sexta-feira, 18 de maio de 2012

A liberdade de estudar


De repente ligo a televisão na TV Globo e está passando o programa Profissão Repórter, mostrando a seca do Nordeste e a enchente da região Amazônica. Situações ímpares e muito complicadas para as pessoas que habitam e trabalham naquelas regiões.
O fato que chamou a minha atenção foi a explicação de um senhor entrevistado, se não estou enganado, no município Boca do Acre. O repórter chegou à casa do entrevistado – uma casa de madeira, tipo palafita, cuja elevação, provavelmente, previa a ocasional incidência de enchentes. Os terrenos todos estavam sob a água, os animais domésticos de pequeno porte, foram recolhidos aos cômodos da casa, os proprietários fugiram da enchente e voltavam ali para alimentar os animais. Ao abrir a porta o repórter depara com um mapa do Brasil na parede da casa e, admirando-se diz: olha aqui um mapa – e pergunta ao morador dali:
- você pode identificar no mapa onde nós estamos agora?
Ele responde, um tanto acanhado, constrangido, além de triste pelas perdas decorrentes da enchente:
- Não, eu não sei ler, eu não tive a liberdade de estudar.
Talvez aquele senhor nem tenha a consciência da profundidade da frase com a qual exprimira o sentimento de ter sido em toda a sua vida tolhido do direito de educar-se, estudar e ter uma compreensão do mundo mais acurada, poder ler a vida, saber a sua posição no espaço geográfico e social. Mas, foi incisivo, objetivo na sua afirmação: - não tive a liberdade de estudar...
Não sei se ao se expressar o entrevistado tinha de fato a intenção de ser tão profundo e abrangente. Se ele falava isso baseado nos fatos e fatores causadores das faltas que o atinge em cheio: educação, saúde, segurança, são serviços dos quais carece, mas pouco, ou quase não tem acesso. Mas quem o priva da liberdade de estudar, ou priva os seus filhos e demais familiares de outros serviços públicos imprescindíveis e, assim da liberdade do exercício plena da cidadania? A mão da corrupção, a má distribuição de renda, políticas públicas exclusivistas que mesmo quando feitas em nome das camadas mais populares, perdem-se pelos ralos da desonestidade de políticos rapaces.
Pela resposta que deu, via-se que o entrevistado não é letrado, mas muito sábio, capaz de decifrar o mundo ao seu redor de forma simples e objetiva, explicando dessa forma os males sociais que o atinge brutalmente, tolhendo-o do acesso a direitos constitucionalmente garantidos, impedindo-o de fazer aquilo que para qualquer pessoa significa abrir a porta do mundo – saber ler e por meio da leitura poder adentrar outros universos.
Nobre senhor, que mesmo tendo a liberdade de estudar tolhida, não lhe deixou tolher a liberdade de raciocinar e criar assim outras portas de entendimento da vida. Jogado à invisibilidade foi focado pela televisão; subtraído do direito de compreender as letras não abdicou do exercício do pensar e o exercitou com a maestria dos filósofos que não tendo acesso às escolas das letras buscou saberes na escolas da vida. Pois nesta, tolher a sua liberdade significaria podar a sua própria vida.

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