Naquele Domingo ele amanheceu sem muita disposição. Levantou foi à igreja, depois passou na feira livre comprou algumas frutas e retornou para casa.
Estava sem vontade qualquer. Deitou no sofá pra assistir televisão numa indisposição incômoda. Poderia ter saído para um churrasco com amigos, ir a um balneário, ou almoçar no restaurante Coentro Tapuio, ali onde costumava comer peixes frescos pescados no Araguaia ou no Tocantins.
Preferiu evitar companhias, quis ficar em casa, ler, sentir-se à vontade, meditar. E assim foi naquele Domingo.
Na segunda-feira foi trabalhar. Foi um dia parecido com muitos outros que vivera. Chegou e logo ligou o ar condicionado. Abriu as cortinas: queria sentir os raios de sol invadindo a sala.
Ligou o computador, olhou as mensagens no correio eletrônico, respondeu algumas, leu a costumeira mensagem que o seu chefe colocava na rede às segundas e minimizou o correio. Depois se conectou a sua página predileta e leu as notícias de sua preferência: política, esporte, economia. Logo se iniciou uma sequência de espirros. Foram espirros e mais espirros, algo fora do normal. Secou o seu estoque de “saúde!”, palavra que costumava dizer após cada espirro.
Os colegas que trabalhavam em sua volta começaram a expressar certo incômodo. Naqueles tempos havia uma pandemia de gripe suína, muitas mortes estavam ocorrendo no mundo, todos temiam um surto mais expressivo.
Depois dos espirros começou a coriza. Aquela secreção nasal e a sensação de que todas as cavidades nasais estavam congestionadas. O lenço molhara tanto que parecia ter sido imerso na água. Foi assim o dia todo. Mas, nada que atrapalhasse a sua rotina de trabalho.
O despertador tocou as quatro da manhã. Acordou, desligou o despertador do telefone celular, olhou as horas e voltou-se para a cama. Pegou o lençol fechou os olhos e quis dormir mais um pouco. Lembrou do compromisso que o esperava. Tinha que viajar, alguém lhe esperava no outro estado distante dali cem quilômetros. Não, definitivamente não podia obedecer as ordens do seu corpo, teve que esquecer aquela indisposição, fazer a higiene bucal, lavar o rosto, vestir um agasalho e sair. Não banhou como de costume, estava muitíssimo indisposto para tanto. Seu corpo parecia febril.
Ligou o carro e saiu. Parecia ser o seu dia de sorte: a balsa estava na rampa quando ali chegara. Legal! Logo estaria no outro estado sem ter que esperar mais de meia hora como das outras vezes. Deu graças a Deus! Sentiu-se aliviado.
Tinha o tempo a seu lado por isso dirigia sem pressa. Fez uma viagem tranqüila até a estação rodoviária de Imperatriz, no Maranhão. Deixou o carro no estacionamento e pôs-se a olhar ônibus por ônibus para ver se algum daqueles ali estacionados viera de São Luís. Não era o caso; todos vieram de outros lugares. Dirigiu-se a uma lanchonete tomou um copo de café com leite quente e sentou-se no banco mais próximo. Ficou ali por quase meia hora observando o movimento, o contínuo vai e vem dos viajantes. A alegria, a incerteza dos que chegam; a alegria, a incerteza dos que se vão.
De repente saiu andando para o outro lado da plataforma, quando ouviu o grito da sua filha: - olha o papai, mamãe! Elas estavam lá. Já faz tempo que vocês chegaram? – perguntou ele.
- Não, chegamos agora mesmo, estava apenas tomando um café aqui na lanchonete – explicou a esposa.
Colocaram as malas no carro, se acomodaram e ele pediu para que fossem a um hospital. Estava se sentindo mal. Ela perguntou o que era: ele respondeu que era gripe.
No hospital, se dirigiram à emergência, ele fez o prontuário e ficou esperando que o médico o chamasse. O médico foi até a recepção, conversou com a atendente e em seguida o chamou: Sr. Inácio Mousinho. Logo ele se apresentou e o médico lhe solicitou que o acompanhasse até o consultório. Ali, como sempre acontece, o médico lhe perguntou o que estava sentindo, iniciando desta forma o processo de anamnese. Era final de plantão. O médico o examinou, ouviu o seu pulmão com auxílio do estetoscópio, solicitou que ele respirasse profundamente e depois lhe receitou alguns remédios. Chamou uma enfermeira e pediu a ela que lhe fizesse logo alguma medicação, em seguida saiu do plantão.
