domingo, 27 de setembro de 2015

Estradas do Maranhão



Há muito observamos que no Maranhão as rodovias estaduais e federais têm uma vida útil muito pequena, considerando o valor do quilômetro de revestimento asfáltico. Quem viaja pelo estado percebe que todo ano há em muitas rodovias grupos de “operação tapa buraco”.
Aliás, convém destacar que as “operações tapa buraco” que deveriam ser eventuais ou excepcionais, viraram rotina. Todo ano, durante a época seca, entre os meses de julho e dezembro, esse tipo de operação é executada.
Esse serviço é regra no Maranhão porque a má qualidade do revestimento das rodovias também é regra. De modo geral, faz-se um péssimo trabalho de preparo do solo para recepção do revestimento. O asfalto colocado, de modo geral, é pouco espesso e o seu preparo não resiste ao tráfego intenso dos transportes pesados e aos efeitos das chuvas e do calor intenso que é peculiar em nosso estado.
Na época chuvosa, o asfalto solta-se aos pedaços, ou lascas, propiciando incômodos buracos nas estradas. Em muitos trechos a camada de revestimento deforma-se formando ondas de asfalto que tornam a rodovia imprópria para o tráfego de carros baixos.
A título de ilustração podemos citar algumas estradas ou trechos dessas que precocemente foram deterioradas em decorrência da má qualidade dos serviços de construção. A BR-222, no trecho entre Santa Luzia e Buriticupu, principalmente, nos primeiros 80 quilômetros após Santa Luzia. Esta estrada foi reconstruída há cinco anos. Teve o seu traçado melhorado e passou por um serviço de terraplanagem intenso e caríssimo, mas, bastou apenas cinco anos para que os aterros estejam desmoronando e todo revestimento esteja comprometido. Ora, quem conhece esta estrada e sabe do serviço de reconstrução pelo qual passou sabe que esse é um tempo exíguo para que ali seja feita reparos da magnitude que hoje esta rodovia necessita. Não há país que aguente tanto gasto. O mesmo acontece com o trecho entre Vitória do Mearim e Santa Inês. Nesta parte, os buracos estão insuportáveis.
No trecho da BR-135, entre Santa Rita e Entroncamento, há quilômetros de estrada cuja reconstrução foi realizada no ano passado e antes de receberem a pintura das faixas de sinalização já estão totalmente deteriorados.
O que aqui questionamos não é apenas a má qualidade dos serviços técnicos adotados na construção dessas rodovias, mas, sobretudo, o que está por trás desse padrão de serviços, desse padrão de rodovias construídas no estado do Maranhão – a corrupção. O momento requer não apenas a reconstrução das estradas do Maranhão, mas que essas estradas sejam reconstruídas sob um novo padrão moral, alicerçado no respeito ao cidadão que paga impostos. È isso que esperamos do governo atual e torcemos para que um novo padrão de governo se estabeleça neste Estado e as estradas e tudo mais que for construído pelo governo receba das autoridades oficiais um tratamento que reflita o respeito devido à coisa pública. Só  assim deixaremos essa mania de construir estrada com vida útil de apenas um ano, quando em outros países as rodovias duram mais de três décadas.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

O jogo e a resenha[1]



