Mais do que por acaso, foi por
boa educação que o Manoel Júnior convidou a minha família para passar a noite
de São Pedro na sua belíssima fazenda.
Manoel Júnior é comerciante e
pecuarista, alagoano, residente em Santa Inês. Estávamos na casa do irmão(.’.)
Noilton, comemorando o aniversário da cunhada Fátima, domingo passado, quando
ele, Manoel Júnior, fez o convite aos presentes. Não nos fizemos de rogados,
fomos. Chegamos à fazenda por volta das oito da noite. A meninada aproveitou o
espaço livre que tinha para brincar, soltar fogos e se confraternizar num bate
papo animadíssimo que varou a madrugada.
Os adultos ficaram em torno de
uma mesa, saboreando carne de carneiro assada, comendo deliciosos bolos de
milho e de arroz, molhando a conversa com uma cerveja geladíssima. Quando
sentir o ambiente, percebi que havia cometido duas faltas: não levei uma
garrafa de vinho para harmonizar com aquela saborosa carne de cordeiro; não
levei o banjo, quando a lua no céu, belíssima, se derramava em lirismo.
Logo a chuva de São Pedro nos
tirou do terreiro, nos remetendo ao alpendre da casa. Ali não podíamos
contemplar a lua, apenas a fogueira imponente que resistia acesa apesar da
chuva, mas uma conversa animadíssima nos unia numa alegria singular. Enquanto
conversávamos amenidades o dono da casa, quase que num cochicho, me
confidenciava que gostava de ouvir toada e assim costumava fazer um pouco mais
tarde. Dito e feito. A reunião de amigos que era embalada por um som vindo do
carro do anfitrião, após às 11 da noite foi surpreendida por um canto forte
entoado “na capela”, ou seja, sem acompanhamento instrumental, por duas pessoas
que fazem primeira e segunda voz, cantando versos nordestinos numa entonação
que nos envolve da alma às vísceras. Lindo! Embora, cabe mencionar, parte do
público presente não o tenha entendido, e por isso o desaprovado. O que, no
entanto, não diminui a beleza do canto, que o Júnior chama de toada.
Se existe música de raiz, a toada
é, da música brasileira, aquela que mais está entranhada no chão nordestino e,
sem dúvida, dela derivam muitas outras que cantamos sem nos dar conta da
origem.
Os cantores de toada cantam o
Nordeste por excelência. Nela a terra, a plantação, a água e a seca, a mulher,
o homem, a família, o amor exitoso, ou a saudade, o gado, a chuva, tudo é
excentricamente nordestino. Já tinha ouvido o Chico César cantar toada, mas até
ontem à noite (29 de junho de 2013) não sabia que aquela música que ele cantava
assim se chamava – toada. Nela, o sangue nordestino se agita numa euforia
intrínseca, que em quem a ouve e a aprecia se traduz em risos e/ou lágrimas. O
nordestino fica em transe viajando em pensamentos, revisitando a família,
ancorando nos portos da reminiscência, preso na sua história e na história da
sua terra, da sua família. Nessa viagem, passado e presente se complementam,
felicidade se mistura a tantos outros sentimentos de ganhos e perdas que se
transformam em risos e lágrimas num mesmo rosto, como a chuva e o sol se
encontram nas terras nordestinas.
A toada está para a memória musical nordestina,
como a prosa de Zé Limeira, o poeta do absurdo, está para a poesia de cordel.
Nada há de tão grande que a ela não se curve, nada há de tão belo que não lhe
contemple a beleza. Obrigado por comentar.
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