quinta-feira, 11 de julho de 2013

Uma música de raiz chamada toada



Mais do que por acaso, foi por boa educação que o Manoel Júnior convidou a minha família para passar a noite de São Pedro na sua belíssima fazenda.
Manoel Júnior é comerciante e pecuarista, alagoano, residente em Santa Inês. Estávamos na casa do irmão(.’.) Noilton, comemorando o aniversário da cunhada Fátima, domingo passado, quando ele, Manoel Júnior, fez o convite aos presentes. Não nos fizemos de rogados, fomos. Chegamos à fazenda por volta das oito da noite. A meninada aproveitou o espaço livre que tinha para brincar, soltar fogos e se confraternizar num bate papo animadíssimo que varou a madrugada.
Os adultos ficaram em torno de uma mesa, saboreando carne de carneiro assada, comendo deliciosos bolos de milho e de arroz, molhando a conversa com uma cerveja geladíssima. Quando sentir o ambiente, percebi que havia cometido duas faltas: não levei uma garrafa de vinho para harmonizar com aquela saborosa carne de cordeiro; não levei o banjo, quando a lua no céu, belíssima, se derramava em lirismo.
Logo a chuva de São Pedro nos tirou do terreiro, nos remetendo ao alpendre da casa. Ali não podíamos contemplar a lua, apenas a fogueira imponente que resistia acesa apesar da chuva, mas uma conversa animadíssima nos unia numa alegria singular. Enquanto conversávamos amenidades o dono da casa, quase que num cochicho, me confidenciava que gostava de ouvir toada e assim costumava fazer um pouco mais tarde. Dito e feito. A reunião de amigos que era embalada por um som vindo do carro do anfitrião, após às 11 da noite foi surpreendida por um canto forte entoado “na capela”, ou seja, sem acompanhamento instrumental, por duas pessoas que fazem primeira e segunda voz, cantando versos nordestinos numa entonação que nos envolve da alma às vísceras. Lindo! Embora, cabe mencionar, parte do público presente não o tenha entendido, e por isso o desaprovado. O que, no entanto, não diminui a beleza do canto, que o Júnior chama de toada.
Se existe música de raiz, a toada é, da música brasileira, aquela que mais está entranhada no chão nordestino e, sem dúvida, dela derivam muitas outras que cantamos sem nos dar conta da origem.
Os cantores de toada cantam o Nordeste por excelência. Nela a terra, a plantação, a água e a seca, a mulher, o homem, a família, o amor exitoso, ou a saudade, o gado, a chuva, tudo é excentricamente nordestino. Já tinha ouvido o Chico César cantar toada, mas até ontem à noite (29 de junho de 2013) não sabia que aquela música que ele cantava assim se chamava – toada. Nela, o sangue nordestino se agita numa euforia intrínseca, que em quem a ouve e a aprecia se traduz em risos e/ou lágrimas. O nordestino fica em transe viajando em pensamentos, revisitando a família, ancorando nos portos da reminiscência, preso na sua história e na história da sua terra, da sua família. Nessa viagem, passado e presente se complementam, felicidade se mistura a tantos outros sentimentos de ganhos e perdas que se transformam em risos e lágrimas num mesmo rosto, como a chuva e o sol se encontram nas terras nordestinas.
A toada está para a memória musical nordestina, como a prosa de Zé Limeira, o poeta do absurdo, está para a poesia de cordel. Nada há de tão grande que a ela não se curve, nada há de tão belo que não lhe contemple a beleza.

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