Quando o outro médico entrou procurou se informar da situação com as enfermeiras de plantão. Perguntou, já aplicaram soro no paciente? Não, vou aplicar um soro glicosado agora. – respondeu a técnica em enfermagem. De pronto a esposa do paciente disse: olha, ele é pré diabético. Isso fez com que o médico mudasse de idéia e, com ares de quem estava com medo de chegar perto do paciente, disse: faça a medicação que falta e o libere; não é caso para internação.
Apesar dos apelos da mulher para dirigir o carro, Inácio Mousinho não cedeu,voltou para casa dirigindo. No entanto, ainda a caminho se deu conta que não tinha condições para fazer outra coisa além de repousar e tomar remédios. Sem qualquer explicação aquele médico mudou um dos remédios receitados pelo primeiro que me atendeu. Murmurou ele para a esposa. Ela respondeu monossilabicamente, como se estivesse um tanto pasma com a atitude do médico – é...
Em casa, apesar dos remédios, os espirros cederam lugar para uma tosse seca, sem escarros, incômoda, que lhe forçava os músculos do peito e da barriga, extraindo da sua garganta um som estrondoso e áspero. Sentia vergonha daquela tosse barulhenta, mas independia da sua vontade. Não tinha forças ou qualquer recurso físico ou biológico para contê-la naqueles momentos de agonia.
A tosse quase convulsiva lembrava os meninos da sua infância, acometidos da tosse braba (nome dado à coqueluche). Naquele momento na sua visão passava um velho filme em que ele via na beira do rio várias mães dando leite de coco babaçu para os seus filhos e em seguidas os banhava como forma de combater a tosse braba. Lembrava dos casos em que crianças sadias arremedavam àquelas que tinham a tal tosse.
Depois começou a pensar no papel religioso da doença, que, aliás, também é um papel social. Pensou como ela, a doença, transforma a pessoa sadia e apta a uma série de coisas, num ser carente de ajuda sem qualquer autonomia, inapto, inerte, sem condições, sem autoridade qualquer. Parece que esse efeito tem o papel de fazer a pessoa pensar sobre a sua verdadeira importância na vida. O rico, o autoritário, o poderoso, o mandão, o culto, o inculto, o violento, o depravado, o sabe que sou eu?..., o Zé Ninguém, que diferença têm quando estão sobre o leito, derrubados por uma enfermidade que os imobilizam? Parece que de certo modo a doença tem um papel de equidade.
Por outro ângulo, parece que ela tem o papel da sombra a realçar o contorno da imagem, quando muitos que por ela passam reconhecem que o mais importante da vida é vivê-la na sua plenitude, valorizando a própria vida tal como a vida das pessoas com as quais nos relacionamos.
É a doença que nos dá também a dimensão da ideia falsa do ser insubstituível, na proporção em que vidas passam e a vida continua. Nada para com a ocorrência da morte, enquanto consequência da enfermidade.
Absorvido pela tempestade de idéias sobre a vida e a morte, a saúde e a doença, a vivência e a convivência, Inácio Mousinho desperta de repente como se estivesse saindo de um sonho, um pesadelo, um passamento. Mas, porque tudo isso, será que eu estou pensando?... Não, acho que ainda não, mas, se eu tiver mais um dia de tosse, nessas condições, provavelmente, não resistirei. Pensou. Os músculos do meu peito, além de doídos estão supercansados, os músculos da minha barriga estão podres. Evidentemente, não resistirei a mais um dia tossindo desse jeito. Desta vez, pensou alto, como se estivesse dialogando com alguém. Será que terei que devolvê-la agora. Mas, assim sem nenhum aviso? Bem sei que da vida somos fiéis depositários, entretanto, acho que a devolução deste bem não deveria se dar de forma assim tão abrupta.
No dia seguinte, ele acordou mais esperto, até suou quente, sentiu a vida lhe acariciando o corpo. A tosse desaparecera, ninguém em casa estava contaminado com os seus espirros ou a sua tosse. Ah, que alívio, não se tratava de uma epidemia familiar. Por falar em familiar – pensou ele – como se dá a escassez de amigos quando adoecemos, ainda mais nestes tempos de ameaça de pandemia. Ah, como é bom e importante o aconchego familiar.Inácio queria sentir a sensação de liberdade. Levantou, abriu a janela para o sol entrar, olhou para o céu, agradeceu ao Grande Senhor do Universo, respirou fundo, abriu os braços e, como se falasse com alguém que só ele mesmo via, esbravejou num grito imenso de felicidade – estou apto para a vida novamenteeeeeeeee.
