O Brasil é um país maravilhoso.
Tem belezas naturais, culturais, econômicas, de toda natureza, que nos dá
felicidade ser brasileiro. Amo o meu país, amo viver aqui, ter nascido no Maranhão
e, principalmente, ser cidadão rosariense.
Por outro lado, eu acredito que
valeria mais a pena morar num país em que o preconceito racial fosse explícito,
mas, que as vítimas do preconceito tivessem mais oportunidade social e
política, do que viver sob a égide de um racismo tácito, sorrateiro,
sub-reptício, sempre disposto a criar “verdades mil” para desclassificar negros
e lhes negar, ou mesmo, tirar oportunidades. Essa prática no Brasil chega a dar
asco, fico enojado, triste no grau mais profundo de tristeza que um ser humano
possa alcançar. Pense nesse nível de tristeza e o multiplique por mil e você
poderá imaginar o quanto essa prática me deixa triste.
No Brasil, desde a Copa de 1950,
com o maracanaço, quando a seleção brasileira perdeu de 2 a 1 para a seleção do
Uruguai, pesadamente marcada pelo gol de Alcides Edgardo Ghiggia,
aos 34 minutos do segundo tempo, que a imprensa desportiva manifestamente
elegeu o goleiro Barbosa como o culpado pela derrota e, tacitamente, criara um
corolário de que goleiros negros sempre levaria a seleção brasileira ao
fracasso. O Barbosa, coitado, morreu triste e sempre dizia que preferia ter
sido condenado à prisão a carregar aquela nódoa na alma para a vida inteira.
Segundo ele, se tivesse sido preso pela derrota do Brasil, teria sido solto
após o cumprimento de 30 anos de pena e viveria o resto da vida feliz com a sua
família. No entanto, a condenação perpétua em que a imprensa desportiva brasileira
lhe impusera lhe fizera réu para toda a vida, o que era humanamente
insuportável, dizia sempre emocionado com lágrimas molhando o seu rosto.
Pergunto a vocês que leem este
artigo agora: - o maracanaço foi-nos mais vergonhoso que o 7 a 1? Quem culpa o
goleiro da seleção brasileira por esta derrota? Quem o condenou? Quem atribuiu
a atuação do nosso querido goleiro um desempenho racial? Ninguém. E se alguém
assim fizesse, seria tão injusto como foi a imprensa brasileira com o nosso
saudoso Barbosa.
Atentem para o que está
acontecendo no momento com o nosso craquíssimo Jeferson. No auge da sua forma,
o Felipão o barrou para a promoção do Júlio César, quando este se encontrava no
pior da sua condição técnica. A imprensa brasileira colocou a língua não sei
onde e jamais se manifestou contra esta injustiça. Agora a seleção brasileira
vem repetindo atuações vexaminosas, jogando em função de um só jogador, sem
garra, com profissionais milionários fazendo as mais hilárias pixotadas em
campo e a imprensa inicia uma campanha, um tanto disfarçada, colocando o craque
Jeferson como o boi de piranha da vez. No Brasil, essa prática é fortemente
incentivada: “tem que ter um culpado, eleja um negro”. O pior que há nessa
nefasta prática é que esse tipo de racismo transforma nossos ídolos em
marginais. Jeferson é um profissional competente, zeloso pela sua profissão,
homem íntegro, e, além de tudo, um craque, cuja posição do Botafogo atual na
série B, deve-se muito a sua boa atuação. Que aliás, eu desejei até que não
fosse tão boa quanto foi diante do meu querido Sampaio Corrêa Futebol Clube.
Essa prática que eu aqui abomino
manifestamente já é antiga. Foram vítimas dela o saudoso Barbosa e o nosso
querido Wilson Simonal. Simonal tocou com os maiores músicos brasileiros e
quando ele foi colocado em desgraça nenhum dos seus colegas teve a dignidade de
abrir portas para que continuasse o exercício da sua profissão. Tal qual o
Barbosa foi alvo de uma condenação perpétua com a mais sórdida indiferença dos
seus antigos parceiros. Observem que até hoje no Brasil nenhum cantor teve
tanto domínio do público quanto Wilson Simonal, que colocava a plateia para
cantar saía do palco, tomava um cafezinho, voltava e a plateia continuava
cantando animada. Mas, Simonal não fora nomeado rei da música popular
brasileira – era o rei da pilantragem. Vejam a sutileza, mesmo sendo os seus
shows frequentados por uma classe média alta, ele era apenas o rei da
pilantragem.
Não posso deixar de fazer uma
menção honrosa ao nosso querido sambista Zeca Pagodinho, quando em determinada
ocasião, o compositor Almir Guineto faltou a um encontro, uma gravação que
faria com ele, deixando a gravadora/emissora indignada e, no momento da raiva,
um diretor mencionou que jamais o Almir Guineto participaria em qualquer evento
daquela emissora e, de pronto, Zeca Pagodinho, disse que não podia permitir uma
coisa dessas a uma pessoa que lhe dera inúmeros sucessos e, além disso, é um
compadre, uma pessoa querida. Mais um dez para esse cara, bom pai, bom avô, bom
amigo e, sobretudo, bom caráter. Como sua própria música diz: “ È ser humano”.
O Brasil tem mudado e, em muitos
aspectos, para melhor. Por isso, eu não perco a esperança na extinção de
prática nefasta como o racismo tácito que classifica para desclassificar e traz
pessoas negras à tona como forma de fazê-las sucumbir impiedosamente,
impondo-lhes culpas incabíveis para lhes tirar oportunidades conquistadas com
muito esforço, dedicação e sabedoria.
Precisamos acabar de vez com essas atitudes
nojentas, cortando-as pela raiz em todos os níveis da nossa sociedade. Só assim
alcançaremos a nossa democracia social tão desejada, contudo, muito distante.
Para tanto, é preciso que cidadãos brasileiros se manifestem contrários a esse
tipo de coisa, independente da sua condição física, social, cor, credo, gênero,
ou qualquer outra característica que os diferencie.