Já faz tempo que se criou este símbolo
de resgate da autoestima do povo negro no Brasil – o dia da consciência negra.
Uma data carregada de simbologia: a morte de Zumbi, o maior símbolo de
liderança do povo negro no Brasil; uma forma de refutar o dia 13 de maio, pela
insignificância que de fato esta data tem para o movimento negro no Brasil; por
ser o 20 de novembro, essencialmente, um dia de luta, uma forma de tornar cada
brasileiro de pele negra consciente de que neste país as mudanças que
pretendemos no âmbito coletivo ou pessoal só serão conseguidas com muita luta.
As batalhas vencidas por Ganga Zumba
e Zumbi dos Palmares nos enchem de força para no plano social trabalharmos
mais, estudarmos mais, para termos mais e melhores ferramentas para
enfrentamento da vida nos dias atuais. Sabemos do quanto a educação é
necessária para mudarmos a realidade dos negros no Brasil. Sabemos do quanto é
difícil falar sobre o racismo, uma vez que a hipocrisia reinante nesta terra
desde os primórdios estabeleceu um código tácito que dita que apesar da sua
existência é melhor que dele não se fale.
Como não falar do racismo no
Brasil? Tivemos bem mais de três séculos de escravidão e depois um processo
abolicionista que jamais foi aceito pelos senhores de escravos e, pasmem, esse
ódio foi passado de geração a geração ora de maneira tácita e sub-reptícia, ora
de modo explícito e grosseiro. Em decorrência dessa rejeição ou relutância à
abolição da escravatura, a comunidade negra após a conquista da abolição vive
uma experiência de exagerada falta de oportunidade. Fica fora da agenda
governamental por muito tempo e passa a ocupar os lugares periféricos tanto na
geografia como na sociedade brasileira. Isto, é claro tem reflexos contundentes
na estatística do país. Ainda que se tente camuflar fica muito difícil de não
se perceber que neste país a pobreza tem cor, a população encarcerada tem cor,
o analfabetismo tem cor, o desemprego tem cor, o subemprego tem cor.
Esta estatística demarca os
limites da falta de oportunidades a qual este povo foi submetido e, de certo
modo, ainda o está no Brasil hodierno. Apesar de tudo que fez a mão de obra
escravizada para enriquecimento dos senhores das plantations e, consequentemente, em detrimento do próprio desenvolvimento
dos negros no Brasil, há ainda quem ache que esse povo não mereça qualquer de
reparação por tudo que lhe tiraram – milhões de vidas, liberdade, separação
familiar, impossibilidade da aquisição da terra, impossibilidade de resgate dos
elos familiares com a terra mãe. Nesse sentido, a existência de milhares de
comunidades negras rurais com posse secular, cujas terras até hoje não foram
reconhecidas e devidamente tituladas, nos revela uma face lamentável do racismo
brasileiro.
Há muito predominou o discurso de
que o nosso país é uma democracia racial pelo fato de brancos e negros não
viverem em confronto manifesto, apesar da torcida do Grêmio de Porto Alegre.
Entretanto, esqueceu-se de lembrar aos inventores desse discurso que uma
democracia étnica se faz criando um ambiente em que todos tenham oportunidades
iguais.
Apesar de tudo, essa data é também comemorativa,
uma vez que ela marca uma série de conquistas que o movimento negro conseguiu
ao longo do tempo. Irmãos de todas as raças e de todos os credos, lutemos para
que o Brasil seja um país capaz de viver com as diferenças intrínsecas que lhes
são historicamente genuínas. O racismo não constitui um problema apenas daqueles
que o sofrem, mas de toda a sociedade onde este estiver inserido.