O presidente Márcio Cavalcante foi quem articulou
os fundadores da Mocidade Independente Turma do Saco – MITS para a comemoração
dos 40 anos de fundação do bloco. Primeiro, foi o almoço, uma feijoada
patrocinada pelo presidente de honra Zé Roberto, para marcar a despedida da
Mocinha (Josenilde Vilela), que estava de férias na Ilha e já estava de volta
para o Rio de Janeiro, onde reside atualmente.
Entre goles de cerveja, água mineral,
refrigerante, muita e muita emoção pelo reencontro de pessoas que amamos,
marcamos uma reunião para discutir os 40.
Desde o primeiro momento eu expus para o Márcio
Cavalcante e o Zé Roberto a minha vontade de compor o samba dos 40. Por que eu
fiz isso de modo muito claro? Fiz porque eu creio que eles têm um esquema
próprio para colocar o bloco na rua durante todos esses anos que estamos longe.
Sempre recebi o aval do Márcio Cavalcante e do Zé Roberto também. Mas, havia
uma coisa que me intrigava, às vezes, quando eu falava com algumas pessoas mais
novas, que me conheciam, mas não sabem como eu levo a minha vida atualmente, eu
sentia que essas pessoas acreditavam que eu já não sabia mais fazer samba, ou
que estava desatualizado, ou ainda que não estivesse acompanhando as mudanças
que se perpetraram no carnaval dos anos 80 até os dias atuais. Esse tipo de manifestação
era sempre de forma tácita, ou nas entre linhas das conversas.
Nas reuniões seguintes tratamos de um plano para
comemoração dos 40 anos. Eu opinei que achava bom se pudéssemos fazer um
documentário com entrevistas de pessoas como Henrique Pilu (o nosso primeiro
presidente), Bacabal (para mim o presidente mais significativo que o bloco já
teve), Beth, Maria Bacabal, Rogério e outros membros da família Guayanaz, os
Cavalcante, os Quim (Zeco e João), os Baima, os Viégas, os Costa, os Lima, os
Vilela e tantas outras pessoas que tiveram influência na Turma do saco, até
chegar à geração atual. Creio que as diversas televisões maranhenses que fazem
a cobertura do carnaval devem ter em seus arquivos lances dos desfiles da Turma
do Saco no curso desses 40 anos. Esses fragmentos poderiam ser compilados para
enriquecer o documentário.
Para mim interessa também saber a opinião das
pessoas que dirigem e fazem o bloco atualmente. Sei que há uma diferença
marcante no modo de trabalhar entre as gerações e, sei também que uma vez
exposta num documentário, esta poderia nos trazer um imenso aprendizado. As
gerações aprenderiam com os erros e os acertos realizados na condução da MITS no
curso desses 40 anos.
Pela quantidade de fotografias que os componentes
e simpatizantes devem ter, eu acho que deveria ser feita também uma revista,
que de certa forma, poderia ser alimentada em parte pelo documentário (vídeo)
e, ao mesmo tempo, um complemento deste, à proporção que esta teria recursos
específicos que não caberiam num vídeo. E, além da revista, devíamos gravar um
disco com os 11 sambas campeões. Os outros sambas teriam as letras divulgadas
na revista.
Além desses registros, eu manifestei a vontade de
fazer um show comemorativo só com músicas que eu compus nesse interregno de 40
anos. Por que o show? Porque acredito que como compositor eu sou uma invenção
da Turma do Saco. Foi para a Turma do Saco que eu fiz a primeira música que eu
compus na minha vida. Foi na Turma do Saco que eu tomei o gosto pela composição
e me considero um compositor da Turma do Saco. Estou para a Turma do Saco como
o Pelé está para o Santos, o Zico para o Flamengo, ou o Roberto Dinamite para o
Vasco. Fiz samba para a Turma do Saco porque eu a amo. A minha imagem como
compositor está intrinsecamente ligada à Turma do Saco. Gosto de fazer músicas
(sambas, afoxés, outras) e as faço continuamente, mas samba de enredo eu só
faço para a Turma do Saco. Não tenho qualquer satisfação em fazer isso para uma
outra entidade carnavalesca. Não sinto qualquer vontade.
