Fui
surpreendido com a notícia de que os amigos Neymar, Alexandre Pires e Mister
Catra participaram de um vídeo clipe do cantor Alexandre Pires, fantasiados de gorilas. Mais surpreso eu
fiquei com o ataque que algumas entidades do movimento negro lhes fizeram sob o
argumento de que o jogador e os dois cantores protagonizaram atitude racista.
Fiquei
frustrado com a acusação das entidades, esperava que elas tivessem um
posicionamento mais cauteloso a respeito da brincadeira ousada dos artistas.
Pela primeira vez no Brasil pessoas públicas negras se expuseram de forma
lúdica e natural vestidos justamente de um animal que o mundo racista usa como
referência para lhes insultar. O clipe é bobo, de ínfimo valor artístico, mas a
atitude dos três poderia ser vista com mais cuidado, antes de qualquer acusação.
Lembrei-me
da cena acontecida com o craque Roberto Carlos, num estádio da Europa, quando
torcedores racistas jogavam-lhe bananas e ele chateado, constrangido, irritado
com toda aquela asquerosa atitude, retirou-se do jogo. Não quero aqui de forma
nenhuma minimizar o sofrimento do Roberto Carlos nem de qualquer outra pessoa,
negra ou não, que já tenha sofrido ataques racistas. Eu próprio já me senti
constrangido com atitudes dessa estirpe. Dói do solado do pé até o âmago da
alma. Tanto que naquela oportunidade eu fiquei muito irritado e solidário à
atitude do jogador.
No
entanto, dois astros da música brasileira se juntaram ao craque santista e
brincaram com o estereótipo que os babacas dos racistas sempre acionaram para
insultar, minimizar a nossa condição humana, reduzir-nos à condição animalesca.
Coitados, eles sequer sabiam da magnitude do tabu que eles estavam quebrando,
mas, infelizmente, não estavam sós nessa. Alguns defensores dos direitos
humanos, guardiões da liberdade dos afrodescendentes também não perceberam a
grandeza do que fizeram Neymar, Alexandre Pires e Mister Catra. Estes quebraram
os grilhões do senso comum, mostraram que pessoas negras, inclusive famosas,
podem se despir da carapuça hipócrita sempre acionada sob a égide da
insensatez, incensada pela insanidade dos que usam a imagem do macaco como o
pior dos escárnios para se referir às pessoas negras. Jogaram o estigma contra
o estigma, inconscientemente, é verdade, mas jogaram. Mesmo não estando
cônscios da magnitude dos seus atos, eles abriram um caminho que bem pode
servir de exemplo para outros brasileiros negros famosos ou não que toda vez
que fazem algo que causa inveja aos racistas, são chamados por eles de macacos.
Pronto,
agora esses neonazistas estão desarmados, porque ao invés de se constrangerem
com seus antiquados e asquerosos insultos, os astros brasileiros agiram como se
dissessem: - isso não pega conosco, para nós os gorilas são animais que merecem
respeito e carinho, assim como o mico leão dourado. Não nos importamos com os
ignorantes que nos comparam a eles, sabemos da importância deles e da condição
humana que nos é inerente. Não nos sentimos diminuídos com a vossa atitude,
apenas nos juntamos aos milhões de seres humanos que a abominam. Não vamos nos
sentir ridicularizados quando vocês é que são ridículos ao tentarem se enganar
quanto a nossa condição. Dizem que somos macacos (logo, sem raciocínio lógico),
mas a vida caminha contra a maré racista e os coloca sempre diante de negros
que se sobressaem na sala de aula, no esporte, nas telas dos cinemas, no
teatro, na literatura, na música, nas ciências.
Às
vezes, acredito que me devo um escrito mais profundo sobre o racismo. De
imediato, via-o como algo que poderia ser explicado pelo viés cultural,
todavia, hoje eu o percebo que a sua explicação tem algo além, algo de
patológico, que carece de terapia pelo fato de se configurar como uma luta
interior do próprio racista que teima em não acreditar no óbvio; que ao
constatar a racionalidade do irmão negro, teima em não aceitá-la, como se isso
fosse lhe fazer algum mal. Um estado doentio de criação mental de algo que o
próprio criador não acredita, porém insiste em afirmar – a luta entre a falsa
ideia e os fatos que a nega. Essa teima interior da verdade constatada versus
negação da constatação continuará até que o enfermo se perceba como tal e
procure o tratamento adequado.
Vejam
no caso dos europeus que discriminam os brasileiros: - eles vibram com as
nossas jogadas, pasmam com os gols de placa que fazemos e, por mais que queiram
cobrir o sol com a peneira do racismo jamais conseguirão inibir ou
invisibilizar o brilho do nosso talento, da arte do povo negro, ou
afrodescendentes como preferem os ditos politicamente corretos.
Para
encurtar conversa, não fosse o estado de inconsciência, poderíamos comparar o
feito dos três astros brasileiros à façanha que os negros americanos fizeram
nos anos 1960 com o “Black is beaultiful” e o black power. Sem perceberem, os brasileiros foram além, ao dançarem
vestidos de gorilas. Foi como se, sem a consciência do fato, dissessem: “Somos
negros lindos, mesmo vestidos de macacos”! Danem-se os racistas.
Só lamentamos que os defensores dos direitos humanos
não tivessem atentado para o fato, que mereceu uma leitura mais compreensiva. Fizeram
uma leitura apressada e incorreram ao equívoco que decorreu, creio, da falta de
uma análise mais acurada.
Obrigado por comentar.
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