quarta-feira, 23 de maio de 2012

A música de João Gilberto


Sempre admirei a bossa nova. Os arranjos irretocáveis de Tom Jobim, o violão suingado do Roberto Menescal, o violão perfeccionista de Baden Power, o piano de Marcos Vale, a voz afinadíssima de Nara Leão, as canções engajadas do Sérgio Ricardo e tantas outras virtudes que esse movimento maravilhoso possui.
Poderia passar parte da minha vida falando somente desse movimento musical que a arte universal teve o prazer de aninhar. Mais empolgante é o fato de o Brasil ser o lócus onde tudo foi concebido.
Confesso que na música, pouca coisa me emociona tanto quanto o trabalho de João Gilberto. A voz dele não é nada que se compare com a Elis Regina, Alcione Nazaré, Maria Betânia, Nelson Gonçalves, Agnaldo Timóteo, Emílio Santiago. Mas é originalíssima, afinadíssima, quase soletrando as notas de cada acorde que sai de um violão cujo toque ele foi o criador.
No Brasil costuma-se chamar de raiz a música que se presume de maior originalidade, aquela que no curso do tempo preservou a sua integridade intelectual. A música de Cartola, Nelson Cavaquinho, Monarco, Zé Keti, Silas de Oliveira, Monarco, Geraldo Pereira, Noel Rosa, Pixinguinha. É, em síntese, a música que inspira novas gerações a fazer coisas do gênero mesmo que em alguns casos não alcancem boa receptividade.
A música de João Gilberto não carece de rótulos, já traz em si a originalidade que determinou definitivamente o que é hoje a Bossa Nova. A suavidade ímpar, a musicalidade arrojada na forma, o toque diferenciado que a distingue do antes e do depois, mesmo que este dela derive.
Quando eu o escuto, fico a crer que ele bebeu muito na fonte de Dorival Caymmi. Quem sabe tenha bebido tanto que necessitou fazer algo diferente para se sentir com os pés firmes no terreno musical. Se por acaso, assim o foi, as raízes adventícias derivadas dessa multiplicação musical geraram algo de excelente qualidade que passou a se chamar de Bossa Nova.
Sofro de imensa suscetibilidade à música e, quando esta comporta tamanha originalidade como é o caso da que é feita por João Gilberto, confesso que muito me emociona. Sinto um prazer imenso em ouvir. Fico a sorver cada acorde, saboreando cada frase cantada, me deliciando com a delicadeza, a sensibilidade que tudo que ele faz comporta. Não a chamo de música de raiz, deixo claro que ela é a música em sua essência. 


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sexta-feira, 18 de maio de 2012