Mas a Turma do Saco nem sempre foi só samba, só
glamour, harmonia, consenso. Por isto, eu me mantive com um pé atrás, como
dizia a minha mãe. Eu tinha a expectativa de fazer o samba com o Zeco Quim, um
grande parceiro, um irmão, pessoa pela qual eu nutro um grande apreço. Fazer o
samba com ele para mim seria um presente. Em novembro eu escrevi parte do
samba, Zeco já havia me telefonado e falado parte do samba que ele estava
compondo, então eu me empolguei, fiz uma parte e pensei, quando nos
encontrarmos faremos a fusão do que já fizemos. Porém, o tempo passou e o nosso
encontro nunca aconteceu e, então chegou um momento que eu tive que concluir
sozinho.
Já no início de janeiro a diretoria do Saco me
chamou para falar sobre o samba e quando eu cheguei já havia um samba feito.
Escutei o samba e gostei muito. Bem composto, bem feito. Eu o escutei várias
vezes e disse: o samba está redondo, concordo que o levem para a avenida.
Gostei muito dos dois compositores. Dois garotos muito talentosos – o Rakan
(não sei se é assim mesmo que se escreve) e o Lucas, que já me conhecia da casa
da minha comadre Dora. Já havíamos tocado juntos. Ele é amigo do Márcio,
sobrinho da minha primeira mulher, e já conhecia alguns sambas meus.
Dizer que fiquei satisfeito com aquela situação
seria mentir. Depois daquele encontro eu fiquei martelando a minha cabeça.
Pensava assim: - Pôxa, mas eu insisti tanto que queria fazer o samba... porque
será que eles não me deram esta oportunidade? Moro a 240 Km de São Luís, mas
fui a todas as reuniões que eles me convocaram, será que isto não revela a
minha vontade, o meu amor por este bloco? Por que será que eles sem sequer
estabelecerem um prazo de entrega me fizeram esta surpresa? Por que aqueles
garotos não me foram apresentados antes? Se tivéssemos tido um entrosamento
antes poderíamos compor o samba juntos, mas àquela altura já havia feito algo
dentro de outra estrutura. Os garotos são maravilhosos me fizeram lembrar muito
de mim quando tinha a idade deles. Fiquei de certa forma encantado com eles,
mas muito intrigado comigo mesmo. Afinal, trabalho com atendimento a clientes
e, se falo algo me comprometendo com as pessoas e essas pessoas não acreditam
no que eu falo, algo de muito errado pode estar acontecendo comigo. Naquela
noite do dia 17 de janeiro, quando eu voltei para casa fiquei até com medo de
bater o carro, pois eu estava muito inculcado com aquele acontecimento. Também
estava cansado, trabalhei o dia todo, dirigi por quatro horas para chegar até
São Luís e terminar a noite daquele jeito. Cheguei em casa coloquei a cabeça no
travesseiro e entreguei tudo a Deus.
Como no sábado (18/01) eu tinha um compromisso com
a minha família, marcamos um encontro na Associação dos Promotores do Estado do
Maranhão – APEM para o dia seguinte, domingo, 19/01.
Só para ajudar a memória, desde o início da semana
eu vinha tentando marcar um encontro com o Zeco, que me disse que não podia na
sexta à noite, nem no sábado e marcou comigo no domingo. Na manhã de domingo eu
o telefonei e ele disse que mais tarde.
Fui encontrar com o Márcio, o Zé Roberto e outras
pessoas da Turma do Saco. Naquela manhã eu tinha um tempo curto de permanência
em São Luís e, além deste encontro, eu tinha um compromisso com a minha
família, um almoço comemorativo. Além disso, ao retornar para casa, gosto de
sair de São Luís até às 15 horas, para evitar o tráfego pesado no trecho São
Luís-Miranda.
Na APEM o papo foi animado, os garotos Lucas e
Rakan apareceram, tocaram, eu cantei alguns sambas com eles, foi divertido.
