Sem medo de ser taxado de saudosista, trago à tona as lembranças saudáveis que tenho da minha infância em Rosário.
Da casa onde nasci, na rua Benedito Leite, de frente para o rio Itapecuru-mirim, tenho a imagem da porta e janela, quase sem divisões. Sala, quarto, copa-cozinha e quintal.
A vizinhança amiga, fraterna, solidária e cordial constituía uma comunidade de afinidades, amizades, respeito, compadrios.
As crianças se reuniam as primeiras horas da noite para brincar de roda, preto fugido, pegador e tantas outras brincadeiras da época. Enquanto brincávamos, os mais velhos se reuniam nas calçadas e conversavam noite adentro.
Na época seca, de julho a dezembro, o rio Itapecuru era o nosso balneário maior. Foi nele que eu aprendi a nadar. Quando ele secava, no outro lado apareciam as praias, que nós chamávamos de croas.
Era comum atravessarmos o rio nadando. Às vezes nos utilizávamos de caules de bananeiras como bóias para atravessá-lo despendendo menos energia. Íamos aos bandos, montados em caules de bananeira, para as croas. Ali jogávamos bola o dia inteiro e depois voltávamos. Nem nos dávamos conta do risco que corríamos, embora de vez em quando o Itapecuru fizesse vitimas.
As peladas no campo do Comercial eram ótimas. Não me lembro de outra diversão capaz de engendrar em mim maior felicidade que o futebol. Era apaixonado pelo esporte. Adorava dar dribles e olhar debochadamente para os meus adversários. Nem precisa dizer o resultado disso. Brigas. Muitas brigas. Pancadas, eu as levei muitas vezes. Nada era capaz de me levar de um extremo ao outro como o futebol. A paixão pelo futebol nos leva do inferno ao céu e vice-versa em questão de segundos.
Lembro-me de um torneio que fizemos na praça do grupo, quando eu ainda estudava no Grupo Escolar Joaquim Santos. Formei um time com vários colegas que estudavam comigo, mas moravam na Rua de Cima: João Rabelo Siqueira, Henrique Felipe Ribeiro, José Bispo, eu e um goleiro cujo nome não me lembro.
Começou o torneio e o meu time nada de chegar. Jogaram os primeiros times sorteados e o meu time nada. Ninguém chegava. Achei mesmo que as pessoas não chegariam e pedi uma vaga num time ruinzinho que participava do torneio. Joguei, perdi e fui vaiado. Mas, o meu time era o ultimo a jogar e, na exata hora da nossa participação, os meus companheiros chegaram e então iniciamos uma trajetória de vitórias. Ganhamos o primeiro time, o segundo, o terceiro e fomos para a semifinal. Vencemos. Agora restava a final, com um time considerado invencível, mas, ai o meu time já estava embalado. Não deu outra: vencemos e eu saí de campo carregado nos braços da platéia.
Torcedor ranzinza, este era o termo da época, que me definia enquanto torcedor do Esporte Clube Comercial. Ali eu vi craques como Zeca Praiano, Ferreira, Bubu e Zezinho Coelho, Coivara, Dedezinho, Miguel Rezzo, Pititinga, Chaguinhas, Zé Cocó, Maranhão, Juracy Cabral, Lima Filho, Zé Irmão, Iron e tantos outros. Nada me dava mais alegria que uma vitória do Comercial; nada me propiciava maior tristeza que uma derrota do Comercial, especialmente, se fosse para o Ferroviário.
Momentos maravilhosos aqueles das festas da padroeira, Nossa Senhora do Rosário, e de São Benedito. Nunca poderia esquecê-los. Durante a minha infância, anualmente, sempre ganhava duas roupas de sair: uma para ir à festa de São Benedito e outra para a festa de Nossa Senhora do Rosário e pronto. Se tivesse bom comportamento e a professora ou a diretora da escola pedisse a minha mãe, eu poderia participar do desfile da escola no dia 7 de setembro, puxando um pelotão.
Tive uma infância de gente pobre financeiramente, mas muito rica de vivências e convivências. Aliás, estas eram tão fartas que jamais senti falta de bens materiais. Rica infância. Tempo em que fabricávamos os nossos brinquedos. Uma caçamba, se fazia com uma lata de sardinha, 4 tampinhas de vidro de mercúrio cromo (os pneus), dois talos de folha de coqueiro (os eixos), quatro furos laterais na lata de sardinha e um fio para puxar. Eis aí um belo brinquedo.
