domingo, 20 de abril de 2008

Dia da consciência negra

Já faz algumas décadas que se comemora no Brasil o Dia da consciência negra, contudo, sabemos que não é muito grande o número de brasileiros que sabe porque ao invés do dia 13 de maio (data da abolição da escravatura no Brasil), os negros brasileiros passaram a comemorar o dia 20 de novembro (dia da morte de Zumbi).
Desde o final da década de 1920 e início da década de 1930 estudiosos brasileiros se dedicaram a estudar e escrever sobre a formação do povo brasileiro. Como resultado, temos várias obras clássicas que hoje nos ajudam a compreender o Brasil. Só para ilustrar, se quisermos nos aprofundar sobre a nossa história, a História de formação do povo brasileiro, evidentemente, teremos que recorrer a autores como: Perdigão Malheiros, Gilberto Freire, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes, Roger Bastide, Artur Ramos, Emília Viotti da Costa, Otávio Ianni, Fernando Henrique Cardoso, Clovis Moura e tantos outros. Esses pesquisadores escreveram obras que nos ajudam bastante na compreensão da formação da sociedade brasileira.
Bem, mas, o que tem o dia da consciência negra com esse conjunto de obras? Qual a influência que esses autores têm sobre o fato de comemorarmos o dia da morte de Zumbi e não o dia atribuído à libertação dos escravos pela Princesa Isabel? Aparentemente, nada. Mas, só aparentemente.
Se considerarmos a idade, o tamanho da população e a importância do povo negro na formação da sociedade brasileira, logo percebemos que até pouco tempo não conseguíamos ver no conjunto de símbolos, heróis e referências nacionais, algo que denotasse a participação do negro na História do Brasil, ou que significasse para nós negros uma identificação vantajosa (dessas que nos faz feliz, aumenta a auto-estima, nos orgulha).
Ora, somos um país com uma população negra significativa, tivemos e temos uma participação na formação do povo brasileiro sobremaneira importante e andávamos nas ruas e avenidas e não víamos essas com denominações de heróis negros, os bustos erguidos nas praças não eram de heróis negros, a história que nos ensinavam (ou ainda ensinam?) nas escolas não é protagonizada por negros. Onde estão os heróis negros deste país? Além de questões como esta, lembramos que apesar de aqui no Brasil não termos um apartheid explícito não eram (ou não são?) poucos os vexames que pessoas negras passavam (ou passam) em decorrência do pré-conceito e da discriminação raciais.
Esses e outros fatos constituíram motivos propulsores para a organização de pessoas negras (e também brancos e índios contrários ao preconceito racial) em grupos que se dedicaram ao estudo da História do negro no Brasil, mas, aquela História que não era contada, até então nas escolas. Outros grupos, se dedicaram a linguagens específicas desta História: política, música, teatro, dança, poesia, pintura, entre outras.
A esse conjunto de grupos organizados nos diversos Estados da federação passamos a chamar de movimento negro. Movimento porque dentro deles não se estudava o negro apenas como forma de enriquecimento cultural, mas, como uma forma de subsidiar ações diversas desencadeadas sistematicamente, fazendo, com efeito, que um conjunto maior de pessoas tivessem acesso à verdadeira História da participação do negro na sociedade brasileira.
Essas ações nem sempre foram bem vistas pela camada social dominante, porque, principalmente, mostravam algo que essa parte da sociedade sempre quis esconder, abordava temas, que revelavam sentimentos e ações que incomodavam uma sociedade racista autoritária e cerceadora da participação de negros e índios, cujo discurso, principalmente para fora, negava o racismo internamente praticado, com argumentos como: “no Brasil temos uma democracia racial”, “não temos preconceito de cor, mas, apenas social” e outras coisas do gênero, que eram ditas como forma de apagar a ação racista cotidiana.
Mas, isto era tão evidente, que certa vez um político norte-americano chamado por uma universidade brasileira fazia aqui uma conferência e, durante o debate, um estudante brasileiro o inquiriu a falar do racismo (apartheid norte-americano) e, naquele momento, o congressista americano disse: “na América do Norte todo negro tem uma pistola apontada para a testa, enquanto aqui no Brasil a pistola lhe é apontada para a nuca”.
O fato é que nós temos uma História que está contada, está escrita por aqueles autores citados anteriormente e outros, mas, não era contada nas escolas e, ainda hoje é muito mal contada. Há pouco tempo, ensinando uma turma de formandos em pedagogia eu lhes perguntava se sabiam sobre a história dos quilombos e eles foram unânimes em responder que nunca tinham ouvido falar nesse assunto. Vejam que esses profissionais têm, entre outras, missões, a de transversalizar esse tema na sala de aula com os seus alunos. Como tratar de assuntos sobre os quais não temos acúmulo?
Enfim, não foi e não é em vão a ação dos movimentos negros, uma vez que muitos assuntos que não eram abordados, por reivindicação destes, passaram a fazer parte da agenda do governo, tendo em alguns casos se constituído mesmo até em leis, projetos, programas e políticas públicas. A luta não é em vão e dela muita coisa boa resultou: o 20 de novembro, resulta da consciência de que a Abolição da escravatura foi uma imposição da Inglaterra, na época, e não uma benevolente ação da princesa Isabel.
Na saúde, temos política para combater anemia falciforme, a hipertensão e outras doenças que são típicas ou mais freqüentes nas populações negras. A política de cotas nas universidades, ainda que tenha controvérsias, constitui uma conquista do movimento negro e, creio ainda, que muitas outras políticas públicas que hoje beneficiam pessoas de todos os segmentos da nossa sociedade, constituem conquistas do movimento negro.
As religiões de matriz africana não sofrem mais tanta discriminação e os terreiros dos cultos afro-brasileiros são freqüentados por pessoas de todos os matizes sociais.
O governo brasileiro deixou de ficar “tapando o sol com a peneira”, assumiu que nossa sociedade tem racismo, durante a reunião de Durban, na África do Sul, e passou a ter uma postura mais efetiva no combate às práticas racistas, instituindo políticas de promoção da igualdade racial.
Sem falar que o reconhecimento das terras dos remanescentes de quilombos hoje é um dispositivo constitucional regulamentado, embora, na prática, essa política ainda caminhe a lentos passos. E, ainda, os quilombolas participam ativamente do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar.
Poderia ficar aqui ilustrando a importância que tem a consciência negra no Brasil, mas, isso é um assunto lato que daria, certamente, para escrever um livro e não apenas uma crônica, para falar que a consciência negra, nada mais é, que uma sociedade cônscia da necessidade de fazer da história, educação, informação e da cultura negra, ações que sirvam para trazer melhorias e tratamento igualitário à sociedade brasileira. Que a prática e a exigência da prática da justiça social não constituem um problema do índio, do negro, do judeu ou outra etnia qualquer, mas, de toda a sociedade brasileira.
Salve o dia da consciência negra, por ser a data que Zumbi tornou-se o nosso símbolo maior de luta pela liberdade dos povos, uma vez que o quilombo dos Palmares era nação não só dos negros, mas, de todos que sedentos de uma sociedade igualitária ali se juntaram para lutar por esse objetivo – liberdade!

Nenhum comentário: