terça-feira, 29 de julho de 2008

Festa no interior

Há um clima todo especial na cidade. Nas esquinas, na feira, em todos os lugares públicos onde pelo menos duas pessoas estiverem reunidas, já sabemos, o assunto é só um – eleições municipais. Começou a festa. Agora acontecerão vários comícios na cidade e nos povoados. Todos terminam do mesmo modo, em festa. Apresentações musicais, exibições pirotécnicas, discursos inflamados, ou perniciosos, piadas e insultos contra adversários. Práticas que motivam as conversas no trabalho, no bar, na esquina, na barbearia, nas praças, nas filas de banco, em todos os espaços públicos e privados.
E as posições? Agora muitos assumem as suas posições, as posições políticas: aquelas velhas, batidas e clássicas posições – situação e oposição, que no interior significam estar do lado dos Pereira, ou do lado dos Silva. Os que “viram a casaca” também são comentados como se fossem um terceiro lado, já que esses mudam de lado de acordo com os interesses do dia.
Na campanha política do interior, não se discute a educação, a cultura, o esporte, a saúde, a segurança, políticas de emprego e renda, política fiscal e, muito menos, os desvios de conduta administrativa. Princípios políticos, programas, planos de governo, são coisas distantes dos discursos e da cabeça dos políticos do interior. Isso é coisa de um passado distante e das capitais brasileiras, quando nelas existiam alas de direita e esquerda. Época em que essas posições eram diferenciadas pelos princípios partidários, programas políticos, história política dos candidatos e planos assumidos pelas partes concorrentes.
No interior, onde grassa o analfabetismo, a pobreza, doenças endêmicas, a falta de moradia, falta de saneamento básico, desemprego e, sobretudo a falta de seriedade no trato da coisa pública, a estratégia das campanhas políticas é composta, essencialmente, de três ingredientes: dinheiro, clientelismo e populismo.
O dinheiro é usado para influenciar eleitores, comprando-os, trocando bens e serviços por seus votos. O dinheiro paga contas de água, luz, telefone, materiais de construção, roupas, mensalidade de cursos, dentadura, óculos, bebidas para aniversários, batizados, casamentos, festas de conclusão de curso, botijão de gás, combustível, empregos, bolas e equipagem para times de futebol entre outros favores correlatos. Atender solicitações como estas é apanágio do mercado eleitoral interiorano brasileiro. Esse mercado eleitoral é diverso, conforme a camada social em que atua o político que se candidata a prefeito municipal, ou a vereador. Nesse estrato social, marcado pela falta de bens essenciais e serviços sociais básicos, o comércio eleitoral se nutre da pobreza e da miséria.
O clientelismo tem o efeito de eliminar nos eleitores qualquer atitude de cidadania. Os eleitores, especialmente os pobres, agem como uma massa de tutelados, recorrendo aos candidatos ou a seus prepostos para atendimento de suas necessidades individuais e imediatas e, estes atendem cada eleitor de per si. É claro que o atendimento gera o débito eleitoral que o pedinte deverá pagar com o próprio voto. Este agir cego do eleitor-cliente o impede de se enxergar enquanto um ente coletivo e até mesmo de acreditar em qualquer tipo de organização social capaz de transformar a realidade em que vive. Geralmente não acredita na organização comunitária, de classe, ou em qualquer outro tipo de organização que lhe faculte pensar-se enquanto ente coletivo capaz de contribuir para transformar a comunidade onde mora, a organização que trabalha, ou do município onde nasceu, criou-se e reside. O eleitor-cliente procede diante do político como se este fosse o seu proprietário. Por isso, para ele qualquer tipo de organização, acredita, só poderá lograr êxito se for “abençoada” pelo dono do seu voto.
O populismo tem o poder de ludibriar o eleitor-cliente de modo que ele veja as aspirações das elites como se fossem suas. E mais, acredita que o seu líder, o candidato em que vota, socialmente proveniente das elites, é um dos seus. Isto porque, durante a campanha política este lhe convida para festas em sua casa, ou em clubes do qual participa, o visita e demagogicamente come em sua casa, bebe da sua cachaça, ou lhe patrocina a bebida que bebem juntos. Isto lhe faz sentir-se um Pereira, ou um Silva.
Os Silva e os Pereira se dizem diametralmente opostos, mas, em conteúdo programático são redondamente iguais. Acusam-se mutuamente de cometerem os mesmos delitos administrativos, ou eleitorais, se xingam com os mesmos palavrões e usam as mesmas estratégias para mobilizar o eleitor-cliente: passeatas, carreatas, passeios ciclísticos, cavalgadas e, é claro, a festa. Tudo inicia e termina em festa, muita festa e festa com muito álcool, porque para os Pereira e para os Silva, é necessário entorpecer o eleitor-cliente, assim ele jamais perceberá que, na verdade, os Silva são, de fato, Pereira da Silva; enquanto os Pereira, assinam como Silva Pereira. Os Silva e os Pereira são farinha do mesmo saco, comem na mesma cuia e dormem sobre o mesmo jirau. As suas campanhas políticas são uma conjunção de ludibrio e torpor, porque ludibriado e entorpecido o eleitor-cliente continuará vivendo onde sempre esteve – no limbo; enquanto eles, os Silva e os Pereira se alternam no poder, promovendo festas e distribuindo álcool.