Lembra
da música Roda viva, do Chico Buarque? “Há dias que a gente se sente como
quem partiu ou morreu”. Não é sem sentido essa música, aliás, nada que o Chico
faz padece de falta de sentido. Quem sabe ele já se sentiu assim, num dia
desses em que amanhece com ressaca, sono, tédio, cercado por uma monotonia
infinita, ou quase infinita.
Na
televisão, programas sofríveis preenchem horas de soberbo vazio, de qualidade
ínfima, eles não servem para qualquer distração. Mas, graças a Deus existem os
amigos e, quando se tem eles, a coisa fica mais fácil porque o vazio que nos
enche o peito pode no primeiro aperto de mão ceder lugar à alegria. Até tentei
recorrer a eles, mas, os mais próximos estão a 240 Km de distância.
Ah,
ainda bem que existe a internet e muitos dos meus amigos gostam de navegar nela,
entretanto, eu não os estou encontrando. Devem estar nos bares, visitando
parentes ou amigos, dormindo, curtindo uma ressaca, assim como eu sem vontade de
nada. Que coincidência...
Ah,
de repente, um filho meu entra no eme-esse-ene, legal, vibrei. Pensei: agora
vou poder espantar esse tédio e bater um papo com alguém. Engano, redondo,
redondíssimo engano. Eu o cumprimentei, ele respondeu, aí eu fui logo falando
empolgado sobre uma poesia que li no blog dele. O cobri de elogios, em vão. Ele
simplesmente manteve-se indiferente aos meus elogios. Pensei, esse negócio de
elogios de pai não deve servir pra nada, ainda mais numa tarde de domingo.
Não
desanimei, afinal, detesto o tédio, detesto mais ainda mantê-lo sem hostilizá-lo.
O tédio não serve para nada, por isso deve ser hostilizado como uma barata que
aparece na sala de estar, ou um rato que invade a nossa despensa. Detesto dar
mole ao tédio, ele não merece isso. Para a ressaca, cada um tem os seus
truques, os seus remédios, embora todos sejam de comprovada ineficácia é sempre
bom acreditar na eficácia daquele que você nomeia como o da sua preferência.
Remédio
para a o sono todos nós conhecemos o mais eficaz, mas a minha teimosia se
negava a entregar-me a simples três horas de bom e sossegado sono. Para quem
padece de insônia a noite é curta demais e o dia pode transformar-se num
momento propício a disfarçados bocejos. O insone sempre reclama, a cada bocejo,
de provável acometimento de quebranto, pura desculpa, mas, mesmo sabendo que basta
dormir algumas horas ele prefere buscar uma benzedeira. Pura cara de pau, mas
faz parte da crença e do ritual de quem sofre de insônia crônica.
Para
remediar a monotonia, até que eu acho mais fácil, basta um bom livro, de autor
bem humorado, bem divertido, desse que trata o humor com muita intimidade.
Jorge Amado é leitura indicada para isso. Da segunda página em diante, o leitor
começa a se divertir com os personagens de forma que parece que está assistindo
a um filme em 3D. E até interage com os personagens: toma parte da história,
apartando brigas, participando de serenatas, bebedeiras, noitadas no baixo
meretrício. Outro remédio que eu adoto é a leitura dos escritos bem humorados
de João Ubaldo Ribeiro. Ele é fantástico, traz o bom humor à ponta da caneta,
ou, para ser mais moderno, à tecla do computador.
Bem, mas, se o tempo passar e você não conseguir fazer
nada daquilo que você pensa que serve para combater a ressaca, a monotonia, ou
o tédio, não perca espírito esportivo. Como bom brasileiro, satirize-se, faça
uma piada do seu sofrimento, ria de si mesmo, como último recurso escreva sobre
tudo que está ao seu redor, observando, contudo, o lado humorado que há em cada
coisa, em cada pessoa, em cada relação real ou fictícia que esteja no âmbito da
sua percepção. Lembre-se, nada de mau humor, ou ficar em crise como se tivesse
com tê-pê-eme, afinal, o dia só tem 24 horas e, como disse o poeta citado, “amanhã
vai ser novo dia”.
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