sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Perdas


Confesso que tenho dificuldades com perdas. Quando criança, ainda em Rosário, na minha casa tinha um gato cujo nome era Mimi. Um dia o vizinho disse a minha mãe que o nosso bicho de estimação estava comendo os ovos das galinhas dele, e pediu permissão para exterminá-lo. Minha mãe tinha uma regra de boa vizinhança cujo corolário era: “com vizinho não se briga”. Esse vizinho era amigo da nossa família, provavelmente, foi em nome da boa amizade que a minha mãe abriu mão do nosso Mimi. Então, um dia o nosso vizinho entrou em nossa casa, com o consentimento da minha mãe, evidentemente, e com ele um atirador com uma espingarda pronta para matar o Mimi e, assim o fez. Daquela data em diante nunca mais criamos um gato na nossa casa. Nunca acreditamos na conversa do nosso amigo vizinho, nunca tivemos a coragem de substituir o Mimi na nossa casa e nos nossos corações.
Perder é um verbo que, de modo geral, não gostamos de conjugar. Ninguém gosta de perder, salvo algumas excessões, quando nos encontramos em alguma situação delicada ou indesejada. Um exemplo é o peso que nos sobra quando estamos acima da medida desejada, ou ideal. Nessa situação, quem não deseja perder peso? O medo também é uma das coisas que desejamos perder em algumas situações, muitas vezes, constrangedoras. Contudo, perder é algo que não se deseja, exceto em situções especiais.
Tivemos também um cachorro vira lata muito bonito, que o denominamos de Kiss. Um dia o nosso Kiss seguia a minha mãe na sua ida ao mercado municipal e, se perdendo dela, meteu-se em confusão com outros cães, então um açogueiro bateu-lhe com um machado nas costelas. Afetado pela pancada que levou, o nosso Kiss foi a óbito. Em relação a Kiss, aconteceu conosco o mesmo sentimento de quando perdemos o Mimi. Nunca mais quisemos criar cachorros.
Quatro anos após a morte da minha primeira mulher eu soube através de um amigo, que uma amiga estava com cancer no peito. Estava em Brasília quando recebi a notícia, lá eu morava, na época (2001/2002). Ali, naquele instante, de pronto me ocorreu a ideia de fazer uma música sobre o assunto. Logo eu escrevi um verso que seria o refrão da música que eu pretendia fazer e que, na minha cabeça, deveria ser intitulada de “Tambor de choro”, entretanto, a minha amiga faleceu e só onze anos depois eu consegui concluir a música.
Essas situações não são casos isolados, mas uma sequência de fatos que marcaram a minha vida e deixaram lacunas dentro de mim. Espaços que nem sempre eu soube ou não quis ocupar. Já até recorri à análise, mas logo eu percebi que estava num beco sem saída, ou num barco à deriva na imensidão do mar. Recuei e fiquei muito tempo sem pensar nisso, afinal eu não vislumbrava qualquer solução para o meu caso.
Mas, logo adiante, no caminhar da vida, deparei-me com a subtração de algo que lutei muito para conquistar – um lugar muito desejado na minha vida profissional. Falo de um concurso interno que participei no meu serviço no ano de 2008, se não estou enganado. Fiz uma prova objetiva muito difícil e fui aprovado. Depois fui convocado para uma entrevista quando gozava férias. Por isso fui informado que, se quisesse participar da entrevista teria que me deslocar para Belém com os meus próprios recursos. Assim eu fiz.
A entrevista constava de duas partes: uma dinâmica de grupo e a outra a entrevista propriamente dita, com diretores. As entrevistas eram realizadas em grupos de oito concorrentes. Os meus concorrentes foram unânimes em dizer que eu me destaquei diante deles. Fiquei na minha, mas tive o mesmo sentimento deles. Todavia o resultado não revelou o meu desempenho. Mais uma vez o chão me fugiu dos pés. Mais uma perda difícil, mas dessa vez eu resolvi que deveria fazer alguma coisa. Algo que me proporcionasse prazer, satisfação. Foi então que resolvi registrar os meus sentimentos, a minha opinião, regularmente. Tudo isto me fez aprender que ainda que nos retire o chão dos pés, não podemos admitir que reduzam o nosso horizonte, que baixem o nosso teto. Desde então, eu registro sentimentos e opiniões que me ocorrem determinados momentos. Essa espécie de grafoterapia me permite exteriozar sentimento em forma de poesia, crônica, artigo, música, na verdade são lenitivos que amenizam dores de perdas e subtrações sofridas.

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