A liberdade de estudar


De repente ligo a televisão na TV Globo e está passando o programa Profissão Repórter, mostrando a seca do Nordeste e a enchente da região Amazônica. Situações ímpares e muito complicadas para as pessoas que habitam e trabalham naquelas regiões.
O fato que chamou a minha atenção foi a explicação de um senhor entrevistado, se não estou enganado, no município Boca do Acre. O repórter chegou à casa do entrevistado – uma casa de madeira, tipo palafita, cuja elevação, provavelmente, previa a ocasional incidência de enchentes. Os terrenos todos estavam sob a água, os animais domésticos de pequeno porte, foram recolhidos aos cômodos da casa, os proprietários fugiram da enchente e voltavam ali para alimentar os animais. Ao abrir a porta o repórter depara com um mapa do Brasil na parede da casa e, admirando-se diz: olha aqui um mapa – e pergunta ao morador dali:
- você pode identificar no mapa onde nós estamos agora?
Ele responde, um tanto acanhado, constrangido, além de triste pelas perdas decorrentes da enchente:
- Não, eu não sei ler, eu não tive a liberdade de estudar.
Talvez aquele senhor nem tenha a consciência da profundidade da frase com a qual exprimira o sentimento de ter sido em toda a sua vida tolhido do direito de educar-se, estudar e ter uma compreensão do mundo mais acurada, poder ler a vida, saber a sua posição no espaço geográfico e social. Mas, foi incisivo, objetivo na sua afirmação: - não tive a liberdade de estudar...
Não sei se ao se expressar o entrevistado tinha de fato a intenção de ser tão profundo e abrangente. Se ele falava isso baseado nos fatos e fatores causadores das faltas que o atinge em cheio: educação, saúde, segurança, são serviços dos quais carece, mas pouco, ou quase não tem acesso. Mas quem o priva da liberdade de estudar, ou priva os seus filhos e demais familiares de outros serviços públicos imprescindíveis e, assim da liberdade do exercício plena da cidadania? A mão da corrupção, a má distribuição de renda, políticas públicas exclusivistas que mesmo quando feitas em nome das camadas mais populares, perdem-se pelos ralos da desonestidade de políticos rapaces.
Pela resposta que deu, via-se que o entrevistado não é letrado, mas muito sábio, capaz de decifrar o mundo ao seu redor de forma simples e objetiva, explicando dessa forma os males sociais que o atinge brutalmente, tolhendo-o do acesso a direitos constitucionalmente garantidos, impedindo-o de fazer aquilo que para qualquer pessoa significa abrir a porta do mundo – saber ler e por meio da leitura poder adentrar outros universos.
Nobre senhor, que mesmo tendo a liberdade de estudar tolhida, não lhe deixou tolher a liberdade de raciocinar e criar assim outras portas de entendimento da vida. Jogado à invisibilidade foi focado pela televisão; subtraído do direito de compreender as letras não abdicou do exercício do pensar e o exercitou com a maestria dos filósofos que não tendo acesso às escolas das letras buscou saberes na escolas da vida. Pois nesta, tolher a sua liberdade significaria podar a sua própria vida.

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segunda-feira, 7 de maio de 2012

As mensagens


As mensagens sempre conduzem na essência algum tipo de impacto emocional para o espírito humano.
Este pode ser negativo ou positivo, mas estará sempre presente na mensagem: é o recado que dela emana.
A internet incrementou a mensagem, aliando à letra, a música e a imagem, dois componentes que se bem equacionados ajudam no envolvimento espiritual daqueles/as que a leem. A imagem leva aos olhos a beleza do além, do belo, de alhures antes sequer sonhados, entretanto, quando ao alcance dos olhos, passa a fazer parte do desejo humano. A música, lenitivo maior da alma, nos ajuda nessa viagem de contemplação, envolvimento, aprendizado, desejo. Envolve-nos ainda numa espécie de assepsia espiritual, higiene mental, lavagem da alma, nos deixando leves e livres para sorver cada frase, pasmar com as imagens e embriagar-nos com a melodia que salta das cordas, das teclas, dos metais, dos couros - naturais, ou sintetizados – sempre envolventes. Agora não somos só leitores, mas já nos sentimos envoltos na própria mensagem, passamos a fazer parte dela, pela forma que com ela nos identificamos. Ela nos toca, nos provoca, nos convida, nos envolve. Pronto! Realizado está o desejo de quem a desenhou, compôs, formatou, configurou...
Assim são as mensagens.
Há mensagens que nos envolvem pelo conteúdo semântico;
Há mensagens que nos seduzem pelas imagens;
Há mensagens que nos embriagam pelas melodias que as compõem.
Há aquelas que a um só tempo nos envolvem, nos seduzem e nos embriagam, porque nelas a palavra, a imagem e a música estão combinadas de tal forma e com tamanha harmonia, que sem percebermos nos deixamos levar numa viagem emocionalmente salutar... viajar, viajar, viajar...
Há mensagens que para além de tudo que possa conter nos prendem da mesma forma, não ao seu conteúdo; palavra, imagem, som, apesar de significantes, não significarão tanto, quanto as pessoas que as remetem. Porque a lembrança que estas têm dos destinatários valem mais que a própria mensagem. Porque a lembrança é a própria mensagem da significação do destinatário.
Então, quem diria?! A mensagem, agora mera mensageira, nos entrega a mensagem da significação da amizade. Então a música, a palavra, a imagem passam a ter um único e inconfundível significado:
- Ei, você que recebe esta mensagem é muito, muitíssimo importante para mim.
Lembrar-se é a mensagem.