeno era o único a publicar artigos e poesias dos participantes do Mojore e, das emissoras de rádio, a Rádio Educadora chegou a dar oportunidades para que esses jovens se expressassem.
Lembro-me de um programa da Rádio Educadora, denominado “Ei você”, apresentado por um locutor chamado Maurício José, que várias vezes abriu espaço para os jovens participantes do Mojore declamarem poesias, ou falarem das pretensões do movimento.
Creiam, tudo isso eu acompanhava de Rosário, escutando um rádio de pilha que tínhamos em casa, ou lendo edições atrasadas do Jornal Pequeno, que os meus primos mandavam.
No Codozinho falava-se que o jornal O Balaio fez muito sucesso, mas o movimento não resistiu à força da repressão que caiu sobre ele, e adernou no tenebroso mar de intimidação, ameaças e medo suscitados pela ditadura militar. No Codozinho, ainda que ninguém escondesse o temor que se tinha que qualquer um desses jovens viesse a perder a liberdade, todos os admiravam porque eles colocaram a cara de fora numa época em tudo era proibido. De alguma forma, eles abriram caminho para outros movimentos incorporados pelo Codozinho no curso da História (ou Hestória) daquele maravilhoso bairro.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Crônicas sobre o Codozinho

Logo que eu escrevi sobre a minha querida Rosário, terra onde eu nasci, a amiga Socorro Cavalcante, lá do Rio de Janeiro, quando leu não se conteve, e despachada como é, não deixou pra depois: “- E aí Preguinho, não vais escrever sobre o Codozinho, não?”. Não se contendo, foi adiante, dizendo: “- ...te lembra que lá teve Zé Pedrada, Carmem Trovão, Catá, e muitas outras figuras peculiares”. Claro, que eu entendo o que Socorrão estava dizendo e, embora os artigos que de agora em diante escreverei sejam, de alguma forma, para pagar essa dívida com o Codozinho, não seguirei plenamente o raciocínio que ela sugeriu, mas aqui e ali não omitirei as histórias e estórias que muito nos divertem – digo, que divertem os filhos do Codozinho, meus contemporâneos, quando nos encontramos.
São Luís é uma cidade de muitas histórias, com tantas sutilezas, que só as entendemos quando interagimos com essas histórias. Em se tratando de história, este é um termo que no bairro do Codozinho deveria ser grafado assim hestória. É, porque sendo aquele um bairro de tantas histórias e estórias, nunca sabemos onde termina a que contada com H e a que se conta com E. Na verdade, ali as duas se misturam de forma que muitas vezes as histórias do Codozinho parecem ficção e as estórias que se contam de lá soam como verdadeiras diante de personagens como por exemplo, Jorge Cavalcante, irmão da nossa querida Socorro, cujo escopo é de personagem fictício, daqueles que só vemos nos desenhos animados, nas revistas em quadrinhos da minha época de criança, mas não é, o nosso querido Jorge existe em carne e osso e foi nosso contemporâneo de Codozinho.
Não precisa ser um grande observador para ver que o bairro de São Pantaleão constitui-se de uma formação espontânea, comum à ilha de São Luís, construído sob a égide do que em São Luís os setores mais progressistas chamam de ocupação, e os mais reacionários chamam de invasão. Como podemos observar, em São Luís ocupação e invasão é uma questão de ótica e posição. Depende do que é visto do lugar em que se está.
O Codozinho, a exemplo de todos os outros bairros de São Luís que não integram os conjuntos residenciais, é originado da conjunção formada, entre outras coisas, pela preguiça e aversão portuguesa ao planejamento e da criatividade do povo brasileiro, em especial, o maranhense, para transformar espaços vazios, íngremes, insalubres e áreas de mangues, em espaços habitados, historicamente (ou hestoricamente) dinâmicos.
Tanto é assim que em São Luís, o que dá nome aos bairros constituídos espontaneamente é a própria história da forma e da dinâmica como estes se constituíram. Quem pensa que um bairro se faz de várias ruas, em São Luís, “quebra a cara”, porque ali pouco ou nada se define geograficamente, mas social e/ou historicamente. Compreendeu? Eu estou dizendo que aqui é a história que define a geografia e tudo mais que se seguir a esta.
Se situe. Partindo da Praça Deodoro, pela Rua do Passeio, rumo ao Cemitério da Saudade, em frente ao Cemitério vire à esquerda e se depare com uma bifurcação que era chamada de Ferrinho (uma referência ao antigo Ferro de Engomar, comércio que outrora ocupava o prédio que forma aquela bifurcação da Praça João Lisboa, separando a Avenida Magalhães de Almeida da Rua Afonso Pena). Pois bem, seguindo o muro do cemitério entra-se no bairro do Lira; se tomarmos à esquerda da do Ferrinho, estaremos na Rua Euclides da Cunha, a Rua Branca, ou Codozinho de Cima. É daí que eu passo a contar as hestórias que se seguirão a este artigo. Para que você não fique interrogando a razão de uma rua que se intitula bairro ter tanto sinônimo eu lhe explico apenas que paralela à Rua Euclides da Cunha, está a Rua Álvares Cabral, Rua Creme ou Codozinho de Baixo. Bem, como diz o velho ditado popular, para um bom entendedor, meia palavra basta.Agora está dado o pontapé inicial, então eu recorro a nossa querida Socorrão pra dizer que a dívida começa a ser amortizada aqui. Beijo grande a todos os amigos e amigas do Codozinho e, fiquem ligados, porque aí vem hestórias...
Obrigado por comentar.