A minha simpatia pelo Sampaio Corrêa Futebol Clube vem da minha família. Lembro-me, quando ainda criança, em Rosário, da minha mãe lavando roupas no banco de lavar, no quintal da nossa casa, junto ao tanque de cimento distribuído pela Fundação Sesp. Às vezes cantando sambas cantados na Madre Deus da sua época, às vezes contando histórias daquela gente alegre, divertida que desde sempre habita aquele maravilhoso bairro da ilha de São Luís. Foi num desses momentos que ela me falou que o meu tio Raimundo Reis (Cacaraí) foi jogador do Sampaio Corrêa e o meu tio e padrinho Joaquim Paz de Linhares – o Careca, compositor e fundador da Turma do Quinto, jogou no Tupã. Acredito que, como o Tupã era menos midiático do que o Sampaio Corrêa e, ainda, porque a minha mãe demonstrava sua paixão pelo Sampaio, eu preferi torcer por este clube de futebol.
Como toda criança brasileira, pobre, negra, eu desde sempre adoro o futebol. Em Rosário, terra onde eu nasci, torcia pelo Esporte Clube Comercial e, em São Luís, pelo Sampaio Corrêa. Mas sempre gostei mais de jogar bola do que ir ao estádio torcer. Fui várias vezes ao estádio Nhozinho Santos e mesmo ao Castelão para ver a seleção de Rosário, ou times de lá disputando o torneio intermunicipal – eu até hoje adoro ver o futebol rosariense. Rosário é terra de muitos craques. As vezes que fui ao Rio de Janeiro, nunca desejei conhecer o Maracanã, nem outros estádios de outras cidades brasileiras que eu conheci ao longo da minha vida profissional.
Foi a partir de 1997, após a minha viuvez, que eu descobrir o estádio de futebol como alternativa para diversão. O Sampaio estava na série D, com possibilidades de passar para a série C do futebol brasileiro, então, eu comecei a ir assistir aos jogos do Sampaio. Levava os meus filhos, o filho de um vizinho, íamos com o meu compadre Laurindo, boliviano ranzinza, que até hoje é o meu companheiro de torcida. Mas, foi em tempos mais recentes que eu observei que o jogo de futebol que se assiste inicia bem antes de entrarmos no estádio, começa logo depois que você deixa o estacionamento e escala a escada de acesso ao Castelão.
É ali, bem ali, depois que se sobe a escada e respira-se profundamente, levanta-se a cabeça e vemos diante dos nossos olhos uma porção de vendedores ambulantes, ao abrigo de árvores, com caixas de isopor cheias de bebidas e churrasqueiras exalando o cheiro dos churrasquinhos ou espetinhos, como preferem alguns torcedores. São dezenas de vendedores ao redor de todo o estádio, preferencialmente, nas entradas de cada setor. Particularmente, gosto de ficar diante do acesso ao setor 4. Ali começa a resenha, ali a resenha é mais intensa, alegre, divertida, fanática, entendida, sábia, eufórica, discreta, indiscreta, e tudo mais que o torcedor possa exteriorizar como sentimento, ou paixão que o futebol inspira.
Naquele calor das 15:00 horas em São Luís, 32° ou mais à sombra, poucos são os que resistem a uma cervejinha gelada.
É maravilhoso ver uma multidão de maranhenses trabalhando informalmente para divertir milhares de torcedores animados, dispostos a consumir água mineral, espetinho, refrigerante, vinho suave, bandeira, camisa e souvenir do clube do coração, pasteis, coxinhas, ingressos de cambistas e tudo mais que o comércio informal apresenta.
Nessa multidão não faltam torcedores fantasiados com o propósito de chamar a atenção dos demais. Naqueles instantes que antecedem o início da partida, ao redor do estádio, tudo é diversão, vaias, brigas de cachorros, palpites, escalação do time, o desfile de camisas do clube (cada uma mais bonita que a outra), a gatinha malhada de academia vestindo um vestido do Sampaio Corrêa coladinho ao corpo, gritos inesperados de torcedor que só deseja chamar atenção, um torcedor que inesperadamente cai da cadeira. Tudo ocorre enquanto se toma uma gelada para irrigar o papo que só tem pausa na hora em que se decide entrar no estádio.
Nada é mais interessante que o movimento em torno do estádio Castelão, nos momentos que antecedem o jogo, onde aquela mistura de sentimentos se exterioriza na diversidade humana e na forma própria do povo brasileiro. Fico pensando, como povo brasileiro deve sofrer quando está longe daqui... Não sei se existe no mundo um povo com a capacidade de expressar-se de tantas formas como o povo brasileiro.
A resenha que antecede o jogo do Sampaio Corrêa Futebol Clube no Castelão é um desses momentos que entra nas nossas mentes para nunca mais ser esquecido e, ainda, que só depois de escrever tudo isso, vejo o quanto fiz tão pouco para descrevê-la.


[1] Escrito em Santa Inês/MA, no dia 24 de agosto de 2015.
 

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quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Sampaio Corrêa Futebol Clube – “Yes, we can”[1]



Com a ascensão do Sampaio Corrêa Futebol Clube à série B do futebol brasileiro e, ainda, depois da boa campanha feita em 2014, o futebol maranhense elevou a sua autoestima e tacitamente vive uma espécie de “Yes, we can”.
“Sim, nós podemos” – é isto que fala cada torcedor maranhense que no dia a dia exibe as camisas do Sampaio Corrêa Futebol Clube em todas as cidades do estado, no Brasil e no exterior. Aliás, é bom lembrar que jamais um clube de futebol maranhense vendeu tantas camisas, quanto o Sampaio Corrêa vende hoje.
Lembram que todo maranhense tinha um clube do coração além do Sampaio Corrêa, Moto Club, Maranhão Atlético Clube, ou outro clube qualquer do estado? A coisa mudou, hoje muitos dos bolivianos que torciam por times do Rio de Janeiro, São Paulo, ou de outro estado brasileiro, agora torcem apenas pelo Sampaio Corrêa Futebol Clube. Só por provocação eu  perguntei para alguns bolivianos que antes torciam pelo Flamengo, Fluminense, Botafogo, Corinthians, São Paulo, Palmeiras, Santos, ou outros clubes, por que razão agora eles/as só torcem pelo Sampaio. Muitos me responderam com outra pergunta: - “pergunte aos cariocas, paulistas, ou aos brasileiros de outros estados, para qual clube maranhense eles torcem?”, e completaram, “faça isso e você será motivo de chacota”.
O estádio não tem lotado completamente, mas, hoje a média de torcedores no estádio Castelão é de aproximadamente 15 mil torcedores por jogo. A presença dos torcedores nos jogos de mando do Sampaio é tão significativa que não raras vezes quando o serviço de alto-falantes anuncia a renda e o número de pagantes a torcida vaia, porque o que se vê no estádio diverge muito do que se fala nos meios de comunicação e no serviço de alto-falantes do Castelão.
Uma rede de lojas esportivas anunciou que para cada camisa vendida do clube de futebol de maior torcida do Brasil ela vende três camisas do Sampaio Corrêa Futebol Clube. Veja que essa é a estatística apenas dessa rede de lojas. Não temos estatísticas das lojas do clube, que quase  sempre estão sem estoque suficiente para atender o torcedor, além de venderem camisas mais caras que a rede de lojas esportivas aludida (Lojas do clube – R$ 165,00, rede de lojas esportivas – R$ 146,00).
São mais de 1600 sócios torcedores, que quase sem qualquer benefício além da entrada gratuita pagam mensalmente prestações que variam entre R$ 15,00 e R$ 90,00, esperançosos de verem o Paio, como chamam carinhosamente, subir para a primeira categoria do futebol brasileiro. Ainda é muito pouco, mas os serviços de marketing do clube ainda são incipientes. Há muita coisa a fazer para atrair mais sócios torcedores. Temos que aprender com clubes como São Paulo, Cruzeiro, Atlético Mineiro, Grêmio, Internacional, Barcelona. Temos que chamar o torcedor para dentro do clube, de modo que se desperte nele um forte sentimento  de pertencimento.
Outro fato que não podemos deixar de ressaltar é que hoje o torcedor isolado – o homem que ia só ao estádio – tende a ser substituído pela família torcedora. Agora a família toda vai ao estádio vestida com a camisa do Sampaio Corrêa, até porque, graças a Deus, aqui no Maranhão temos segurança e não temos problema de violência.
 Do mesmo modo que os torcedores do Atlético Mineiro explodiu o grito de “Sim, eu acredito”, na campanha passada do clube, os torcedores do Sampaio Corrêa têm um grito preso na garganta de “Sim, nós podemos”, porque todos nós acreditamos na possibilidade do Sampaio Corrêa fazer essa passagem e, tenho a certeza que num futuro muito próximo o Castelão explodirá com uma palavra de ordem que demonstre o crédito que o torcedor boliviano dá ao clube do seu coração, uma vez que acreditamos que o sonho se realizará, porque, de fato, nós podemos – “Yes, we can” – sim, nós podemos passar para a série A do futebol brasileiro.


[1] Escrito em Santa Inês, no dia 24 de agosto de 2015.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Cadeira vazia

No canto da sala resta uma cadeira vazia, onde ela sentava, com um terço na mão, a assistir os programas religiosos da televisão. Dali ela prestava atenção em tudo que acontecia na casa. Dirigia tudo, dava ordens a todos, conduzia tudo a seu modo, à sua mania. O que comer, o que lavar, o que engomar.
De vez em quando batia à porta um vendedor, um pedinte. Batiam porque sabiam que ali seriam atendidos. Vó, hei vó! Ela sempre resmungava: - agora arranjei mais esse neto. Quem via a cara carrancuda não imaginava a alma caridosa que ela carregava. Era assim na Fábrica Santa Isabel, onde ela trabalhou durante a juventude, era assim na Rua César Aboud, onde ela viveu boa parte da sua vida, onde ela criou as filhas Dora, Concita, Lúcia, Célia e Ana Amélia, era assim no Cohatrac. A caridade sempre a acompanhava onde ela fosse. Agora, com ela estará ao lado de Deus, nosso Senhor.
Por isso o pedinte ia lhe pedir comida, roupa, uma moedinha. O verdureiro ia lhe oferecer verduras fresquinhas. O peixeiro batia à porta para lhe oferecer o melhor peixe de São José de Ribamar, o melhor marisco. Para variar, ela sempre botava defeito em tudo e depois comprava de todos. Todos sabiam, se não oferecessem qualidade ela não compraria. Depois de ver os produtos e aprová-los, ela voltava à cadeira e retirava de um saco plástico que ficava embaixo da almofada o dinheiro suficiente para pagar o que ela queria.
Assim era a Julieta Rufina Corrêa que eu conheci. Gostava de tudo fresquinho, de boa qualidade e aparência. Nada de peixe fofó (assim ela chamava o peixe que não estava fresco), nada de verduras murchas, nada de mariscos miúdos ou mal apresentados. Para ela, comprar de vendedores ambulantes tinha limites. Nunca esqueci um dia que estávamos na nossa casa, no Cohatrac 4, quando passou um ambulante vendendo pizzas e uma das suas filhas o chamou e comprou alguns pedaços. Quando ela entrou em casa a oferecer pedaços de pizzas para as crianças, foi prontamente advertida pela mãe que lhe disse: - aqui nesta casa, quando queremos pizzas telefonamos para a pizzaria, solicitamos e eles nos trazem pizzas inteiras, não compramos pedaços, nem de vendedores de rua. Ela era assim, tinha os seus limites, tinha os seus princípios e eu aprendi a respeitá-los.
A princípio eu a chamava de dona Julieta, era apenas o namorado da sua filha. Depois que me tornei genro, ou mesmo um filho – creio que como ela só tinha filhas, me considerava um filho e me tratava como tal. Então eu passei a lhe chamar de Juju e, mais recentemente, eu só a chamava de Meu Amor. Julieta era uma mulher de pulso firme, de irmãos a bisnetos todos a amavam, mas tinham, sobretudo, respeito por ela. Era a matriarca da família Corrêa.
Gostava de fartura e de movimento. Era festeira, gostava de passear, visitar os amigos, as amigas. Até os setenta e uns, saía sozinha para assistir missa em várias igrejas de São Luís. O peso dos oitenta a deteve mais em casa. Gostava de acordar cedo e lavar o quintal, lavar  roupas, fazer o café da manhã. Essa rotina ela fez enquanto a idade e a saúde lhe permitiram.
Era, sobretudo, minha amiga, Meu Amor, passamos muito bons momentos juntos. Gostava de tirar onda com ela só para provocar a sua reação, seus insultos e ver os risos de quem nos assistia “brigando”. Juju era divertida nossas almas compartilhavam de gostos semelhantes. Quando morávamos na casa do Cohatrac 4, muitas vezes, íamos eu, Célia, ela e os meus filhos para São José de Ribamar ou para a Raposa comprar peixe. Arrematávamos baldes de peixe de algum vendedor, voltávamos para casa e ela cozinhava o peixe e nós fazíamos a festa.
Quando eu e a Célia nos casamos, fomos morar no Maiobão. Ela foi passar um final de semana conosco e resolvemos acordar cedo e irmos juntos à feira. Eu fui funcionário da Ceasa e fui o técnico designado pela Diretoria da empresa para preparar a inauguração da feira do Maiobão. Mas, eu nem me lembrava disso naquela época, havia passado uns anos. Quando chegamos à feira, fomos a um Box comprar galinha, mas para a nossa surpresa, o dono do Box disse-nos que não era preciso pagar porque, segundo ele, ele estava ali porque eu o teria ajudado. Relutei, mas não teve jeito ele não recebeu o dinheiro. Fomos a uma banca comprar verduras e quando fomos pagar, a senhora que nos vendeu disse que não precisava pagar que eu a havia ajudado e, assim, para a minha surpresa eu não consegui pagar nada – frutas, verduras, galinha, tudo ganhei de presente naquele dia. Ela só sorria e dizia que eu “tava de ganhador aberto”. Fiquei meio intrigado com o fato e a convidei para experimentar um mocotó numa lanchonete da feira. Ela aceitou e nós pedimos o mocotó e uma cerveja. Quando terminamos, a dona da lanchonete disse que o mocotó ficava por conta da casa porque eu havia permitido que ela ocupasse um espaço adicional para colocar as mesas da lanchonete. Um feirante que terminara as suas atividades disse que a cerveja era por sua conta e, logo foram chegando outros feirantes e cada um pagava uma cerveja e, de saideira em saideira, nós só chegamos em casa às 11 horas da manhã. A Célia estava preocupada com tanta demora, mas quando percebeu o nosso estado etílico, o que era preocupação virou raiva, e nos passou uma descompostura.
Em síntese, a saudade que compartilho com todas as pessoas que a conheceram e puderam desfrutar da amizade e da lealdade de Julieta é imensurável, mas eu sempre haverei de lembrá-la pelas coisas boas e divertidas que compartilhamos, ainda que meus olhos umedeçam toda vez que eu olhar para aquela cadeira vazia. Obrigado Senhor pelos oitenta e cinco anos de existência de Julieta Rufina Corrêa, obrigado Juju por todo amor que dedicaste a mim, às tuas filhas, aos teus netos e bisnetos, de modo especial, aos meus filhos Luís Fernando, Paulo César e Juliana. Obrigado por ter nos deixado esse grande legado chamado AMOR! Que o AMOR que conosco compartilhaste, seja compartilhado agora com os anjos e santos, que como você habitam agora a morada do Senhor.