Um pião se fazia com um coco babaçu, que depois de bem lapidado, juntávamos a uma enfieira feita de cabinho. Um papagaio era feito com três talas de bambu, linha para amarrá-las adequadamente, folhas coloridas de papel para cobri-lo e um rabo artisticamente composto de linha e algodão. Evidente que para fazer papagaio e piões havia sempre artistas cujos produtos eram inigualáveis, para aqueles que preferiam um brinquedo mais elaborado e tinham grana para comprá-lo.
Bola boa mesmo era a tal da bola Pelé, entretanto, não desprezávamos uma boa bola de meia, feita no capricho.
Para brincar no rio fazíamos barcos de buriti, que, aliás, eram lindos, e vê-los deslizando na água e o seu dono nadando atrás era um espetáculo que enchia os meus olhos. Lá ia o barquinho lindo, uma réplica daqueles verdadeiros que deslizavam pelo Itapecuru vindos das diversas praias do litoral norte do Maranhão trazendo sal, peixe salpreso, coco da baía, murici e outros produtos daquelas bandas para trocar em Rosário. Maravilhoso mesmo era ver aquele barquinho navegando a mercê do vento e da correnteza do rio. Casco envernizado com breu preto, e no toldo colorido se destacava o nome – Proteção de São José. O pano muito bem feito completava em colorido aquela maravilhosa arte de fazer em buriti miniatura de embarcações.
Sem essa de achar que a minha infância foi melhor que as das gerações posteriores, mas ali nós utilizávamos brinquedos que aguçavam a nossa imaginação e ao mesmo tempo exigia que nos movimentássemos.
E por falar em miniatura, incorreria a um lapso sem precedentes se esquecesse dos carros feitos em paparaúba pelo mestre Juvenal Aquino. Verdadeiras maravilhas que me enchiam os olhos de menino que ver no colorido do brinquedo tudo que a sua imaginação permite. Caminhonetas, automóveis, caminhões eram miniaturas perfeitas sempre muito cobiçadas pelas crianças da minha época. Eu tive um caminhão FNM, que nós chamávamos carinhosamente de fenêmê. Tinha ciúmes do meu fenêmê. Gostava de exibi-lo andando nas ruas de Rosário, não me cabia em mim. Quando estava dirigindo aquele carrinho, tinha a impressão que o mundo parava pra me ver. Fio esticado na mão puxando o caminhão e eu seguia imitando o som do motor zum, zum, zuuuummmm. De vez enquanto um apito – bibite, bibite, e jogava o carrinho nas proximidades dos pés das pessoas que caminhavam na rua, tirando um fino. Que maravilha!
Meninos gostam de brincadeiras de movimento, de força, de disputa. As disputas de espadas estavam neste contexto. Fazíamos as nossas espadas com um talo de malva e de uma sandália tipo japonesa, em desuso, fazíamos uma roda para protegermos a mão. Então estávamos prontos para as lutas de espadas. Precisa falar dos machucões, dos ferimentos, das brigas, dos choros? Resultados semelhantes produziam as guerras de carrapato (era assim que chamávamos a mamona). Fazíamos uma sacola de pano, com alça para carregá-la a tiracolo e a enchíamos de munição – sementes de carrapatos. A baladeira era a arma. Formávamos grupos que procuravam os esconderijos adequados e daí partíamos para a guerra de carrapatos. O espetáculo era uma dessas coisas violentas que meninos gostam de praticar, imitando os violentos filmes de combate que assistíamos na televisão daquela época. Acredito mesmo que só pela proteção divina não acontecia nada de mais grave além dos hematomas espalhados pelo corpo causados pelos projéteis.
Poderia passar madrugadas e madrugadas escrevendo sobre as riquezas da minha infância, entretanto, quero deixar que um pouco desta saudade permaneça em mim, não quero exteriorizá-la toda agora. Às vezes fico a pensar, os meus filhos não tiveram um Itapecuru-mirim para aprenderem a nadar; aprenderam a nadar em piscinas, participaram de várias competições, nadavam os estilos crow, costas, peito e borboleta, mas, cá pra nós, não via no sorriso deles alegria que se comparasse com aquela que eu sentia ao atravessar o Itapecuru, nadando como cachorro, com o pescoço todo fora da água, sem professores para ensinar e sem despesas adicionais para os meus pais no final do mês.
Da mesma forma, não podemos negar o fascínio que o computador exerce sobre nós, entretanto, me pergunto se há algum jogo de computador que seja mais emocionante que as disputas travadas nos campinhos de várzea, onde dezenas de crianças, em times de cinco pessoas, se sucediam em disputas intermináveis, nos chamados desafiados, competindo em ferrenhas partidas no afã da invencibilidade.De tudo isso, uma coisa é incontestável – os tempos mudaram.
