domingo, 31 de julho de 2011

Codozinho: o lugar e as suas personagens

Zeco Quim

José Henrique dos Santos Quim, nosso querido irmão Zeco Quim. Companheiro, parceiro, amigo, irmão queridíssimo no seio da minha família. No Codozinho, Zeco era uma unanimidade, todos gostavam dele, todos o respeitavam, todos o admiravam pelas suas artimanhas.
De baixa estatura, muito forte, físico atlético, muito comunicativo, Zeco Quim era a expressão mais autêntica do jovem codozinhense. Goleiro do time de futebol de várzea e do time de futebol de salão. Compositor da mais alta linha. De nuances poéticas e melódicas singulares. Foi meu parceiro em alguns dos vitoriosos sambas de enredo que fizemos para a Turma do Saco, parceiro das noitadas de ensaios de bumba-meu-boi, nos quais tocava tambor onça e pandeirão.
Era um ritmista com muita intimidade com o tambor onça – no bumba-meu-boi, e com a cuíca, no samba. Se nas letras abusava do talento poético, no esporte abusava da robustez física. Uma pessoa muito humorada, de bem com a vida, gostava de colocar apelidos nos amigos e com tamanha graça que muitas vezes esses apelidos viravam nome.
Tínhamos um amigo comum, o saudoso Marlon, que uma vez fez um curso com o Zeco, no Colégio Agrícola, no bairro/povoado Maracanã (Escola Agrotécnica) e durante o curso visitando uma horta, o nosso colega se aventurou a comer um quiabo cru. O tal quiabo havia sido recentemente pulverizado com agrotóxico. Ao ser ingerido, causou um mal estar em Marlon, que teve enjoos e ao invés de vômito emitia apenas uma baba. Zeco prestou socorro ao colega, de pronto o medicaram lá mesmo na Escola, mas depois do caso passado Zeco o denominou de La Baba. Pronto, nosso saudoso Marlon morreu muitos anos depois conhecido no nosso meio pelo nome de La Baba.
Numa época, durante os resultados do exame vestibular, nosso amigo Jorge Cavalcante pelou a cabeça com o intuito de ser confundido com universitário. Ele até conseguiu o objetivo, mas ao ser visto por Zeco, lá no Codozinho, este lhe batizou pelo nome de Cachorra Pelada. Jorge não gostou e isso foi o suficiente para que a rapaziada o tomasse como chacota.
Junto com Henrique Pilu, Sérgio Gordo, Inaldo e outros colegas, costumava ir tirar caranguejo nos mangues da Madre Deus, Bacanga. Tudo por farra, coisa de jovem que ama a aventura para liberar adrenalina. Quando voltavam da aventura, cozinhávamos os caranguejos para tirar gosto de uma boa pinga ou cerveja gelada.
Zeco Quim é uma dessas pessoas que eu falo com muito saudosismo. Fizemos muitas coisas boas no Codozinho da nossa época. Jogamos bola juntos, compomos sambas e freqüentamos bares, festas, ensaios de boi, tocamos na roda de samba da Mocidade Independente Turma do Saco. Zeco era 10.
Uma vez, fomos tocar para o Nezinho Soares. Quando chegamos em Pinheiro, fomos levados à casa de um irmão do Nezinho, que nos serviu um substancioso café da manhã. Na mesa, os mais diversos bolos e doces próprios da culinária da Baixada Maranhense. Enquanto tomávamos café rolava um papo muito legal com o irmão do Nezinho Soares, que nos pareceu um homem culto, muito viajado, bem humorado e observador.
De pronto, o anfitrião observou que o Zeco era comilão, embora todo nós comêssemos bem, mas o Zeco comia muito mais do que todos nós juntos.
Conversa vai, conversa vem, todos nós ficamos satisfeitos, só o Zeco continuava comendo. Nosso anfitrião, como bom observador rodava a mesa, dando atenção a todos e ficou conversando bem atrás do Zeco. Como íamos tocar no Povoado Queimada e estávamos a alguns quilômetros da cidade de Pinheiro, alguém disse: - vamos embora? Nesse momento, Zeco Quim, com muita rapidez bebeu o café, comeu tudo que havia colocado no prato e encheu a mão de bolos para levar e, quando foi se levantando, o dono da casa colocando as mãos nos seus ombros e o pressionando a sentar na cadeira, disse: não precisa pressa, pode comer sossegado até ficar satisfeito. E Zeco, sem perder o embalo continuou comendo. Todos rimos à vontade.
