sábado, 10 de setembro de 2011

Messias Rabelo, o nosso grande Messias Peru

Para falar a verdade, eu era um grande admirador do Messias Peru, mas não o conhecia tanto, como os meus contemporâneos de Codozinho. Isto porque, quando ali cheguei o Messias já não aprontava tanto. Muito do que sei são hestórias contadas nas nossas rodas de conversa, na calçada de dona Belisa (ou Bilisa, como a chamavam algumas senhoras), na calçada de Bibi, no terreno da Turma do Saco, no Beco, ou melhor, na esquina da casa de seu Viégas.
Antes de amarrar o meu cavalo no Codozinho, Messias tinha o hábito de parar nas rodas e bater papo com a rapaziada. As conversas, dizia a lenda, eram animadas e muito bem humoradas. Ele contava muitas mentiras, mas ninguém podia rir, sob pena de levar cascudo, e ele, o Messias, ainda se queixar aos pais de que fora desrespeitado pelo garoto Fulano de Tal, o que, de modo geral resultava em surra para o sorridente incrédulo.
O certo é que Messias é uma lenda do Codozinho. Exímio dançarino, boa vida, sempre de bem com vida. Invariavelmente, andava alinhadíssimo, muito bem vestido, na pinta, como se dizia na época. A voz grossa, quase gutural, impunha um ar categórico em tudo que pronunciava. Era um homem de mais ou menos 1,80 m. Tinha sempre uma tirada “no bolso” para cada um que o cumprimentava.
Messias era jornaleiro, mas se vestia como um jornalista, não como um jornalista qualquer, mas como um jornalista bem sucedido, do alto escalão da sua categoria e de classe média alta. O cara era abusado. Vendia jornais do Rio de Janeiro (O Jornal do Brasil) e de São Paulo (a Folha de São Paulo e o Estado de São Paulo), à frente do antigo Hotel Central, para a elite refinada e bem informada de São Luís.
Refinado, posudo, Messias ficava à frente do Hotel, com os jornais arrumados à sua frente, entretanto, ele ficava batendo papo, paquerando uma ou outra mulher bonita que por ali passava, fazendo de conta que nada tinha a ver com os jornais que ali estavam. Sapato bicolor (preto e branco), camisa de mangas compridas, de tricoline, ou linho, calça de linho ou tergal e, para variar bleise. Sempre muito bem engomado. Quem não conhecia o cumprimentava como doutor. No Codozinho, contudo, todos sabiam quem era o Messias Peru, o jornaleiro. Para mim, era uma espécie de ídolo, um anti-herói que eu sublimava. Me divertia ao vê-lo passar, voltando da feira da Macaúba, quando Colozinho perguntava: - e aí Messias, o que você vai comer hoje? E ele respondia: - Peru, com arroz a la grega. De pronto, a turma se espatifava de rir, pois todos estavam vendo que na cesta do Messias continha alguns gramas de carne de segunda, uns galhos de vinagreira, que se sobressaíam aos maxixes, quiabos e fatias de jerimum. Era justamente isso que eu mais admirava nele. O modo como ele encarava a vida, a sua alta autoestima, o lugar social imaginário que ele atribuía a si próprio.
Outra vez, era Natal e Messias retornava da feira e o Colozinho depois de fazer aquela pergunta tradicional e ele responder que a ceia de Natal dele teria um cardápio superrefinado, pediu que o Colozinho lhe fizesse um favor: organizar a meninada toda do Codozinho enquanto ele ia deixar as compras em casa. Quando ele voltasse distribuiria um velocípede para cada criança.
Presepeiro, dizia a lenda. Certo dia passou um maiobeiro vendendo frutas e verduras. Messias foi tirar uma onda com o cara, que não gostando, tirou a canga (o pau que colocava nos ombros carregando os cofos) e saiu emendando Messias de varadas. Messias, que não era besta nem nada, colocou sebo nas canelas e só parou quando entrou em casa e fechou as portas. Fatos como esse, provocavam verdadeiro alvoroço no Codozinho.
Certa vez, Messias conversava na calçada com uma turma de garotos e rapazes. Conversa pra cá, conversa pra lá, o assunto se inclinou para a sétima arte e foi parar em filme de bang bang. Messias então, falou das virtudes de Django, grande atirador dos filmes do tipo, da época. Disse ele, que Django era tão rápido no gatilho, que chegando numa boate certa vez, observando as luzes em pisca-pisca, enquanto umas piscavam ele quebrou, com tiros, todas que estavam acesas. Aí, meus caros, não deu outra, a rapaziada se extasiou em risos e ele saiu distribuindo cascudo na moçada e perguntando sério: - vocês acham que estou mentindo? Ora me respeitem, senão ainda vou dizer pros seus pais que vocês estão faltando com respeito comigo.
O melhor do Messias Peru não era a mentira absolutamente absurda que ele contava, mas, ver a turma se segurando pra não rir, com medo de levar cascudos. As pessoas se entreolhavam fazendo o maior esforço pra não sorrir.
Assim que fundamos a Turma do Saco, havia uma rixa com os blocos do Lira. Coisa da antiga...ressentimento do tempo de Os Intocáveis e Os Gaviões. Este do vizinho bairro do Lira e aquele o precursor da Turma do Saco. A Turma do Saco estava de volta ao Codozinho e os Gaviões seguia o mesmo percurso em rumo ao Lira. Ao sairmos da Praça da Saudade, o bloco Os Gaviões encostou na Turma do Saco e Alguém avisou que se tratava do pessoal do Lira. Então o pessoal do Saco parou para não dar passagem para eles. Ocupamos a rua de um lado ao outro e eles começaram a forçar a barra, querendo passar na marra. Uns participantes do bloco, quando sentiram a coisa feia, correram no Codozinho e avisaram que estava prestes a acontecer uma grande briga entre os dois blocos. Nesse momento, as pessoas vieram ao encontro do bloco, não sem antes se armarem do que puderam. Quando todos pensavam que o conflito fosse se desencadear, o nosso anti-herói entrou em cena. Os filhos de Messias Peru, João e Jorge participavam da Turma do Saco também.
Messias, primeiro, com aquele vozeirão, mobilizou um cordão de proteção, fez a Turma do Saco ocupar apenas a via esquerda da rua, que era, justamente, a direção do Codozinho. Chegou junto aos Gaviões e ordenou: - passem pelo outro lado... e eles obedeceram prontamente, desfazendo-se então, a possibilidade de um conflito que certamente, teria sérias e lamentáveis consequências. Se todo mundo tem o seu dia de herói, naquela noite, Messias Peru se fez um grande herói e, ainda que no dia seguinte, nós brincássemos, comentando que a briga foi terminada pelo homem mais frouxo do Codozinho, o certo é que nós todos nutríamos grande admiração por Messias.
Por ironia da vida, os filhos dele me chamavam de tio. Foi engraçado como isso começou. Influenciados pela Turma do Saco, os meninos começaram a freqüentar a casa da minha mãe. Eles faziam parte da bateria mirim. O João era muito gozador e, uma tarde ele estava lá em casa zoando, me aporrinhando a vida e eu o disse que ele devia me chamar de tio. Ele me perguntou por quê, e eu o revelei que a mãe dele, a Tânia era noiva do meu irmão Zé Pitó, quando casou com o pai dele. E só para aporrinhar com ele, eu disse: - quase que você seria meu sobrinho. E o João, pra me sacanear mais ainda, passou a me chamar de tio. Minha mãe se divertia ao vê-lo aprontando lá em nossa casa.
Enfim, o nosso querido Messias Peru era um codozinhense de ótima cepa. Como dizia o grande Jorge Ben Jor – “Se malandro soubesse o quanto é bom ser honesto, seria honesto só por malandragem, caramba”...Messias cumpria a escrita do Jorge Ben à risca. Viveu sempre honestamente só por malandragem, sem, contudo, dar muita bola para o trabalho, embora trabalhasse. Era uma pessoa do bem.

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