Nunca esqueci aquela
conversa no Laborarte, entre o embrião do que é hoje o Centro de Cultura Negra
do Maranhão – CCN e o sociólogo, Professor Dr. José Carlos Sabóia. Naquela
ocasião houve depoimentos importantes, emocionados, sobre a discriminação racial,
com os ingredientes que o debate sobre o assunto costuma ter.
O professor José Carlos
Sabóia inicia a conversa dizendo: “O povo que não tem história está fadado a
perecer”. Foi isso que eu lembrei na primeira vez que eu assisti ao filme “Gonzaga
– de pai pra filho”. O filme é uma viagem do Gonzaguinha à Exu, não para
re-encontrar com o pai, mas para encontrar-se consigo mesmo, recuperando uma
história que todos falavam, que os jornais noticiavam, mas que os contratempos
da vida subtraíra de si. A história que lhe pertencia, entretanto ele,
Gonzaguinha, não a tinha vivido. Isto para ele era inconcebível, inadmissível e
causa de um inconformismo que até o encontro entre os dois só fora externado na
sua música.
Mas, é no encontro de pai e
filho, que este, entre a revolta e o regozijo contido, vai se encontrando,
recuperando o seu ser, a sua história feminina e masculina, ao saber quem é o
pai e quem foi a sua mãe – ao tomar posse da sua grande família: avô, avó, pai,
mãe. Não se pode perder de vista a vaidade humana, sobretudo, quando cintilam frente
a frente duas estrelas, ainda que estas se amem. Gonzagão, a seu modo, se
bastava na recuperação de uma história que nem mesmo ele teve tempo de contar
para alguém, as estradas da vida e, consequentemente, da música eram muitas e
ele via-se na obrigação de percorrer todas, porque para ele a matemática era
simples – se aumentam as despesas com a família, o trabalho teria que aumentar
na mesma proporção. Todos entendem a simplicidade aritmética do Gonzagão,
porém, enquanto ele canta Brasil a dentro, deixa o vazio da sua presença na
vida do filho e é esse vazio que a certo momento o crime ocupa e obriga a
intervenção do pai. É para preencher esse vazio que Gonzaguinha vai à Exu,
embora o motivo pareça outro – ajudar o pai.
Gonzaguinha tem um
bom motivo para recuperar a sua história, para se estabelecer como um ser pertencente
a uma família, a um coletivo de entes queridos, para dar materialidade ao seu
sentimento de pertença até então não verbalizado, contido em seu peito,
entretanto revestido por uma inquietude imensa, uma ânsia pulsante de responder
a pergunta – “quem de fato sou eu?”. Sobre o pai a pergunta era outra: “Será
que ele é mesmo o que dizem que ele é?”. Mas isso, só o encontro entre os dois
vai responder e só quem dispuser a assistir a esse maravilhoso filme vai poder
extrair dele as suas próprias conclusões.
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