Da casa onde nasci, na rua Benedito Leite, de frente para o rio Itapecuru-mirim, tenho a imagem da porta e janela, quase sem divisões. Sala, quarto, copa-cozinha e quintal.
A vizinhança amiga, fraterna, solidária e cordial constituía uma comunidade de afinidades, amizades, respeito, compadrios.
As crianças se reuniam as primeiras horas da noite para brincar de roda, preto fugido, pegador e tantas outras brincadeiras da época. Enquanto brincávamos, os mais velhos se reuniam nas calçadas e conversavam noite adentro.
Na época seca, de julho a dezembro, o rio Itapecuru era o nosso balneário maior. Foi nele que eu aprendi a nadar. Quando ele secava, no outro lado apareciam as praias, que nós chamávamos de croas.
Era comum atravessarmos o rio nadando. Às vezes nos utilizávamos de caules de bananeiras como bóias para atravessá-lo despendendo menos energia. Íamos aos bandos, montados em caules de bananeira, para as croas. Ali jogávamos bola o dia inteiro e depois voltávamos. Nem nos dávamos conta do risco que corríamos, embora de vez em quando o Itapecuru fizesse vitimas.
As peladas no campo do Comercial eram ótimas. Não me lembro de outra diversão capaz de engendrar em mim maior felicidade que o futebol. Era apaixonado pelo esporte. Adorava dar dribles e olhar debochadamente para os meus adversários. Nem precisa dizer o resultado disso. Brigas. Muitas brigas. Pancadas, eu as levei muitas vezes. Nada era capaz de me levar de um extremo ao outro como o futebol. A paixão pelo futebol nos leva do inferno ao céu e vice-versa em questão de segundos.
Lembro-me de um torneio que fizemos na praça do grupo, quando eu ainda estudava no Grupo Escolar Joaquim Santos. Formei um time com vários colegas que estudavam comigo, mas moravam na Rua de Cima: João Rabelo Siqueira, Henrique Felipe Ribeiro, José Bispo, eu e um goleiro cujo nome não me lembro.
Começou o torneio e o meu time nada de chegar. Jogaram os primeiros times sorteados e o meu time nada. Ninguém chegava. Achei mesmo que as pessoas não chegariam e pedi uma vaga num time ruinzinho que participava do torneio. Joguei, perdi e fui vaiado. Mas, o meu time era o ultimo a jogar e, na exata hora da nossa participação, os meus companheiros chegaram e então iniciamos uma trajetória de vitórias. Ganhamos o primeiro time, o segundo, o terceiro e fomos para a semifinal. Vencemos. Agora restava a final, com um time considerado invencível, mas, ai o meu time já estava embalado. Não deu outra: vencemos e eu saí de campo carregado nos braços da platéia.
Torcedor ranzinza, este era o termo da época, que me definia enquanto torcedor do Esporte Clube Comercial. Ali eu vi craques como Zeca Praiano, Ferreira, Bubu e Zezinho Coelho, Coivara, Dedezinho, Miguel Rezzo, Pititinga, Chaguinhas, Zé Cocó, Maranhão, Juracy Cabral, Lima Filho, Zé Irmão, Iron e tantos outros. Nada me dava mais alegria que uma vitória do Comercial; nada me propiciava maior tristeza que uma derrota do Comercial, especialmente, se fosse para o Ferroviário.
Momentos maravilhosos aqueles das festas da padroeira, Nossa Senhora do Rosário, e de São Benedito. Nunca poderia esquecê-los. Durante a minha infância, anualmente, sempre ganhava duas roupas de sair: uma para ir à festa de São Benedito e outra para a festa de Nossa Senhora do Rosário e pronto. Se tivesse bom comportamento e a professora ou a diretora da escola pedisse a minha mãe, eu poderia participar do desfile da escola no dia 7 de setembro, puxando um pelotão.
Tive uma infância de gente pobre financeiramente, mas muito rica de vivências e convivências. Aliás, estas eram tão fartas que jamais senti falta de bens materiais. Rica infância. Tempo em que fabricávamos os nossos brinquedos. Uma caçamba, se fazia com uma lata de sardinha, 4 tampinhas de vidro de mercúrio cromo (os pneus), dois talos de folha de coqueiro (os eixos), quatro furos laterais na lata de sardinha e um fio para puxar. Eis aí um belo brinquedo.
Um pião se fazia com um coco babaçu, que depois de bem lapidado, juntávamos a uma enfieira feita de cabinho. Um papagaio era feito com três talas de bambu, linha para amarrá-las adequadamente, folhas coloridas de papel para cobri-lo e um rabo artisticamente composto de linha e algodão. Evidente que para fazer papagaio e piões havia sempre artistas cujos produtos eram inigualáveis, para aqueles que preferiam um brinquedo mais elaborado e tinham grana para comprá-lo.