Já em Queimada, fomos banhar numa fonte. César Vilela fazia parte do grupo e tirou a roupa para banhar. Zeco viu que o nosso amigo tinha a pele bastante manchada de pano branco, então fez a seguinte observação: - César você tá parecendo uma cobra jibóia. Pronto. Foi a deixa que o Fussura precisava e, desse instante em diante, passou a chamar o nosso amigo de Jibóia. O apelido se alastrou no Codozinho inteiro. Certo dia, estava na Turma do Saco, quando chegou o seu Joel, pai do César Vilela e me perguntou: - Prego, você viu a cobra por aqui? Moral da hestória: Até na casa do César o apelido pegou.
Na hora do almoço, nos chamaram e coloram à mesa apenas uma terrina de macarrão. Foi um “Deus nos acuda”. Todos querendo colocar o macarrão no prato. Depois começou a sair comida de uma cantina: carne bovina, galinha ao molho pardo, carneiro... uma fartura imensa. Era muita comida, farta quantidade, em qualidade excelente. Logo os ânimos acalmaram e a turma começou a comer normalmente. Meia hora depois, todos estavam satisfeitos, só o Zeco Quim continuava comendo. Ficamos batendo papo enquanto Zeco comia e, então Zeco iniciou a campanha da terrina: cada terrina que continha uma qualidade de comida, ele a derramava no seu prato e comia.
Ele dizia pra mim, meu irmão me passa o Júnior aí..., aí eu dava o prato de macarrão. Júnior era uma alusão ao Raimundo João Junior, nosso amigo Macarrão, Raimundo Macarra, que naquela época tocava cavaquinho na roda de samba do Turma do Saco e estava no grupo. Virava para Fussura e pedia: Fussura passa aí o prato da cantora. Fussura pegava a terrina de galinha e dava para o Zeco e ele comia a galinha toda. Assim, Zeco ia exterminando a comida toda. Uma cozinheira assistia a guerra ali de longe e já estava meio intrigada, mas ficou na dela. Zeco a viu e a chamou e pediu educadamente: - Senhora, ainda tem feijão? Ela dise: - Tem, você quer mais? Ele acenou que sim. Ela foi à cozinha e trouxe um enorme papeiro cheio até à tampa. Creio que ela pensou – vou encher a pança desse nagão, agora. Mas, quando ela entregou o papeiro para o Zeco, ela quase morre surpresa com o gesto dele. Zeco, simplesmente, comeu um pouco do feijão que estava no papeiro, pegou uma farinheira e despejou toda a farinha dentro do papeiro e comeu. A coitada da senhora quase morreu surpreendida com o apetite do Zeco Quim.
Essa foi uma viagem prolífica em hestórias. Naquela época, tocávamos quatro horas, fazíamos um intervalo após as primeiras duas horas. Estávamos no intervalo e Zeco chega ao palco ensaboado de calça e camisa. Perguntei – o que tá acontecendo, meu irmão? Ele disse: - Pô mano velho, estava banhando nu no poço da casa de um senhor, quando ele chegou no quintal e me viu nu foi pegar a espingarda pra me matar. Claro, morremos de rir.
