Bem, agora temos o Estatuto da Igualdade Racial, resultado da luta do movimento social e do incansável senador Paulo Paim (PT-RS), homem obstinado e alinhado aos anseios dos movimentos populares. Encaminhou a proposta com firmeza, habilidade e determinação, obtendo o resultado possível e, em minha opinião, positivo. Passaram-se, aproximadamente, dez anos, da apresentação do primeiro esboço até a aprovação da versão definitiva.
Na verdade, o Estatuto da Igualdade Racial é um documento cujo papel primordial é ratificar a existência da desigualdade racial no âmago da sociedade brasileira. Nesse sentido, não há o que comemorar. Porque o documento é um esforço repetitivo de um monte de direitos que outros dispositivos legais já preconizam à totalidade da população brasileira, mas que o Estatuto os enfatiza direcionando-os a comunidade negra.
A grande pergunta é: - há necessidade disto? Sim. Infelizmente, sim. Assim aos poucos o Estado e a elite deste país, sempre refratários a observar o fosso social que separa brancos e negros, vão desembaçando o olhar dissimuladamente preconceituoso, ao mesmo tempo em que são compelidos a refletirem sobre o racismo que os imobiliza à promoção de políticas que criem oportunidades de reduzir a amplitude da desigualdade entre brancos e negros.
Se, entretanto, visto como um indicador da civilidade do povo brasileiro, é uma vergonha. Não o Estatuto em si, o documento, mas a própria sociedade brasileira, especialmente a sua elite.
A visão embaçada de setores da sociedade brasileira os conduzem a uma postura contrária às medidas compensatórias que venham à reparação da indiferença política e social do Estado para com os negros no interregno de toda a História do povo brasileiro. A elite deste país sempre teve restrições em mostrar a face negra do povo brasileiro e, sempre que pode, mostra para além do Atlântico um Brasil sem ou de poucos negros.
Assim, o Estatuto da Igualdade Racial só se justifica diante do vigor do preconceito racial, enfatizo, dissimulado, vivo e forte na sociedade brasileira. Embora caminhemos brancos e negros lado a lado.
Não trocamos tapas pela diferença na cor da pele, mas negamos a oportunidade para que negros adentrem à universidade com a mesma facilidade que os brancos; não há uma luta armada no campo, mas negamos os instrumentos legais capazes de oportunizar a legalização das terras que os negros moram e trabalham há séculos. Se não possuem o domínio não têm acesso ao crédito rural para o desenvolvimento de uma agricultura mais moderna e lucrativa; não tendo direito ao crédito decente e farto como têm a maioria dos fazendeiros brancos, lhes negam, concomitantemente, o direito à riqueza. Isto, quando não negam ou refutam, cinicamente, toda a história de posse que consagra o direito a dominialidade às terras das comunidades negras rurais. Infelizmente, digo, infelizmente, no Brasil a brutalidade do preconceito é tamanha que o Estado brasileiro é capaz de negar o reconhecimento das comunidades quilombolas que nem o tempo foi capaz de negar; não nos defrontamos nas instituições públicas, mas, nelas nunca foram desativados os mecanismos que impedem o ascenso dos negros aos seus mais destacados cargos.
Eis aí o campo de validação do Estatuto da Igualdade Racial no Brasil – o preconceito racial. O Brasil de uma sociedade dividida entre os iguais e os mais iguais. Estes mais poderosos, donos de todo o poder, estão sempre prestes a criar, dissimuladamente, artifícios impeditivos da ascensão daqueles. O Brasil da dissimulada e “prestativa” democracia racial. O Brasil que divide os seus cargos públicos entre os seus filhos mais iguais e coloca todos os iguais numa “Secretaria da Igualdade Racial” especialmente criada, sem orçamento, sem funções e cargos consolidados, sem nada, mas apenas com o pomposo nome de Secretaria de Estado, ou mesmo de Ministério. O Brasil que teima em não ver que a igualdade não tem que ser dissimulada, engodo, ou ato paliativo de enganação ou ludibrio.
O Brasil que refuta o Estatuto da Igualdade Racial, o faz por mero esforço de retórica como se isso destruísse todo racismo edificado no dia a dia, até mesmo em atos que contestam o direito de negros lutarem para ter direitos.
Pra ser sincero, eu preferia um Brasil onde não houvesse necessidade, nem espaço para um Estatuto da Igualdade Racial. Um Brasil sonhado, onde negros e brancos tivessem iguais oportunidades; onde negros não tivessem que estudar tanto para ganhar o mesmo salário, ou um salário menor que o de um branco inculto. Um Brasil que as comunidades negras rurais tivessem o direito ao domínio das suas terras, de posse mansa, pacífica e secular; um Brasil em que negros competentes ocupassem lugares condizentes com as suas respectivas formações e competências, sem a necessidade de criar guetos institucionais, como secretarias e ministérios natimortos para serem ocupados por negros; um Brasil em que os negros não significassem tanto como significam hoje nas estatísticas policiais; um Brasil em que o bojo da massa de pobres, analfabetos, favelados, não tivesse a cor negra. É, mas, infelizmente, este Brasil, o Brasil que eu sonho, ainda está por ser construído. Enquanto isso, viva o Estatuto da Igualdade Racial!