Estava sem vontade qualquer. Deitou no sofá pra assistir televisão numa indisposição incômoda. Poderia ter saído para um churrasco com amigos, ir a um balneário, ou almoçar no restaurante Coentro Tapuio, ali onde costumava comer peixes frescos pescados no Araguaia ou no Tocantins.
Preferiu evitar companhias, quis ficar em casa, ler, sentir-se à vontade, meditar. E assim foi naquele Domingo.
Na segunda-feira foi trabalhar. Foi um dia parecido com muitos outros que vivera. Chegou e logo ligou o ar condicionado. Abriu as cortinas: queria sentir os raios de sol invadindo a sala.
Ligou o computador, olhou as mensagens no correio eletrônico, respondeu algumas, leu a costumeira mensagem que o seu chefe colocava na rede às segundas e minimizou o correio. Depois se conectou a sua página predileta e leu as notícias de sua preferência: política, esporte, economia. Logo se iniciou uma sequência de espirros. Foram espirros e mais espirros, algo fora do normal. Secou o seu estoque de “saúde!”, palavra que costumava dizer após cada espirro.
Os colegas que trabalhavam em sua volta começaram a expressar certo incômodo. Naqueles tempos havia uma pandemia de gripe suína, muitas mortes estavam ocorrendo no mundo, todos temiam um surto mais expressivo.
Depois dos espirros começou a coriza. Aquela secreção nasal e a sensação de que todas as cavidades nasais estavam congestionadas. O lenço molhara tanto que parecia ter sido imerso na água. Foi assim o dia todo. Mas, nada que atrapalhasse a sua rotina de trabalho.
O despertador tocou as quatro da manhã. Acordou, desligou o despertador do telefone celular, olhou as horas e voltou-se para a cama. Pegou o lençol fechou os olhos e quis dormir mais um pouco. Lembrou do compromisso que o esperava. Tinha que viajar, alguém lhe esperava no outro estado distante dali cem quilômetros. Não, definitivamente não podia obedecer as ordens do seu corpo, teve que esquecer aquela indisposição, fazer a higiene bucal, lavar o rosto, vestir um agasalho e sair. Não banhou como de costume, estava muitíssimo indisposto para tanto. Seu corpo parecia febril.
Ligou o carro e saiu. Parecia ser o seu dia de sorte: a balsa estava na rampa quando ali chegara. Legal! Logo estaria no outro estado sem ter que esperar mais de meia hora como das outras vezes. Deu graças a Deus! Sentiu-se aliviado.
Tinha o tempo a seu lado por isso dirigia sem pressa. Fez uma viagem tranqüila até a estação rodoviária de Imperatriz, no Maranhão. Deixou o carro no estacionamento e pôs-se a olhar ônibus por ônibus para ver se algum daqueles ali estacionados viera de São Luís. Não era o caso; todos vieram de outros lugares. Dirigiu-se a uma lanchonete tomou um copo de café com leite quente e sentou-se no banco mais próximo. Ficou ali por quase meia hora observando o movimento, o contínuo vai e vem dos viajantes. A alegria, a incerteza dos que chegam; a alegria, a incerteza dos que se vão.
De repente saiu andando para o outro lado da plataforma, quando ouviu o grito da sua filha: - olha o papai, mamãe! Elas estavam lá. Já faz tempo que vocês chegaram? – perguntou ele.
- Não, chegamos agora mesmo, estava apenas tomando um café aqui na lanchonete – explicou a esposa.
Colocaram as malas no carro, se acomodaram e ele pediu para que fossem a um hospital. Estava se sentindo mal. Ela perguntou o que era: ele respondeu que era gripe.
No hospital, se dirigiram à emergência, ele fez o prontuário e ficou esperando que o médico o chamasse. O médico foi até a recepção, conversou com a atendente e em seguida o chamou: Sr. Inácio Mousinho. Logo ele se apresentou e o médico lhe solicitou que o acompanhasse até o consultório. Ali, como sempre acontece, o médico lhe perguntou o que estava sentindo, iniciando desta forma o processo de anamnese. Era final de plantão. O médico o examinou, ouviu o seu pulmão com auxílio do estetoscópio, solicitou que ele respirasse profundamente e depois lhe receitou alguns remédios. Chamou uma enfermeira e pediu a ela que lhe fizesse logo alguma medicação, em seguida saiu do plantão.