Ainda nessa festa, após o almoço, o Fussura ficou fazendo bagunça e não deixou ninguém dormir. Assim, não descansamos o suficiente para enfrentarmos quatro horas tocando na noite. Vínhamos de uma tocata na noite anterior e, sem dormir, enfrentamos mais de seis horas de viagem entre o ferry boat, Pinheiro e o Povoado Queimada. Pagamos caro pela inexperiência e irreverência do nosso amigo Fussura. Nas últimas duas horas da festa estávamos mortos de cansados. Fussura foi o primeiro que pediu penico. Então o Zeco começou a se revesar com ele no surdo. Macarrão, músico experiente, puxava uma música fácil e me chamava e dizia – Prego é fácil, são só essas duas notas, e me passava o instrumento. Assim, fomos nos virando até o final da festa. O detalhe é que não sabíamos que esse tipo de festa, no interior do Maranhão, costuma terminar ao amanhecer. Eram quatro horas e uns minutos, quando terminamos. Mas as pessoas queriam mais festa. Então, um desses mais endinheirados do interior chegou no Macarra e disse: - magro velho eu te pago mais $ tanto para você tocar até de manhã. Raimundo Macarra morto de cansado e com a irreverência que lhe é própria, respondeu: - nem se me der um pouquinho de ..., aí o cara puxou o revólver e começou a dar tiro pra todo lado. Apagaram as luzes, desligando o gerador e eu sair da festa me arrastando pelo chão.
Essas hestórias, são pontos de uma trajetória de boas amizades e momentos que passamos juntos com amigos/irmãos codozinhenses. Zeco, como era bom ir pra avenida desfilar no Saco, podendo contar com a tua garra, tua raça. Como era bom ganhar o carnaval com sambas feitos com a tua parceria. Negão, acredito que poucos compositores brasileiros conseguirão fazer um samba de enredo tão bonito quanto o Mãe África, que fizemos juntos.Mas, o tempo passa e já faz muitos anos que eu não vejo o negão. Desejo que ele esteja acompanhando o nosso blog e se dê conta da saudade que sentimos dele. Maravilhoso Zeco, o meu abraço, meu irmão!
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quinta-feira, 14 de julho de 2011

Codozinho: o lugar e as suas personagens

Elas, as guerreiras da Mocidade independente

Quem ler apressadamente tudo que falei sobre a Turma do Saco e Codozinho até aqui pensará que eu não dei nenhuma importância a figura feminina. Desculpem-me o pecado de não tê-las descrito na dimensão que elas merecem. As mulheres estão presentes em toda história da Mocidade Independente Turma do Saco (MITS) e do Codozinho também.
Na Turma do Saco, as mulheres sempre desempenharam um papel de imensa relevância. Muitas aparentemente nem participavam. Falo de algumas pessoas mais tímidas ou recatadas, que quase não se faziam presentes nas festividades, outrossim, para que estas acontecessem essas pessoas sempre trabalhavam muito.
As filhas de dona Maria Baima são exemplos vivos desse tipo. Ficavam sempre ali na delas, entretanto, na época do carnaval, a casa de dona Maria virava um atelier e as suas filhas, Vaninha e Dadinha principalmente, se transformavam em pintoras, maquiadoras, enquanto dona Maria costurava uma série de fantasias.
Quando o bloco saía, as meninas saíam quase que anonimamente. Vadma e Valdenê, as outras duas filhas suavam a camisa ajudando a minha mãe, dona Joana Palitó, limpando e temperando comidas para que as vendêssemos durante as rodas de samba. Todo esse labor era feito na maior alegria, era a folia da produção voluntária. Naqueles tempos, não se trabalhava por dinheiro, a causa era ver o bloco crescer, o orgulho de ser Codozinho, o orgulho de ser Turma do Saco. Lá em casa, se juntavam a minha mãe, Eliane de Serrote, Lourimar, Mocinha Vilela, Odinéia e muitas outras jovens do bairro.
No que respeita à mobilização de moças para participarem do bloco, salvo engano, nenhuma teve tão relevante papel quanto a nossa querida Elizabeth – a Beth da Praça do Cemitério.
Beth namorava com o nosso amigo Antônio Carlos Baima, o Tontonho, filho da dona Maria Baima (saudosa dona Maria). Esta era a razão pela qual essa bela moça da Praça do Cemitério vai para o Codozinho desempenhar um papel muitíssimo importante para o desenvolvimento da Turma do Saco. Por motivos do coração a MITS ganhou esse belo exemplo de liderança feminina.
Beth estudava no Colégio Rosa Castro, de onde conhecia um elenco de lindas moças que a seu convite e mobilização foram participar da Turma do Saco. Beth fez um verdadeiro arrastão mobilizador. Da Praça da Saudade trouxe todas as suas vizinhas e colegas do Rosa Castro adicionadas a muitas outras do Beco do Burro, São Pantaleão, Beco do Gavião, Madre de Deus. Da Belira, vieram com ela Dedé, Odila, as filhas da dona Glorinha, as irmãs de Beira Mar, as filhas de Juarez e muitas outras moças lindas.
Beth além de grande líder, era uma moça de classe média, educada, de família bem conceituada. Por isso, inspirava grande confiança às mães das suas colegas. Na cabeça das mães, isso funcionava mais ou menos assim, se a filha de Cota e do seu Elpídio está fazendo parte deste bloco, então não há por que impedir que a minha filha participe também.
A mobilização da Beth teve um efeito turbilhão que contaminou o bairro e toda a redondeza. Ajudou a quebrar uma ideologia torpe, nefasta e vergonhosamente triste – a de que os blocos carnavalescos de bairros diferentes ao se cruzarem nas ruas de São Luís deveriam sair para um confronto físico. De pronto, graças a Deus, todos percebemos que não deveríamos expor as nossas amigas à violência de concorrentes alcoolizados que na verdade nem eram nossos inimigos. Então abdicamos da disputa física e colocamos a disputa no âmbito da consciência da mesa julgadora de blocos organizados, que durante o desfile na avenida julgava conforme um regulamento que valorizava aspectos como: samba, fantasia, adereços, alegorias, originalidade, evolução, entre outros quesitos. Aí, nem precisa falar, só deu a Turma do Saco.
As mulheres desse grupo passam a desempenhar um papel interessante também na escolha e na elaboração das fantasias. Foi delas a iniciativa de buscar fora do bairro estilistas experientes para fazer fantasias vitoriosas. O saudoso Erinaldo teve uma maravilhosa participação na Turma do Saco. Fez a fantasia de palhaço, Baile Africano, Mãe África e tantas outras. Nesse contexto, Odila passa a se destacar.
Quando se fala de pessoas numa organização que reunia mais de seiscentos membros ativos - foliões, amigos, gente talentosa de toda estirpe, músicos, há sempre o risco de se incorrer em erros, esquecimentos, injustiças (ainda que involuntariamente), de omitir nomes importantes, por isso eu sempre peço desculpas aos amigos e amigas cujos nomes não foram aqui referidos, porque, como eu já falei anteriormente, muitas pessoas trabalhavam muito, contribuíam muito mas se mantinham distantes, discretas, anônimas, praticamente. Gente assim, como esse cara que eu vou me referir a seguir – Zequinha de dona Elza.

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De Zequinha de dona Elza a Dr. Costa

Há mulheres de luminosidade ímpar, de força tão singular, de tamanha altivez, que no âmbito familiar e na sociedade onde se situa o seu nome cresce e é respeitado de tal maneira que passa a fazer parte do nome de outros membros da sua família, sendo mesmo reconhecido como um quase sobrenome. Esse é o caso da dona Elza. No Codozinho da minha época quase todos os seus filhos tinham o seus nome marcados por esse forte sobrenome – de Dona Elza. Assim, nós chamávamos, Ezu de Dona Elza, Aparecida de Dona Elza, Deco de Dona Elza, Elzinha (já era a dona Elza reproduzida por isso acredito que o povo a poupava da redundância)...
Todos os filhos e filhas da dona Elza e seu Zé Calazans são gente boa, educada e, de algum modo, participaram da Turma do Saco, mas o Zequinha de Dona Elza teve uma participação interessante. Foi ele que escreveu o estatuto e o regimento interno da Turma do Saco.
Zequinha de Dona Elza foi praticamente instado pela comunidade a participar da Turma do Saco. O seu talento de advogado era necessário para preencher a lacuna de legalidade que existia no bloco, enquanto uma organização que pretendia ter recursos e resolver conflitos. Zequinha se destacava desde cedo pela sua inteligência e pela força de vontade e discernimento, aliás, aquela era uma marca da nossa época – força de vontade. Uma boa parte dos jovens do Codozinho daquela época sabia o que pretendia da vida, ou na vida e, canalizavam seus esforços no sentido da consecução dos seus objetivos.
