De repente ligo a televisão
na TV Globo e está passando o programa Profissão Repórter, mostrando a seca do
Nordeste e a enchente da região Amazônica. Situações ímpares e muito
complicadas para as pessoas que habitam e trabalham naquelas regiões.
O fato que chamou a minha
atenção foi a explicação de um senhor entrevistado, se não estou enganado, no
município Boca do Acre. O repórter chegou à casa do entrevistado – uma casa de
madeira, tipo palafita, cuja elevação, provavelmente, previa a ocasional
incidência de enchentes. Os terrenos todos estavam sob a água, os animais
domésticos de pequeno porte, foram recolhidos aos cômodos da casa, os
proprietários fugiram da enchente e voltavam ali para alimentar os animais. Ao
abrir a porta o repórter depara com um mapa do Brasil na parede da casa e,
admirando-se diz: olha aqui um mapa – e pergunta ao morador dali:
- você pode identificar no
mapa onde nós estamos agora?
Ele responde, um tanto
acanhado, constrangido, além de triste pelas perdas decorrentes da enchente:
- Não, eu não sei ler, eu
não tive a liberdade de estudar.
Talvez aquele senhor nem
tenha a consciência da profundidade da frase com a qual exprimira o sentimento
de ter sido em toda a sua vida tolhido do direito de educar-se, estudar e ter
uma compreensão do mundo mais acurada, poder ler a vida, saber a sua posição no
espaço geográfico e social. Mas, foi incisivo, objetivo na sua afirmação: - não
tive a liberdade de estudar...
Não sei se ao se expressar
o entrevistado tinha de fato a intenção de ser tão profundo e abrangente. Se
ele falava isso baseado nos fatos e fatores causadores das faltas que o atinge
em cheio: educação, saúde, segurança, são serviços dos quais carece, mas pouco,
ou quase não tem acesso. Mas quem o priva da liberdade de estudar, ou priva os
seus filhos e demais familiares de outros serviços públicos imprescindíveis e,
assim da liberdade do exercício plena da cidadania? A mão da corrupção, a má
distribuição de renda, políticas públicas exclusivistas que mesmo quando feitas
em nome das camadas mais populares, perdem-se pelos ralos da desonestidade de
políticos rapaces.
Pela resposta que deu,
via-se que o entrevistado não é letrado, mas muito sábio, capaz de decifrar o
mundo ao seu redor de forma simples e objetiva, explicando dessa forma os males
sociais que o atinge brutalmente, tolhendo-o do acesso a direitos
constitucionalmente garantidos, impedindo-o de fazer aquilo que para qualquer
pessoa significa abrir a porta do mundo – saber ler e por meio da leitura poder
adentrar outros universos.
Nobre senhor, que
mesmo tendo a liberdade de estudar tolhida, não lhe deixou tolher a liberdade
de raciocinar e criar assim outras portas de entendimento da vida. Jogado à
invisibilidade foi focado pela televisão; subtraído do direito de compreender
as letras não abdicou do exercício do pensar e o exercitou com a maestria dos
filósofos que não tendo acesso às escolas das letras buscou saberes na escolas
da vida. Pois nesta, tolher a sua liberdade significaria podar a sua própria
vida.
Obrigado por comentar.
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