Já vai longe o tempo em que o
samba no Maranhão era feito na calçada por grupos de voluntários que se
juntavam com muitos instrumentos de percussão e nenhum ou quase nenhum
instrumento de corda. Aquele samba em que o volume do som dos tambores
aumentava conforme o volume alcóolico consumido pelos sambistas.
Da mesma forma, estamos muito
distantes do tempo em que os grupos de samba, as chamadas roda de samba,
emergiam dentro das agremiações carnavalescas, principalmente, nas escolas de
samba. Falo dos tempos em que os grupos surgiam dentro de uma comunidade que se
orgulhava de saber levar o samba no pé e batia no peito ao afirmar que fazia
parte dessa ou daquela escola de samba. Na verdade, a escola de samba era, de
certa forma, tão atuante no âmbito da
comunidade que esta emprestava características àquela e vice-versa. Lembro que
certa vez um amigo se reclamava para mim, dizendo que no bairro de São
Pantaleão era muito difícil levar adiante as construções ou reformas de casas no
período de dezembro a fevereiro. Dizia ele, que alguns operários, como
marceneiros, por exemplo, quando o carnaval se aproximava, deixavam as obras em
que trabalhavam e diziam que iam trabalhar de graça para a Turma do Quinto e só
retornariam após o carnaval. O meu amigo, ao tecer este comentário, mostrava-se
possesso. Mais isto, de fato, representava o amor, a paixão que as pessoas
tinham pelas agremiações carnavalescas.
E as denominações dos sambistas:
Raimundo da Flor, José da Favela, João da Mangueira, Pedro da Turma do Quinto. Era
com orgulho que as pessoas demonstravam o seu pertencimento à escola de samba,
por isso, os sambistas ficavam conhecidos, muitas vezes, pelo nome também da
escola da qual fazia parte. E assim, os grupos de sambistas iam se formando.
Primeiro, as duplas, as trincas nos anos 1940 e 1950. Depois os quartetos, os
grupos mais numerosos, enfim. Surdo, surdão, contratempo, retinta, cabaça,
reco-reco, pandeiro. Estes eram alguns dos
instrumentos. Quando aparecia um cavaquinhista, ou violonista no samba, a turma
vibrava, embora os instrumentos de cordas ficassem quase sempre encobertos sob
o alto volume de tanta percussão. Mas, nesses nichos de percussionistas
brilhantes existiam preciosidades. Grupos capazes de fazer samba de
primeiríssima qualidade, com percussão e corda, ou mesmo só percussão, com
tanta harmonia que os craques preferiam assobiar os sambas, ao invés de cantar.
Quem viu pode dizer – era indubitavelmente lindo,
maravilhoso.
A garra com que os participantes
das escolas de samba desfilavam, era simplesmente, contagiante. Lembro-me de
quando a Turma do Quinto desfilou com o enredo A Praia Grande, que esplendor.
Ali eu fiquei extasiado com o trabalho daquele que eu reputo como o maior
carnavalesco do Brasil – Tácito Borralho. Esse cara é fantástico. Mas, ao que
os sinais hodiernos indicam, foi-se o tempo em que as pessoas se orgulhavam de
pertencer aos grupos carnavalescos e, em que estes eram o lócus primordial do
samba.
Hoje, os grupos de samba se
reinventaram. Nascem em bairros sem nenhuma tradição de samba, no seio de uma
classe média, que possui instrumentistas que passaram por escolas de música,
leem partituras, compram instrumentos caríssimos. No caso dos de corda, são fabricados
pelas mais refinadas luterarias do país. Banjos, cavaquinhos e bandolins
customizados, violões internacionais – todos caríssimos. Aliás, cabe salientar
que hoje o Maranhão possui luterarias que são referências nacionais, pela
excelente qualidade dos instrumentos que fabricam.
Samba nas quadras das escolas de
samba? Só na temporada carnavalesca. Durante o ano inteiro o pagode rola nos
bares refinados da Ilha, nos clubes sociais remanescentes, nas praias, nos
eventos sociais familiares, nos bailes de formatura. Os músicos são
profissionais e muitos são os que vivem da música. Os ensaios não são mais na
quadra da escola, no fundo de quintal dos componentes, na sala da casa,
causando incômodo aos vizinhos. Agora, os ensaios são realizados em estúdios
apropriados de onde os decibéis ficam contidos entre quatro paredes.
Também, nada de faixas nos
postes, cartazes nas paredes, ou pinturas nas ruas anunciando os eventos, agora
os sambas são anunciados pelas redes sociais. Grupos de samba como o de Nivaldo, os Madrillenus, Feijoada Completa,
são formados por músicos com competência para tocarem em qualquer canto do
país, ou no exterior. A formação também mudou. Atualmente, os grupos têm uma
formação que, genericamente, apresenta um violão de seis ou de sete cordas, banjo
e/ou cavaquinho, bateria, tantã e/ou repique, pandeiro. Dentro desse modelo, os
percussionistas inserem instrumentos que funcionam como acessórios adicionais,
como tumbadora, tamborins, agogô, entre outros. A flauta é o instrumento de
sopro que de vez em quando aparece em um ou em outro grupo mais refinado.
Pela qualidade que apresentam os
grupos de samba da Ilha, hoje, quando os cantores desse gênero vêm a São Luís,
preferem tocar com os músicos da terra, porque estes têm excelente qualidade e
evitam custos adicionais com transporte e cachê para músicos vindos de fora, o
que maximiza os ganhos dos profissionais que vêm se apresentar na Ilha.
Como podemos observar, o samba,
em São Luís do Maranhão, assimilou transformações ao longo do tempo, o que vemos como algo natural, mas as transformações havidas não
deformaram a sua essência (tempo, compasso, o ritmo convidativo à dança) e, por isto, continua muito gostoso. Mas eu ainda
sinto saudades daquelas rodas de samba na Turma do Quinto, em que Gabriel Melônio,
sempre acompanhado de Gari do Cavaco, cantava sambas ontológicos notabilizados
pela voz do saudoso Roberto Ribeiro. Aqueles sambas em que o Quinto apresentava
como atração o grande Jamelão, que começava cantar às 11 da noite, com cara de
quem não passaria das duas da manhã, e chegava às 6 cantando: “Poeira, ô,
poeira/o samba vai levantar poeira”.
É impossível não se lembrar
daquelas noites maravilhosas em que eu amanhecia na Turma do Saco, com o meu
amigo Luís Carlos Pinto e tantos outros, cantando sambas de Chico, Martinho,
Paulinho da Viola, ou aquele samba de Billy Blanco que dizia: “Não fala com
pobre, não dá mão a preto, não carrega embrulho/pra que tanta pose doutor/pra
que tanto orgulho/A bruxa que é cega esbarra na gente e a vida estanca/Se o
enfarto lhe pega doutor/acaba essa banca”. Saudáveis as mudanças que nós
alcançamos sem modificarmos, contudo, a nossa essência. Por tudo, eu digo:
salve o músico maranhense!
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