Bonitinha, era como todos a
chamavam, acredita-se que por ter um porte privilegiado pela natureza. Tinha um
rosto bem desenhado, desses que toda mulher deseja ter. Era dona de um corpo
escultural. Sempre fora assim, por isto, desde menina, os vizinhos lhe chamavam
de Bonitinha. Sempre de alto astral, o seu rosto era o habitat de um sorriso
simpático que parecia se expandir quando ela cumprimentava as pessoas. Apesar
de poucos conhecerem o seu verdadeiro nome, ela foi batizada como Maria Havana
dos Santos.
Nascida numa comunidade pobre,
logo cedo Bonitinha se integrara aos movimentos comunitários, especialmente,
aqueles ligados à Igreja. Foi líder do clube de jovens, animadora da Legião de
Maria, frequentadora assídua das comunidades de base. Casou-se com um homem
simples, de poucos verbos, mas, da mesma forma, atuante e respeitado na
comunidade.
Depois dos trinta, os jovens que
foram seus alunos na escola fundamental, na catequese, ou os que com ela
preparavam o dever de casa, passaram a chama-la de dona Bonitinha.
Certo dia dona Bonitinha
participava de um encontro de lideranças comunitárias junto com seu marido
Alfredo Augusto dos Santos. O encontro era num sítio espetacular de uma
entidade religiosa, durante dois dias. O primeiro dia era dedicado às palestras
de especialistas. O segundo dia, os participantes trabalhavam em grupo para
discutir e emitir opiniões as problematizações surgidas durante as palestras.
Durante os trabalhos de grupo,
dona Bonitinha percebeu que um colega de grupo estava inclinando as asas para o
seu lado. Ficou incomodada com os gestos do colega, sempre dava jeito de ele
olhar a aliança grossa que ela trazia no anelar da mão esquerda, mas o seu
Benedito, como ela o chamava, não evitava as brincadeiras de D. Juan para cima
de dona Bonitinha. Em um dos intervalos dos trabalhos de grupo, dona Bonitinha
chamou a atenção do seu marido, Alfredo Augusto, para o fato. – Alfredo
Augusto, estou percebendo que o companheiro Benedito está interessado por mim.
Alfredo Augusto retrucou: - Que nada, Bonitinha, isso é só brincadeira do
companheiro Benedito. Mas Bonitinha insistiu e disse acreditar não se tratar
apenas de brincadeiras, o companheiro Benedito estava se interessando dela como
mulher e pediu que o marido observasse os modos do Benedito durante os
intervalos dos trabalhos de grupo.
Alfredo Augusto atendendo a
sugestão da sua mulher passou a ficar mais próximo do grupo de Bonitinha
durante os intervalos e, para sua surpresa, constatou que o companheiro
Benedito, de quem era amigo há muito tempo, estava, de fato, jogando rosas para
dona Bonitinha. Alfredo Augusto respirou muitas vezes para não agredir o
companheiro, afinal, ali não era a hora nem o lugar para violências. Pensou,
pensou e resolver ter uma conversa com o Benedito. Na primeira oportunidade
chamou o companheiro Benedito para uma conversa em particular e foi direto ao
assunto: - Companheiro eu estou percebendo que você está interessado na minha
mulher. Benedito, de pronto tentou desconsiderar o que Alfredo Augusto dissera.
– Que que é isso, companheiro Alfredo Augusto? Mas, Alfredo Augusto nem lhe
dera tempo a disfarces e foi logo o acalmando. – Não tente disfarçar, nem fique
preocupado, porque eu tenho certeza do que estou dizendo e a Bonitinha também
tem. Entretanto, eu compreendo o que está acontecendo. A bonitinha é uma mulher
bonita, se veste com naturalidade, mas de modo adequado, fala com desembaraço,
está sempre de bom humor e tudo isso faz dela uma mulher interessante. Daí o
seu interesse, eu compreendo. Agora eu sei também que esse porte que chama a atenção
de outros homens decorre da nossa boa relação, do bom tratamento que eu sempre
dei a ela como a mulher que eu amo. Companheiro, se você der o tratamento
adequado a sua mulher, tenho a certeza que você vai se interessar mais e só por
ela, como eu só tenho olhos para Bonitinha. Foi o suficiente para o Benedito
encolher as asas e deixar dona Bonitinha em paz.
Em casa, o Alfredo Augusto
procurou refletir com a mulher sobre os acontecimentos e agradeceu a ela pela
coragem, sinceridade, integridade e, sobretudo, a lealdade. Dona Bonitinha lhe
disse apenas que ele e ela eram produtos da relação que eles mesmos construíram
ao longo das suas vidas. Disse-lhe que a visibilidade que chamava atenção do
companheiro Benedito, assim como, provavelmente, de muitas mulheres por ele,
resultava da boa fase que atravessavam em suas vidas e que ambos não poderiam
cair na cilada de se encantarem pela dança das mariposas. Alfredo Augusto, aos
risos, interrogou-lhe: - Dança das mariposas?
Dona Bonitinha, com simplicidade o explicou: -
Todos temos uma luz natural que quando acesa chama a atenção das pessoas com as
quais nos relacionamos e, quando essa luz está apagada nos tornamos quase que
invisíveis, as pessoas nos olham, falam conosco, mas não nos percebem. Não chamamos
a atenção de quase ninguém. Veja as lâmpadas, quando acessas, diversos insetos
voam em torno delas. As mariposas se destacam pelo porte que têm. É esse voo
delas em volta da lâmpada que eu chamo de dança das mariposas, porque, uma vez
atraídas pela luminosidade da lâmpada, elas voam em torno desta como se
quisessem atraí-la para si. Só que as mariposas voam numa dança inglória, mas
as pessoas, nem sempre. Entre os humanos, o sucesso da “mariposa” depende da
fraqueza da lâmpada. Aí é que entra a lealdade, o companheirismo, a
cumplicidade, o amor construído na linha do tempo de cada relação.
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