O Maranhão é terra de versejadores,
poetas, compositores populares, pessoas que fazem versos instantâneos, também
ditos de improviso, ou repentes. Aqui, creio que é uma tradição surgida na
própria música maranhense, das manifestações musicais do nosso povo, o povo
negro. Assim, a dança do Pela Porco, em Rosário, o Tambor de Crioula, em todo o
Estado, o Coco Pirinã, o toque de caixa da Festa do Divino, o Tambor de Mina
(que não deve ser confundido com o tambor da Casa das Minas), o samba de roda.
Todas as manifestações musicais, de modo geral, são eivadas de momentos em que
seus participantes são levados a fazer versos momentâneos para homenagear ou
falar de uma situação, uma pessoa, o momento, ou simplesmente para rimar com um
tema posto na roda. Arriscaria a dizer que esta é uma tradição que chegou aqui
com o povo negro e é provável que se repita em outros países, a exemplo do que
acontece com o jazz, nos Estados Unidos da América. É comum, neste gênero
musical, músicos e/ou cantores fazerem improviso cantando ou tocando.
No Brasil, especificamente no
samba, o verso de improviso se confunde com o partido alto, uma vez que esta
linha do samba tem um tema básico, um refrão que se repete à medida que se
canta versos correlatos, ou não. Às vezes o verso básico é apenas um motivo
para que se façam os demais versos. O partido alto que ouvimos nas emissoras de
rádio, nos discos, assistimos cantores e compositores interpretando na
televisão, tem começo, meio e fim. Poderíamos até dizer que muitos são
originários de versos de improviso que foram registrados e posteriormente,
gravados.
A maioria dos versos de
improvisos cantados no cancioneiro popular brasileiro se reproduz por meio da
memória oral, no tempo e no espaço. Daí deriva o grande número de músicas
(toadas, cirandas, cocos, tambor de mina, tambor de crioula e tantos outros
gêneros musicais) ditas de domínio popular. Essas músicas, como sabemos, foram
um dia compostas por alguém que as cantavam em determinados lugares e, dali se
espalharam pelo mundo sem que essas pessoas nunca as tenham escrito ou
reclamado para si a autoria. Porque são músicas feitas sem essa intenção. Mas
apenas para alegrar uma comunidade, um grupo social, num momento de celebração
de um culto, de homenagem a um santo, ou uma santa, numa festa comunitária, ou
outra ocasião de lazer qualquer, ou outra situação que enseje o canto.
Há ocasiões em que versejadores amigos, se colocam de lados
diferentes e cantam entre si os conhecidos versos de repique. Àqueles que são
feitos para destrato dos parceiros, “opositores”. De fato, são feitos com o
intuito de entreter pessoas que os assistem, provocar risos, dividir plateia, causar
ovação. Isto é comum entre os violeiros do nordeste brasileiro, autodenominados
poetas, pelos cantadores ou cantores de embolada, pelos cantadores de coco,
sambistas. A dupla Castanha e Caju é um exemplo de artistas que lançam mão do
verso de repique para encantar plateias, fãs, admiradores deles e/ou do gênero.
No samba é muito comum fazer-se o
verso de improviso entre amigos, como forma de verificar-se o “fôlego”, a
capacidade de improviso dos bambas presentes na roda. O samba flui por horas e
horas sob o mesmo refrão, que, muitas vezes, pode ser mudado para evitar a
monotonia.
No Rio de Janeiro, o saudoso João
Nogueira gostava muito dessa vertente do samba e, segundo dizem, não raras vezes,
ele costumava juntar versejadores de diversas escolas de samba, diversos
bairros para se confraternizarem cantando samba de improviso. Nesses eventos,
costuma-se dar um tema, um verso, um refrão como parâmetro dos poetas que vão
fazendo os seus versos individualmente e, logo depois, todos cantam o refrão,
que é seguido do verso feito pelo compositor seguinte e, assim sucessivamente.
O sambista que errar, não conseguir fazer o verso redondo, ou seja, com a rima
correta, ou, simplesmente, se embaraçar, não fizer verso algum, sai da roda.
Assim, segue o samba até que fique apenas um versejador.
O saudoso Aniceto do Império
(Império Serrano, escola de samba do Rio de Janeiro) notabilizou-se pela sua
capacidade ímpar de fazer versos de improviso. Almir Guineto também é um
compositor com enorme recurso de improvisação. Arlindo Cruz, Xande de Pilares
e, provavelmente, na cidade maravilhosa há milhares de sambistas anônimos que
possuem talento para improvisar.
Acredito que na arte de
improvisar no samba, o Maranhão ainda não conheceu poeta, compositor, sambista
tão espetacular, quanto o nosso saudoso Cristóvão Colombo, da Madre de Deus, e
da Turma do Quinto, também conhecido como Alô Brasil, como referência da sua
participação do programa de televisão homônimo dirigido pelo apresentador
Flávio Cavalcante. Cristóvão era fabuloso, tinha voz privilegiada, muito
recurso na construção de rimas, uma objetividade para arrolar em seus versos
elementos constitutivos do momento e, ao mesmo tempo, capaz de emoldurar seus
versos com alusões poéticas a formas subjetivas, que entre um gole e outro, era
capaz de encantar aqueles que tiveram o privilégio de vê-lo cantando. Vejo com
muito pesar o fato de Cristóvão Colombo não ter deixado registro da sua obra
condizente com a magnitude de tudo que ele compôs, mas, felizmente, deixou
alguma coisa registrada.
Atualmente, em São Luís, vejo o Chico Chinês como pessoa que tem uma
capacidade imensa de improviso. Chico Chinês é um desses sambistas natos, com o
samba na veia, como se costuma dizer. Percussionista de primeiríssima grandeza,
amante da boa música maranhense, compositor, cantor, músico de sensibilidade sem
igual, capaz de catar pérolas musicais de autores maranhenses e reproduzi-las,
ou melhor, divulga-las no trabalho do grupo Espinha de Bacalhau, em parceria
com Neto Peperi e outros bambas de igual magnitude. Chico Chinês constitui um
desses guerreiros do samba, que mesmo distante da mídia, e sendo objeto da
incompreensão de alguns, faz um trabalho que contribui para eternização desse
ritmo chamado samba. Seria de muito bom alvitre se nosso querido Chico Chinês
registrasse os seus magníficos versos, assim as futuras gerações poderiam ter
acesso a obra desse sensível compositor.
O mais interessante de tudo isto, é que o verso
de improviso evolui nos mais distintos rincões do território brasileiro,
composto e cantado por pessoas anônimas, muitas das quais excelente
compositoras, sem trato com as letras e, para além do que escrevo agora, ou do
venha a escrever depois, estão fazendo improvisos e alegrando o povo em alguma
manifestação cultural da mais legítima expressão da nossa brasilidade. Salve os
poetas anônimos do Brasil. Salve todos os versejadores brasileiros!
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