quinta-feira, 1 de maio de 2008

A Estrada[1]


Luiz Fernando do Rosário Linhares[2]

Enquanto percorremos o trajeto até um ponto determinado, atravessamos diversos ambientes diferentes. Natureza preservada ou ambientes transformados pela ação antrópica. Matas, florestas diversas nos envolvem em suas distintas belezas. Cerrados, babaçuais, essências florestais exóticas e valorosas, flores silvestres que embelezam os ambientes em que vivem.
Veja o ipê roxo, o ipê amarelo, as flores e os frutos do cerrado. O pequi, caju, manga, laranja e as diversas espécies cítricas que compõem a paisagem de lugares que vemos enquanto trafegamos pela estrada.
Taperas, casebres rodeados de mandiocais, macaxeirais, pomares e ex-pomares característicos desses lugares abandonados, quase sempre ornamentados por jardins remanescentes.
Corpos d’água se sucedem, com distintas dimensões características: grotas, grotões, córregos, riachos e rios de águas límpidas, frias e chamativas ao banho; ou de águas turvas, quentes e piscosas cativantes daqueles que praticam a pesca. Estas ou aquelas, muitas vezes, formam os chamados balneários, que em muitos lugares são as principais diversões e entretenimento das populações locais ou regionais. Os ribeirões deste ou daquele, o córrego tal, lugares da natureza com nomes indicativos daqueles que a comercializam, ou de figuras localmente emblemáticas, denominações que evocam a própria natureza, a sua magnitude, a sua beleza, o carinho que os locais ou os nativos têm por esses lugares históricos.
As cachoeiras, elas às vezes aparecem do nada, assim como algo vindo com o propósito de provocar, nos amantes da natureza, maravilhosa surpresa. Lá estão elas enfiadas nos cerrados, em lugares distintos e distantes, surpreendentemente lindas. Vale a pena espichar o pescoço como se isso fosse suficiente para olharmos mais um pouquinho enquanto percorremos a estrada.
As estradas nos emprestam conhecimentos geográficos e sociais. Aliás, na estrada mesmo o geográfico é social. Da paisagem da natureza, às vilas, os casebres, as borracharias, os bares, os postos de combustíveis – tudo é social. Tudo resulta da interação entre as pessoas e o ambiente, das sociedades com as paisagens em que se vêem envoltas.
Acampamentos ou assentamentos humanos constituem ações antrópicas naturo-transformantes. Não raras vezes essas ações iniciam com a construção da estrada. Tanto é assim que há aqueles que lutam para que não sejam construídas em alguns lugares, como áreas indígenas, ou nas ditas unidades de conservação. Mesmo assim, há ambientes como estes que são cortados por estradas em diversas direções e com finalidades que ferem a integridade da conservação e da preservação do meio ambiente.
A estrada bem poderia ser tomada como o símbolo, o emblema mais original do interesse do capital. Onde há interesse capitalista a estrada é logo construída, porque ela é a marca primordial da possibilidade de concretização da finalidade capitalista.
Os interesses do capital desenvolvem seus fluxos com o desenvolvimento da estrada. Ela é o símbolo primordial do desbravamento, do desmatamento, da abertura do bem e do mal, que, aliás, constituem faces da vida.
Da estrada surgem casas, povoados, vilas, acampamentos, assentamentos, colônias e cidades. Estrada é via de abastecimento e escoadouro. Caminho por onde passam muitas pessoas, mas também, onde elas se encontram. Ela as trazem e as levam, com os seus anseios, aspirações, habilidades e possibilidades de realização de vivências diversas.
Não foi por acaso que o capital engendrou a estrada, quando percebeu que as vias fluviais e marítimas eram insuficientes para atenderem aos seus gulosos interesses. Para além disso, ele a ergueu sob e sobre rios e mares, porque ela – a estrada, é o mais curto atalho do interesse capitalista.
Estrada e vida se interam, se integram e desintegram. Vêem-se inteiramente necessárias ou desnecessárias à preservação uma da outra. Estão sempre dependentes de como são visualizadas, os objetivos de suas existências constituem o que definitivamente determina a harmonia ou a incompatibilidade da vida com a estrada.
Enfim, a estrada é vida, que nasce com o desenvolver da vida, de vidas, das vidas. Estrada e vida moderna se confundem se integram e se conflitam.

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[1] Escrito no restaurante do Posto Santo Antônio, em Luzinópolis/TO, em 18/05/2005.
[2] Engenheiro Agrônomo e Mestre em Políticas Públicas.

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