Quando o outro médico entrou procurou se informar da situação com as enfermeiras de plantão. Perguntou, já aplicaram soro no paciente? Não, vou aplicar um soro glicosado agora. – respondeu a técnica em enfermagem. De pronto a esposa do paciente disse: olha, ele é pré diabético. Isso fez com que o médico mudasse de idéia e, com ares de quem estava com medo de chegar perto do paciente, disse: faça a medicação que falta e o libere; não é caso para internação.
Apesar dos apelos da mulher para dirigir o carro, Inácio Mousinho não cedeu,voltou para casa dirigindo. No entanto, ainda a caminho se deu conta que não tinha condições para fazer outra coisa além de repousar e tomar remédios. Sem qualquer explicação aquele médico mudou um dos remédios receitados pelo primeiro que me atendeu. Murmurou ele para a esposa. Ela respondeu monossilabicamente, como se estivesse um tanto pasma com a atitude do médico – é...
Em casa, apesar dos remédios, os espirros cederam lugar para uma tosse seca, sem escarros, incômoda, que lhe forçava os músculos do peito e da barriga, extraindo da sua garganta um som estrondoso e áspero. Sentia vergonha daquela tosse barulhenta, mas independia da sua vontade. Não tinha forças ou qualquer recurso físico ou biológico para contê-la naqueles momentos de agonia.
A tosse quase convulsiva lembrava os meninos da sua infância, acometidos da tosse braba (nome dado à coqueluche). Naquele momento na sua visão passava um velho filme em que ele via na beira do rio várias mães dando leite de coco babaçu para os seus filhos e em seguidas os banhava como forma de combater a tosse braba. Lembrava dos casos em que crianças sadias arremedavam àquelas que tinham a tal tosse.
Depois começou a pensar no papel religioso da doença, que, aliás, também é um papel social. Pensou como ela, a doença, transforma a pessoa sadia e apta a uma série de coisas, num ser carente de ajuda sem qualquer autonomia, inapto, inerte, sem condições, sem autoridade qualquer. Parece que esse efeito tem o papel de fazer a pessoa pensar sobre a sua verdadeira importância na vida. O rico, o autoritário, o poderoso, o mandão, o culto, o inculto, o violento, o depravado, o sabe que sou eu?..., o Zé Ninguém, que diferença têm quando estão sobre o leito, derrubados por uma enfermidade que os imobilizam? Parece que de certo modo a doença tem um papel de equidade.
Por outro ângulo, parece que ela tem o papel da sombra a realçar o contorno da imagem, quando muitos que por ela passam reconhecem que o mais importante da vida é vivê-la na sua plenitude, valorizando a própria vida tal como a vida das pessoas com as quais nos relacionamos.
É a doença que nos dá também a dimensão da ideia falsa do ser insubstituível, na proporção em que vidas passam e a vida continua. Nada para com a ocorrência da morte, enquanto consequência da enfermidade.
Absorvido pela tempestade de idéias sobre a vida e a morte, a saúde e a doença, a vivência e a convivência, Inácio Mousinho desperta de repente como se estivesse saindo de um sonho, um pesadelo, um passamento. Mas, porque tudo isso, será que eu estou pensando?... Não, acho que ainda não, mas, se eu tiver mais um dia de tosse, nessas condições, provavelmente, não resistirei. Pensou. Os músculos do meu peito, além de doídos estão supercansados, os músculos da minha barriga estão podres. Evidentemente, não resistirei a mais um dia tossindo desse jeito. Desta vez, pensou alto, como se estivesse dialogando com alguém. Será que terei que devolvê-la agora. Mas, assim sem nenhum aviso? Bem sei que da vida somos fiéis depositários, entretanto, acho que a devolução deste bem não deveria se dar de forma assim tão abrupta.
No dia seguinte, ele acordou mais esperto, até suou quente, sentiu a vida lhe acariciando o corpo. A tosse desaparecera, ninguém em casa estava contaminado com os seus espirros ou a sua tosse. Ah, que alívio, não se tratava de uma epidemia familiar. Por falar em familiar – pensou ele – como se dá a escassez de amigos quando adoecemos, ainda mais nestes tempos de ameaça de pandemia. Ah, como é bom e importante o aconchego familiar.Inácio queria sentir a sensação de liberdade. Levantou, abriu a janela para o sol entrar, olhou para o céu, agradeceu ao Grande Senhor do Universo, respirou fundo, abriu os braços e, como se falasse com alguém que só ele mesmo via, esbravejou num grito imenso de felicidade – estou apto para a vida novamenteeeeeeeee.
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