quarta-feira, 1 de julho de 2009

Negro ou moreno não é essa a questão

De repente, enquanto fazia compra numa loja, duas senhoras se encontram e se cumprimentam com a simpatia de quem mesmo sem se conhecerem, de repente, se reconhecem e logo uma aborda a outra.
- Ah, você mora aqui?
- Sim eu resido aqui há quase cinco anos.
- Incrível! Eu nunca vi você aqui e esta cidade é tão pequena. Conheço praticamente todo mundo daqui e nunca vi você.
- É, eu saio pouco e, ainda trabalho no município vizinho, do outro lado do rio, no outro estado.
- Qual é o seu nome?
- Carmem. E o seu?
- Ieda, mas, todos aqui me conhecem como Edinha.
- Você é casada?
- Sim, o meu marido é vendedor da Loja Tecidos do Oriente.
- Ah, eu sei a senhora é esposa daquele senhor moreno, alto, simpático,...
- Olha podemos até está falando da mesma pessoa, porque, realmente, o meu marido tem as características que a senhora se refere, mas, ele não é moreno, ele é negro.
- Negro? O que é isto senhora, negro não, ele é moreno, simpático, educado... não é negro.
- Não, o meu marido é negro. Repetiu Carmem a sorrir.
E ficariam teimando o dia todo se o marido da Carmem era negro ou moreno, mas, Carmem de modo inusitado, disse a sua interlocutora: - olhe eu sou mulher dele, a senhora quer saber mais do que eu qual é a cor dele?
A história aqui contada não teria qualquer importância se por trás dela não tivesse uma série de fatos propulsores das atitudes das duas protagonistas.
De um lado está dona Edinha, cuja postura indica tratar-se de uma pessoa simpática, educada, buscando aproximar-se da dona Carmem, que para ela trata-se uma pessoa interessante cuja presença lhe chamou a atenção. Mas, entre uma e outra há concepções de vida e histórias diferentes.
Incomoda a idéia subjacente à atitude de achar que quase tudo que é negro não presta, em oposição, se for branco deve ser visto como algo positivo. Digo quase tudo porque quando se trata de grana, todo mundo deseja ganhar uma grana preta. Por outro lado, ninguém gosta de ter um branco quando submetido a um teste, ou diante de uma negociação importante, ocasião em que o esquecimento de fatos, dados ou quaisquer informações importantes pode resultar em perdas.
Na verdade, trata-se de uma idéia previamente concebida, histórica ou imemorialmente. Em muitos casos quem a usa nem se percebe da forma que a utiliza, não sabe ou não se reconhece como usuário de atitude preconceituosa e, não raras vezes, é capaz de jurar que esta não foi sua intenção. Não obstante, o modo como age é revelador da sua concepção no mínimo reprovável ao rejeitar a cor negra, clareando alguma pessoa negra, chamando-a de morena/o, para justificar o fato de poder assim se aproximar dela, de externar sua admiração, até pensando agradá-la, uma vez que se trate de pessoa graduada, ou bem inserida social e economicamente.
Melhor seria valorizar as diferenças existentes entre as pessoas, porque todas são diferentes e, no caso brasileiro, é esse conjunto de diferenças que forma essa maravilha chamada povo brasileiro. Depreciar a pessoa humana em função de diferenças biológicas é atitude tão repugnante quanto desconhecer a existência do holocausto. Ademais, como diz o compositor Billy Blanco, na sua memorável música A banca do distinto: “todo mundo é igual quando a vida termina, com a terra por cima na horizontal”.Então pra que essa coisa boba de achar que para sermos bons temos que ser biologicamente iguais, ou que fulano é superior porque é azul, sicrano é inferior porque é verde, ou ainda, beltrano não pode isto ou aquilo porque é rosa? Só para lembrar, o povo brasileiro é originalmente constituído do nativo, do branco e do negro. Todos têm importância de relevo na formação do país, portanto, deixar de reconhecer a importância de uma dessas partes é subtrair o país da sua originalidade histórica.
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