Com Zequinha de Dona Elza não foi diferente. Na verdade, ele foi um exemplo disso. Bem cedo começou a trabalhar no comércio, sendo um desses auxiliares que fazem tudo que um garoto pode, principalmente, se for um garoto pobre. A vida sempre coloca sobre os ombros de garotos pobres mais peso do que eles podem carregar. Mas os fortes, sempre arranjam um modo inteligente de fazer tudo.
Por tudo isso, Zequinha de Dona Elza era uma pessoa admirada por todos nós. À medida que ele ia abrindo os caminhos da vida, abria-nos janelas de sabedoria também. Foi através dele que eu tive contato com os livros de Julio Verne, Alexandre Dumas, Saint Exupery e outros autores. A solidariedade era uma marca forte de Zequinha. Ele se preocupava com os outros também.
O que de mais legal eu me lembro de Zequinha, foi a nossa convivência no Codozinho. Lembro de quando ele saiu da empresa Maranhão Gás Butano, acho que por ter passado num concurso dos Correios e Telégrafos. Vibramos, foi uma coisa muito bacana. Ele pegou a grana da indenização (FGTS e coisa e tal) e fomos ( eu, ele, Deco e Colozinho) para a Praia do Boqueirão. M a r a v i l h o s o dia aquele. Zequinha, somos uns dos poucos maranhenses que conheceram, banharam e desfrutaram dos gostosos frutos da Praia do Boqueirão! É... hoje, infelizmente, aquela praia já não existe mais – foi transformada em Porto da Vale do Rio Doce.
Mas, voltando no tempo. Passamos o dia inteiro banhando, tomando cerveja, cachaça e comendo peixes, pescados e fritos ali, na hora, na hora. Era uma barraquinha, uma casa de pescador nativo ali da praia, dessa Ilha Maravilhosa que é São Luís. Bons papos, amenidades, brincadeiras, entre umas e outras. Jogávamos uns aos outros no mar, corríamos atrás dos tralhotos, nos divertimos a valer até a hora do retorno. Tínhamos que andar um pouco para sair da praia e chegar à estrada onde pegávamos o ônibus. Evidente que na volta pra casa estávamos um pouco bêbados, mas, ai de nós se não estivéssemos assim para enfrentar aquele ônibus na volta.
Zequinha, aquele foi um dia inesquecível na minha vida. Você, o intelectual, o amigo lá do Codozinho, que eu era muito chegado. O Coló era o meu parceiro musical, o meu violonista preferido. O Deco, o meu parceiro de estudo, com quem estudei um bom tempo para enfrentar o vestibular. Eu e o Deco amanhecemos muitos dias estudando. Riscamos muitas manhãs com a ponta de giz restante de noites e madrugadas inteiras de estudo lá naquele quartinho de Bacabal.
Leal, Zequinha sempre foi um amigo leal. É, parece clichê de música de Nélson Gonçalves, mas, entre as maiores virtudes do Zequinha de Dona Elza estão a sinceridade, a seriedade, a honradez, a lealdade. Rasgando seda? Nada disso, falando a verdade mesmo.
Estávamos na época pré-carnavalesca, eu e demais amigos que faziam parte da roda de samba da Turma do Saco (Assis, Fussura, César Jibóia, Zeco Quim, Macarrão, Miguel Onça, se não me falha a memória) viajamos para tocar em Pinheiro, num Povoado chamado Queimada, contratados por Nezinho Soares para animar uma festa que ele fazia anualmente na sua fazenda. Na nossa ausência, outros companheiros da Turma do Saco organizaram uma eleição e elegeram o Zequinha presidente da Turma do Saco. O nome dele era unânime, todos gostávamos, confiávamos e sobretudo respeitávamos ele pela capacidade intelectual e companheirismo. Mesmo assim, ele colocou uma condição aos que o elegeram naquela ocasião; só aceitaria o cargo se eu fosse o vice dele. Nunca esquecerei este gesto.
Zequinha teve uma vida inteira de militância no PC do B. Durante todo esse tempo eu recebia em casa o jornal A Tribuna Operária. Isso me fez respeitá-lo muito mais. Ele sabia que eu pela minha militância cristã e consequente influência da Igreja Católica, tinha grande inclinação pelo Partido dos Trabalhadores, do qual fui fundador e militante numa época em que se dizia em São Luís, que no PT só tinha estudante, não tinha trabalhador.
