Em meados dos anos 1980, quando
eu fazia parte de um grupo de profissionais que trabalhava no Ministério da
Reforma e do Desenvolvimento Agrário - MIRAD, fui alertado pelo professor
Alfredo Wagner Berno de Almeida, que, na época, chefiava a Coordenadoria de
Conflitos Agrários. O professor Alfredo Wagner observou que para aquele
Ministério se dirigiam trabalhadores rurais de todo Brasil que chegavam à
Brasília por fora dos canais convencionais ditos de representação da classe
trabalhadora rural. Esses trabalhadores não eram acompanhados de advogados ou de
outros funcionários da Comissão Pastoral da Terra – CPT, nem dos sindicatos de
trabalhadores rurais, os STR’s filiados às Federações de Trabalhadores Rurais,
ou à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG, muito
menos esses trabalhadores eram partidários do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra – MST. Veja bem, não estou falando que esses grupos
representativos não se faziam presentes diante do MIRAD, com os seus
partidários e as suas reivindicações específicas. Estou dizendo que para além
desses movimentos, dessas entidades, estava uma leva significativa de
trabalhadores rurais que ulteriormente se autodenominaria como posseiros,
quilombolas, seringueiros, ribeirinhos, castanheiros e tantos outros que
procuravam soluções para os seus problemas específicos por fora dos canais de
representação até então convencionais.
Interessa aqui citar que muitos
desses trabalhadores ao chegarem a Brasília se empregavam na construção civil e
ali ficavam por algum tempo indo e vindo às diversas instâncias de poder de
onde acreditavam poder solucionar os conflitos pela disputa da terra.
Nem tivemos tempo de estudar
suficientemente esses grupos sociais, embora os tivéssemos observado e, antes
de uma década a chamada classe trabalhadora rural passou a ser uma categoria
fora da moda, pois nela já não cabia mais uma infinidade de categorias
estabelecida no meio rural cuja bandeira de luta dos STR’s, das CPT’s, dos MST’s
não a contemplava. Então surgiram os quilombolas, os extrativistas, os
ribeirinhos, os povos das florestas, seringueiros, as quebradeiras de coco
babaçu, as viúvas do garimpo e da violência rural e tantas outras categorias
com as suas entidades de representação próprias. Para surpresas das antigas
lideranças as suas representatividades minguaram e surgiram novas entidades,
com identidade nova e novas lideranças e com tanto vigor que as autoridades
oficiais tiveram que recebê-las e compor a agenda oficial com as reivindicações
que elas traziam.
Quase três décadas depois o
Brasil acorda diferente. Uma multidão ocupa as ruas das cidades brasileiras
para reivindicar anseios antigos pelos quais seus pais lutaram e até mesmo
muitos deles morreram lutando. O que difere é o modo como essa massa de gente
jovem leva às ruas a voz do povo brasileiro. Por fora mais uma vez dos canais
convencionais: por fora dos partidos políticos, dos sindicatos, das entidades
confessionais. Mais uma vez o Brasil está andando por fora do Brasil e mais uma
vez o Brasil que pensa está no centro está por fora, acordando com atraso para
escutar o grito que vem das ruas, saído da garganta de um Brasil que por ter
sido sempre deixado do lado de fora está mais por dentro que nunca.
O Brasil está pasmo, boquiaberto,
surpreendentemente surpreso, pego no contra pé, foi acordado com o grito vindo
das ruas quando ainda vestia pijama da demagogia, se pensava orgulho nacional e
se viu vergonha da nação para qual ofereceu uma copa do mundo caríssima à
revelia do Brasil que grita não à corrupção e pede respeito, saúde, educação,
segurança.
Bem que o Brasil presunçoso
poderia ter ouvido os gritos eruditos do professor Carlos Wainer que por
coincidência é amigo do professor Alfredo Wagner. O Dr. Wainer não poupou
esforços para avisar que o planejamento em execução para preparar as cidades
para os eventos esportivos se tratava de uma prática de exclusão social.
Infelizmente, Dr. Wainer o Brasil dos presunçosos não quis lhe ouvir. Mais uma
vez a vaidade política esnobou a expressão de um pesquisador que faz uma
universidade que se dedica ao estudo do Brasil que agora grita pacificamente
nas ruas.
Uma pena que tenha sido assim, o
Brasil presunçoso perdeu o trem da leitura labial do Brasil do campo e da
cidade, simplesmente porque se negou a ler os dáblius de Wagner e de Wainer que
expressaram a visão simples dos que entendem a simplicidade dos complexos
problemas brasileiros do urbano e do rural. Lamentável que o Brasil esteja por
fora do Brasil.
O Brasil que está nas ruas é o
Brasil que deseja os corruptos do mensalão na cadeia, que deseja procuradores e
promotores proativos que investiguem e mostrem as mazelas do Brasil corrupto, o
Brasil que deseja ver no Judiciário brasileiro milhares de Joaquim Barbosa, que
deseja ver na cadeia o Brasil que subtraiu as moradias dos atingidos pelas
chuvas na região serrana do Rio de Janeiro, o que prefere dispor de um sistema
de saúde saudável e abrangente, que deseja que o ensino fundamental seja em
tempo integral e contemple o aprendizado profissional, escolas do ensino médio
de excelente qualidade, universidades públicas com condições para valorizar os
profissionais que ensinam e os que nelas se formam, que deseja segurança
prestada por policiais íntegros e com salários decentes, que sejam distintos e
separados da bandidagem.
O Brasil que ocupa as ruas é o
Brasil que deseja ver os seus esforços, recolhidos em forma de impostos, bem
utilizados em transportes públicos de qualidade, estradas de ferro interligando
todas as regiões do país, rodovias bem planejadas e seguras, aeroportos
decentes, portos modernizados, hidrovias recuperadas.
O Brasil que está nas praças, avenidas, ruas, é
o Brasil trabalhador que resolveu gritar para que o Brasil que está fora da
linha pense o Brasil de todos porque o Brasil de todos não tolera ser
vilipendiado e mais que qualquer coisa deseja e clama por O P O R T U N I D A D
E E
R E S - P E I T O. Obrigado por comentar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário