quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Erro de ataque

 
Fui surpreendido com a notícia de que os amigos Neymar, Alexandre Pires e Mister Catra participaram de um vídeo clipe do cantor Alexandre Pires,  fantasiados de gorilas. Mais surpreso eu fiquei com o ataque que algumas entidades do movimento negro lhes fizeram sob o argumento de que o jogador e os dois cantores protagonizaram atitude racista.
Fiquei frustrado com a acusação das entidades, esperava que elas tivessem um posicionamento mais cauteloso a respeito da brincadeira ousada dos artistas. Pela primeira vez no Brasil pessoas públicas negras se expuseram de forma lúdica e natural vestidos justamente de um animal que o mundo racista usa como referência para lhes insultar. O clipe é bobo, de ínfimo valor artístico, mas a atitude dos três poderia ser vista com mais cuidado, antes de qualquer acusação.
Lembrei-me da cena acontecida com o craque Roberto Carlos, num estádio da Europa, quando torcedores racistas jogavam-lhe bananas e ele chateado, constrangido, irritado com toda aquela asquerosa atitude, retirou-se do jogo. Não quero aqui de forma nenhuma minimizar o sofrimento do Roberto Carlos nem de qualquer outra pessoa, negra ou não, que já tenha sofrido ataques racistas. Eu próprio já me senti constrangido com atitudes dessa estirpe. Dói do solado do pé até o âmago da alma. Tanto que naquela oportunidade eu fiquei muito irritado e solidário à atitude do jogador.
No entanto, dois astros da música brasileira se juntaram ao craque santista e brincaram com o estereótipo que os babacas dos racistas sempre acionaram para insultar, minimizar a nossa condição humana, reduzir-nos à condição animalesca. Coitados, eles sequer sabiam da magnitude do tabu que eles estavam quebrando, mas, infelizmente, não estavam sós nessa. Alguns defensores dos direitos humanos, guardiões da liberdade dos afrodescendentes também não perceberam a grandeza do que fizeram Neymar, Alexandre Pires e Mister Catra. Estes quebraram os grilhões do senso comum, mostraram que pessoas negras, inclusive famosas, podem se despir da carapuça hipócrita sempre acionada sob a égide da insensatez, incensada pela insanidade dos que usam a imagem do macaco como o pior dos escárnios para se referir às pessoas negras. Jogaram o estigma contra o estigma, inconscientemente, é verdade, mas jogaram. Mesmo não estando cônscios da magnitude dos seus atos, eles abriram um caminho que bem pode servir de exemplo para outros brasileiros negros famosos ou não que toda vez que fazem algo que causa inveja aos racistas, são chamados por eles de macacos.
Pronto, agora esses neonazistas estão desarmados, porque ao invés de se constrangerem com seus antiquados e asquerosos insultos, os astros brasileiros agiram como se dissessem: - isso não pega conosco, para nós os gorilas são animais que merecem respeito e carinho, assim como o mico leão dourado. Não nos importamos com os ignorantes que nos comparam a eles, sabemos da importância deles e da condição humana que nos é inerente. Não nos sentimos diminuídos com a vossa atitude, apenas nos juntamos aos milhões de seres humanos que a abominam. Não vamos nos sentir ridicularizados quando vocês é que são ridículos ao tentarem se enganar quanto a nossa condição. Dizem que somos macacos (logo, sem raciocínio lógico), mas a vida caminha contra a maré racista e os coloca sempre diante de negros que se sobressaem na sala de aula, no esporte, nas telas dos cinemas, no teatro, na literatura, na música, nas ciências.
Às vezes, acredito que me devo um escrito mais profundo sobre o racismo. De imediato, via-o como algo que poderia ser explicado pelo viés cultural, todavia, hoje eu o percebo que a sua explicação tem algo além, algo de patológico, que carece de terapia pelo fato de se configurar como uma luta interior do próprio racista que teima em não acreditar no óbvio; que ao constatar a racionalidade do irmão negro, teima em não aceitá-la, como se isso fosse lhe fazer algum mal. Um estado doentio de criação mental de algo que o próprio criador não acredita, porém insiste em afirmar – a luta entre a falsa ideia e os fatos que a nega. Essa teima interior da verdade constatada versus negação da constatação continuará até que o enfermo se perceba como tal e procure o tratamento adequado.
Vejam no caso dos europeus que discriminam os brasileiros: - eles vibram com as nossas jogadas, pasmam com os gols de placa que fazemos e, por mais que queiram cobrir o sol com a peneira do racismo jamais conseguirão inibir ou invisibilizar o brilho do nosso talento, da arte do povo negro, ou afrodescendentes como preferem os ditos politicamente corretos.
Para encurtar conversa, não fosse o estado de inconsciência, poderíamos comparar o feito dos três astros brasileiros à façanha que os negros americanos fizeram nos anos 1960 com o “Black is beaultiful” e o black power. Sem perceberem, os brasileiros foram além, ao dançarem vestidos de gorilas. Foi como se, sem a consciência do fato, dissessem: “Somos negros lindos, mesmo vestidos de macacos”! Danem-se os racistas.
Só lamentamos que os defensores dos direitos humanos não tivessem atentado para o fato, que mereceu uma leitura mais compreensiva. Fizeram uma leitura apressada e incorreram ao equívoco que decorreu, creio, da falta de uma análise mais acurada.

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