domingo, 18 de outubro de 2015

Racismo à brasileira



O Brasil é um país maravilhoso. Tem belezas naturais, culturais, econômicas, de toda natureza, que nos dá felicidade ser brasileiro. Amo o meu país, amo viver aqui, ter nascido no Maranhão e, principalmente, ser cidadão rosariense.
Por outro lado, eu acredito que valeria mais a pena morar num país em que o preconceito racial fosse explícito, mas, que as vítimas do preconceito tivessem mais oportunidade social e política, do que viver sob a égide de um racismo tácito, sorrateiro, sub-reptício, sempre disposto a criar “verdades mil” para desclassificar negros e lhes negar, ou mesmo, tirar oportunidades. Essa prática no Brasil chega a dar asco, fico enojado, triste no grau mais profundo de tristeza que um ser humano possa alcançar. Pense nesse nível de tristeza e o multiplique por mil e você poderá imaginar o quanto essa prática me deixa triste.
No Brasil, desde a Copa de 1950, com o maracanaço, quando a seleção brasileira perdeu de 2 a 1 para a seleção do Uruguai, pesadamente marcada pelo gol de Alcides Edgardo Ghiggia, aos 34 minutos do segundo tempo, que a imprensa desportiva manifestamente elegeu o goleiro Barbosa como o culpado pela derrota e, tacitamente, criara um corolário de que goleiros negros sempre levaria a seleção brasileira ao fracasso. O Barbosa, coitado, morreu triste e sempre dizia que preferia ter sido condenado à prisão a carregar aquela nódoa na alma para a vida inteira. Segundo ele, se tivesse sido preso pela derrota do Brasil, teria sido solto após o cumprimento de 30 anos de pena e viveria o resto da vida feliz com a sua família. No entanto, a condenação perpétua em que a imprensa desportiva brasileira lhe impusera lhe fizera réu para toda a vida, o que era humanamente insuportável, dizia sempre emocionado com lágrimas molhando o seu rosto.
Pergunto a vocês que leem este artigo agora: - o maracanaço foi-nos mais vergonhoso que o 7 a 1? Quem culpa o goleiro da seleção brasileira por esta derrota? Quem o condenou? Quem atribuiu a atuação do nosso querido goleiro um desempenho racial? Ninguém. E se alguém assim fizesse, seria tão injusto como foi a imprensa brasileira com o nosso saudoso Barbosa.
Atentem para o que está acontecendo no momento com o nosso craquíssimo Jeferson. No auge da sua forma, o Felipão o barrou para a promoção do Júlio César, quando este se encontrava no pior da sua condição técnica. A imprensa brasileira colocou a língua não sei onde e jamais se manifestou contra esta injustiça. Agora a seleção brasileira vem repetindo atuações vexaminosas, jogando em função de um só jogador, sem garra, com profissionais milionários fazendo as mais hilárias pixotadas em campo e a imprensa inicia uma campanha, um tanto disfarçada, colocando o craque Jeferson como o boi de piranha da vez. No Brasil, essa prática é fortemente incentivada: “tem que ter um culpado, eleja um negro”. O pior que há nessa nefasta prática é que esse tipo de racismo transforma nossos ídolos em marginais. Jeferson é um profissional competente, zeloso pela sua profissão, homem íntegro, e, além de tudo, um craque, cuja posição do Botafogo atual na série B, deve-se muito a sua boa atuação. Que aliás, eu desejei até que não fosse tão boa quanto foi diante do meu querido Sampaio Corrêa Futebol Clube.
Essa prática que eu aqui abomino manifestamente já é antiga. Foram vítimas dela o saudoso Barbosa e o nosso querido Wilson Simonal. Simonal tocou com os maiores músicos brasileiros e quando ele foi colocado em desgraça nenhum dos seus colegas teve a dignidade de abrir portas para que continuasse o exercício da sua profissão. Tal qual o Barbosa foi alvo de uma condenação perpétua com a mais sórdida indiferença dos seus antigos parceiros. Observem que até hoje no Brasil nenhum cantor teve tanto domínio do público quanto Wilson Simonal, que colocava a plateia para cantar saía do palco, tomava um cafezinho, voltava e a plateia continuava cantando animada. Mas, Simonal não fora nomeado rei da música popular brasileira – era o rei da pilantragem. Vejam a sutileza, mesmo sendo os seus shows frequentados por uma classe média alta, ele era apenas o rei da pilantragem.
Não posso deixar de fazer uma menção honrosa ao nosso querido sambista Zeca Pagodinho, quando em determinada ocasião, o compositor Almir Guineto faltou a um encontro, uma gravação que faria com ele, deixando a gravadora/emissora indignada e, no momento da raiva, um diretor mencionou que jamais o Almir Guineto participaria em qualquer evento daquela emissora e, de pronto, Zeca Pagodinho, disse que não podia permitir uma coisa dessas a uma pessoa que lhe dera inúmeros sucessos e, além disso, é um compadre, uma pessoa querida. Mais um dez para esse cara, bom pai, bom avô, bom amigo e, sobretudo, bom caráter. Como sua própria música diz: “ È ser humano”.
O Brasil tem mudado e, em muitos aspectos, para melhor. Por isso, eu não perco a esperança na extinção de prática nefasta como o racismo tácito que classifica para desclassificar e traz pessoas negras à tona como forma de fazê-las sucumbir impiedosamente, impondo-lhes culpas incabíveis para lhes tirar oportunidades conquistadas com muito esforço, dedicação e sabedoria.
Precisamos acabar de vez com essas atitudes nojentas, cortando-as pela raiz em todos os níveis da nossa sociedade. Só assim alcançaremos a nossa democracia social tão desejada, contudo, muito distante. Para tanto, é preciso que cidadãos brasileiros se manifestem contrários a esse tipo de coisa, independente da sua condição física, social, cor, credo, gênero, ou qualquer outra característica que os diferencie.