Obrigado por comentar.
Na verdade, o Estatuto da Igualdade Racial é um documento cujo papel primordial é ratificar a existência da desigualdade racial no âmago da sociedade brasileira. Nesse sentido, não há o que comemorar. Porque o documento é um esforço repetitivo de um monte de direitos que outros dispositivos legais já preconizam à totalidade da população brasileira, mas que o Estatuto os enfatiza direcionando-os a comunidade negra.
A grande pergunta é: - há necessidade disto? Sim. Infelizmente, sim. Assim aos poucos o Estado e a elite deste país, sempre refratários a observar o fosso social que separa brancos e negros, vão desembaçando o olhar dissimuladamente preconceituoso, ao mesmo tempo em que são compelidos a refletirem sobre o racismo que os imobiliza à promoção de políticas que criem oportunidades de reduzir a amplitude da desigualdade entre brancos e negros.
Se, entretanto, visto como um indicador da civilidade do povo brasileiro, é uma vergonha. Não o Estatuto em si, o documento, mas a própria sociedade brasileira, especialmente a sua elite.
A visão embaçada de setores da sociedade brasileira os conduzem a uma postura contrária às medidas compensatórias que venham à reparação da indiferença política e social do Estado para com os negros no interregno de toda a História do povo brasileiro. A elite deste país sempre teve restrições em mostrar a face negra do povo brasileiro e, sempre que pode, mostra para além do Atlântico um Brasil sem ou de poucos negros.
Assim, o Estatuto da Igualdade Racial só se justifica diante do vigor do preconceito racial, enfatizo, dissimulado, vivo e forte na sociedade brasileira. Embora caminhemos brancos e negros lado a lado.
Não trocamos tapas pela diferença na cor da pele, mas negamos a oportunidade para que negros adentrem à universidade com a mesma facilidade que os brancos; não há uma luta armada no campo, mas negamos os instrumentos legais capazes de oportunizar a legalização das terras que os negros moram e trabalham há séculos. Se não possuem o domínio não têm acesso ao crédito rural para o desenvolvimento de uma agricultura mais moderna e lucrativa; não tendo direito ao crédito decente e farto como têm a maioria dos fazendeiros brancos, lhes negam, concomitantemente, o direito à riqueza. Isto, quando não negam ou refutam, cinicamente, toda a história de posse que consagra o direito a dominialidade às terras das comunidades negras rurais. Infelizmente, digo, infelizmente, no Brasil a brutalidade do preconceito é tamanha que o Estado brasileiro é capaz de negar o reconhecimento das comunidades quilombolas que nem o tempo foi capaz de negar; não nos defrontamos nas instituições públicas, mas, nelas nunca foram desativados os mecanismos que impedem o ascenso dos negros aos seus mais destacados cargos.
Eis aí o campo de validação do Estatuto da Igualdade Racial no Brasil – o preconceito racial. O Brasil de uma sociedade dividida entre os iguais e os mais iguais. Estes mais poderosos, donos de todo o poder, estão sempre prestes a criar, dissimuladamente, artifícios impeditivos da ascensão daqueles. O Brasil da dissimulada e “prestativa” democracia racial. O Brasil que divide os seus cargos públicos entre os seus filhos mais iguais e coloca todos os iguais numa “Secretaria da Igualdade Racial” especialmente criada, sem orçamento, sem funções e cargos consolidados, sem nada, mas apenas com o pomposo nome de Secretaria de Estado, ou mesmo de Ministério. O Brasil que teima em não ver que a igualdade não tem que ser dissimulada, engodo, ou ato paliativo de enganação ou ludibrio.
O Brasil que refuta o Estatuto da Igualdade Racial, o faz por mero esforço de retórica como se isso destruísse todo racismo edificado no dia a dia, até mesmo em atos que contestam o direito de negros lutarem para ter direitos.
Pra ser sincero, eu preferia um Brasil onde não houvesse necessidade, nem espaço para um Estatuto da Igualdade Racial. Um Brasil sonhado, onde negros e brancos tivessem iguais oportunidades; onde negros não tivessem que estudar tanto para ganhar o mesmo salário, ou um salário menor que o de um branco inculto. Um Brasil que as comunidades negras rurais tivessem o direito ao domínio das suas terras, de posse mansa, pacífica e secular; um Brasil em que negros competentes ocupassem lugares condizentes com as suas respectivas formações e competências, sem a necessidade de criar guetos institucionais, como secretarias e ministérios natimortos para serem ocupados por negros; um Brasil em que os negros não significassem tanto como significam hoje nas estatísticas policiais; um Brasil em que o bojo da massa de pobres, analfabetos, favelados, não tivesse a cor negra. É, mas, infelizmente, este Brasil, o Brasil que eu sonho, ainda está por ser construído. Enquanto isso, viva o Estatuto da Igualdade Racial!
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