Depois, como já se previa, Zequinha foi ganhando substância profissional e o nome da sua mãe foi sendo paulatinamente substituído pelo sobrenome de família – Costa. No Mojore, ele já era Costa, mas só no âmbito do Mojore. No Codozinho continuava sendo o Zequinha de Dona Elza. Entretanto, já na faculdade de Direito, nos Correios, no relacionamento profissional, os correligionários de partido, todos passaram a reconhecer o Costa.
Depois de graduado Zequinha foi aprovado em primeiro lugar num concurso do DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público), mas teve a respeitável coragem de abdicar de uma promissora carreira de advogado do serviço público federal para fundar, a convite do Padre Vitor Asselim, a Comissão Pastoral da Terra no Maranhão, junto com a sua parceira de então, a também advogada, Regina Lopes, que também passara no mesmo concurso público, em segundo.
Zequinha de Dona Elza, nesse interregno, se transforma num competente e corajoso advogado dos trabalhadores rurais do Maranhão. Mesmo enfrentando grandes questões, defendendo trabalhadores na luta pela posse da terra, assessorando trabalhadores ora no embate com as autoridades constituídas, em audiências em Palácio, ora em velórios de trabalhadores rurais abatidos pela pistolagem a serviço do grilo e do latifúndio, ele continua a ter uma relação normal com todos os amigos do bairro e, em especial, com a Turma do Saco. Mas, agora já passara a Costa, o advogado, o poeta, o doutor.
Não me esqueço de quando ele se candidatou a deputado estadual pelo PSB – Partido Socialista Brasileiro. Uma boa parte dos amigos já moravam em outros bairros, mas os pais dele ainda moravam no Codozinho. Como todos votávamos ali perto do bairro, nos encontramos no Codozinho, e o Zeco Quim dizia, eu não vou votar no Dr. Costa, vim pra votar em Zequinha de Dona Elza. E eu concordava prontamente com o negão, porque eu sabia que naquelas palavras Zeco dizia que o Dr. Costa era um nome de reconhecimento externo, para além do Codozinho, do nosso espaço de interação comunitária, da amizade dos primórdios; e Zequinha de Dona Elza era a pessoa conhecida pelos do bairro, pelos de casa, pelos da Turma do Saco. Em síntese, Dr. Costa era o Zequinha dos outros, dos de fora; Zequinha de Dona Elza, era o nosso amigo, o nosso irmão, nosso contemporâneo, do Codozinho, da Turma do Saco, o cara que originalmente nós de dentro, do bairro do Codozinho conhecíamos, ou melhor conhecemos. Acredito que naquele momento todos votamos nele simplesmente pela confiança que tínhamos nele. Confiança conquistada em todos esses anos de convivência.
Lembro ainda que foi através de Costa que eu conheci duas pessoas ilustres no mundo do bloco organizado daquela época: o nosso saudoso Magno Cruz, que foi o maior e o mais ilustre dos diretores do Bloco Caroçudos; e o Carlos Caroço, que foi o maior expoente do bloco organizado Unidos do Regional Tocado a Ácool – URTA. Mal sabia eu que o destino iria nos unir ora pelo embate entre os blocos dos quais fazíamos parte, ora pelas causas que nos une enquanto parte do povo negro. Eu e Carlos Caroço fomos fundadores do Centro de Cultura Negra do Maranhão - CCN, numa Diretoria encabeçada por Mundinha Araújo, e Magno Cruz foi o maior Diretor que o CCN teve, apesar de ter como principal liderança quando da sua criação, a grande líder Mundinha Araújo.
José dos Santos Costa, Zequinha de Dona Elza, ou Dr. Costa, hoje Juiz de Direito, ontem deputado estadual e anteontem uma pessoa comum na comunidade do bairro do Codozinho, na diretoria da Turma do Saco, mas sempre um grande homem, uma pessoa sensível aos direitos das pessoas comuns, um contemporâneo, um amigo. Só por isso entramos pela madrugada contando hestórias dessa pessoa. Um forte abraço Costa.
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