domingo, 14 de dezembro de 2008

Adeus Lilás

Nas nossas vidas há presenças que chegam assim por encanto e outras que nem percebemos, mas, quando nos damos conta já fazem parte do nosso convívio.
Acredito que ainda distante, percebia a tua presença como uma pessoa ligada à Rosângela, naquela época supervisora, depois alçada à gerência da agência do Banco da Amazônia em Tocantinópolis, que no convívio diário preferíamos chamá-la Rosinha ou Rosa. Para mim, você era empregada na casa da Rosa, só depois eu fui perceber que para além disso, você era na verdade tia do marido da Rosa, o Jessiano.
Com a Rosa na gerência da agência você foi contratada como uma espécie de zeladora. Desde esse tempo passamos a conhecê-la melhor: nas festas no Basa Clube, quando cantávamos no Caraoquê, ou no bate papo ali mesmo enquanto tomávamos uma gelada, que aliás, você gostava muito.
Tinha uma mão abençoada para cozinhar, bastava-lhe o mínimo de condimentos para que você fizesse uma comida maravilhosa. Foi bem aí, que nos aproximamos mais. Com a avalanche de trabalhos que tínhamos na época, trabalhávamos muitas vezes sem pensar sequer no horário, pensávamos apenas no cumprimento do dever. Entrávamos às oito da manhã saíamos às oito da noite e, não raras vezes, saíamos de madrugada.
Nessa época começamos a recorrer a você para fazer, uma vez ou outra, o nosso almoço na cozinha da agência. Fazíamos cota, comprávamos peixe, carne, ou frango e entregávamos para você. Não precisava falar a hora de comer, sentíamos o cheiro da comida saborosa que você fazia e logo mandávamos o recado: “fulano diga a Lila que feche a porta da cozinha que a comida está cheirando lá na rua e a agência está cheia de clientes”.
Às vezes comprava peixe e pedia a você que cozinhasse pra gente. Era uma festa na cozinha, no interregno das doze às quatorze horas. E você Lila, com seu paladar maravilhoso, patrocinava aquele nossos momentos de alegria, quando do aperreio nosso de cada dia para cumprir as metas do Banco, mesmo num momento quando essas não nos eram impostas.
Daí então, passei a chamá-la Lilás, aquela presença de mais de quarenta anos de vivência, com a simplicidade dos sábios, a ingenuidade de uma criança, uma vertente etílica irreparável, de modo que eu, às vezes pensava que alguma coisa lhe afligia tanto a alma para que você se submetesse seguidamente às limpezas etílicas da alma como forma de aplacar as dores espirituais.
Foi o mesmo álcool que lhe servia de lenitivo, que lhe afastou do trabalho que tanto nos uniu. Seguidas chegadas com atraso ou faltas ao trabalho comprometeram a sua estabilidade no emprego, não bastasse a falta da Rosa transferida para Araguatins, lhe faltara também o emprego, apesar das nossas intervenções inócuas.
Mas, agora nada disso lhe fará falta, porque Lila, ou Lilás, como eu preferia, já não pertence mais ao nosso mundo, se eternizará na memória daquelas pessoas que desfrutaram da sua amizade. Já perdoou a todos lhe feriram e já não guarda qualquer resquício de mágoa no peito, porque anjos não magoam e não guardam rancores. Já fez sua passagem, e tudo que viveu aqui, alegrias, tristezas, saudades, melancolias, ou quaisquer outros sentimentos faziam parte de um rito que lhe determinara o Senhor do Universo – o seu rito de passagem.
Vai Lilás, aqui já completaste o teu rito de passagem, deixando em nossos peitos o vazio irreparável da amizade simples, aos familiares a lacuna perpétua do amor que dedicaste aos pais, filhos, irmãos, sobrinhos e netos.
E a mim, que às quatro e quarenta da manhã não consigo dormir, lembrando do convívio, das tuas confidências, do modo como você me chamava de “Seu Luís”, resta-me verbalizar as minhas lágrimas com as tuas lembranças. Adeus Lilás.

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