Bola boa mesmo era a tal da bola Pelé, entretanto, não desprezávamos uma boa bola de meia, feita no capricho.
Para brincar no rio fazíamos barcos de buriti, que, aliás, eram lindos, e vê-los deslizando na água e o seu dono nadando atrás era um espetáculo que enchia os meus olhos. Lá ia o barquinho lindo, uma réplica daqueles verdadeiros que deslizavam pelo Itapecuru vindos das diversas praias do litoral norte do Maranhão trazendo sal, peixe salpreso, coco da baía, murici e outros produtos daquelas bandas para trocar em Rosário. Maravilhoso mesmo era ver aquele barquinho navegando a mercê do vento e da correnteza do rio. Casco envernizado com breu preto, e no toldo colorido se destacava o nome – Proteção de São José. O pano muito bem feito completava em colorido aquela maravilhosa arte de fazer em buriti miniatura de embarcações.
Sem essa de achar que a minha infância foi melhor que as das gerações posteriores, mas ali nós utilizávamos brinquedos que aguçavam a nossa imaginação e ao mesmo tempo exigia que nos movimentássemos.
E por falar em miniatura, incorreria a um lapso sem precedentes se esquecesse dos carros feitos em paparaúba pelo mestre Juvenal Aquino. Verdadeiras maravilhas que me enchiam os olhos de menino que ver no colorido do brinquedo tudo que a sua imaginação permite. Caminhonetas, automóveis, caminhões eram miniaturas perfeitas sempre muito cobiçadas pelas crianças da minha época. Eu tive um caminhão FNM, que nós chamávamos carinhosamente de fenêmê. Tinha ciúmes do meu fenêmê. Gostava de exibi-lo andando nas ruas de Rosário, não me cabia em mim. Quando estava dirigindo aquele carrinho, tinha a impressão que o mundo parava pra me ver. Fio esticado na mão puxando o caminhão e eu seguia imitando o som do motor zum, zum, zuuuummmm. De vez enquanto um apito – bibite, bibite, e jogava o carrinho nas proximidades dos pés das pessoas que caminhavam na rua, tirando um fino. Que maravilha!
Meninos gostam de brincadeiras de movimento, de força, de disputa. As disputas de espadas estavam neste contexto. Fazíamos as nossas espadas com um talo de malva e de uma sandália tipo japonesa, em desuso, fazíamos uma roda para protegermos a mão. Então estávamos prontos para as lutas de espadas. Precisa falar dos machucões, dos ferimentos, das brigas, dos choros? Resultados semelhantes produziam as guerras de carrapato (era assim que chamávamos a mamona). Fazíamos uma sacola de pano, com alça para carregá-la a tiracolo e a enchíamos de munição – sementes de carrapatos. A baladeira era a arma. Formávamos grupos que procuravam os esconderijos adequados e daí partíamos para a guerra de carrapatos. O espetáculo era uma dessas coisas violentas que meninos gostam de praticar, imitando os violentos filmes de combate que assistíamos na televisão daquela época. Acredito mesmo que só pela proteção divina não acontecia nada de mais grave além dos hematomas espalhados pelo corpo causados pelos projéteis.
Poderia passar madrugadas e madrugadas escrevendo sobre as riquezas da minha infância, entretanto, quero deixar que um pouco desta saudade permaneça em mim, não quero exteriorizá-la toda agora. Às vezes fico a pensar, os meus filhos não tiveram um Itapecuru-mirim para aprenderem a nadar; aprenderam a nadar em piscinas, participaram de várias competições, nadavam os estilos crow, costas, peito e borboleta, mas, cá pra nós, não via no sorriso deles alegria que se comparasse com aquela que eu sentia ao atravessar o Itapecuru, nadando como cachorro, com o pescoço todo fora da água, sem professores para ensinar e sem despesas adicionais para os meus pais no final do mês.
Da mesma forma, não podemos negar o fascínio que o computador exerce sobre nós, entretanto, me pergunto se há algum jogo de computador que seja mais emocionante que as disputas travadas nos campinhos de várzea, onde dezenas de crianças, em times de cinco pessoas, se sucediam em disputas intermináveis, nos chamados desafiados, competindo em ferrenhas partidas no afã da invencibilidade.De tudo isso, uma coisa é incontestável – os tempos mudaram.
Um comentário:
Graças a Deus eu participei deste
lugar maravilhoso e tamanha é a saudade.
Principalmente da minha saudosa tia
primo recordar é viver, eu adorei
votar ao passado nesse momento.
um beijo de sua prima que muito te adora.Eliane.
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