Voltamos a conversar sobre o samba, eu falei que tinha começado um samba e que
ia terminá-lo. Perguntaram-me quando eu terminaria o samba e eu me comprometi a entregá-lo até o próximo domingo (26/01).
Eles, Márcio e o Zé Roberto concordaram. O meu tempo estava estourado, tinha
que ficar um pouco com a minha família antes de retornar para casa.
Antes de sair da APEM, ainda no carro, liguei para
o Zeco e ele me disse que estava saindo de casa e eu o pedi que não viesse mais
porque já estava na hora do meu retorno
para casa. Mas na conversa com os amigos na Apem eu soube que o Zeco está com
sérios compromissos religiosos que são quase impeditivos da participação dele
na comemoração dos 40 anos da Turma do Saco. Só então eu compreendi porque os
nossos encontros não aconteciam.
Na segunda feira (20/01), logo que eu cheguei no
serviço, telefonei para o Márcio Cavalcante e pedi o e-mail dele para que eu
enviasse o samba. À tarde, enviei a letra com um áudio feito “na capela”(só voz
sem qualquer instrumento musical acompanhando). Enviei também o samba para o
Luzian Filho e o deixei livre para mexer na harmonia. Combinei com o Luzian
Filho para ele marcar um estúdio para gravarmos uma cópia guia que orientasse
uma possível gravação. Na terça-feira (21/01), em Santa Inês foi feriado
municipal, dia da padroeira da cidade. Aproveitei o feriado e fui a São Luís
gravar o samba, conforme havia tratado com o Luzian. Este, como músico
conhecido do maestro Nonato, proprietário do estúdio, conseguiu um preço
razoável, mas quando eu informei para o Márcio, ele disse que assumiria o custo
do estúdio. Então, os custos com o estúdio ficou por conta da Turma do Saco e
eu só tive gasto apenas com o meu deslocamento, alimentação e um agrado para
Luzian (algo menor do que merece o trabalho dele).
Ao retornar para casa, às 21 horas, cansado
demais, tentei ouvir o samba e não consegui. Achei a gravação péssima, tudo
soava ruim aos meus ouvidos. Tive uma sensação péssima. Mas, graças a Deus
existe João Gilberto. Peguei um cd do João Gilberto coloquei no som do carro e
me acalmei. No dia seguinte telefonei para o Luzian Filho e fiz mil
recomendações para ele, solicitando cuidados na hora da gravação definitiva com
o intérprete da Turma do Saco. Eu ainda estava cansado, numa ressaca que
parecia que tinha tomado bebida alcoólica no dia anterior. Dois dias depois, ao
sair do trabalho, eu coloquei o cd para tocar no som do carro e percebi que o
maior defeito do samba que escutei na terça-feira, era o meu cansaço, a fadiga,
a irritação deixada por oito horas de viagem e mais 4 horas de estúdio.
Fiquei esperando a gravação do samba, mas ninguém
me disse nada. No domingo, 26/01, recebi um telefonema do meu compadre
Laurindo, que estava um tanto eufórico. Falou-me que passou no Codozinho e o
Bazinho lhe deu uma cópia do cd gravado pelo atual intérprete da Turma do Saco,
Vovô. Disse que estava de muito boa qualidade. Depois começou a dizer
reiteradamente, - “O samba é o seu meu compadre, o samba é o seu”. Não entendi
bem o que ele queria dizer, mas, aí ele foi mais enfático e disse: - “Eu
conversei com o Zé Roberto e o Márcio e já está batido o martelo, o samba que o
Saco vai levar para a avenida é o seu”. Naquele momento eu tive duas sensações:
a primeira foi o medo que a escolha do meu samba fosse desencadear algum tipo
de cisma na TS, logo agora. Ademais eu gostei muito dos garotos e, acho que
talentos como os deles num bairro como o Codozinho, devem ser incentivados,
apoiados, para que outros jovens sintam a vontade de se desenvolver tal como
eles. Rakan e o Lucas são talentos emblemáticos no âmbito de uma localidade
onde um número significativo de jovens entregam as suas vidas ao desgaste das
drogas. Eles são inteligentes, brilhantes, sábios e, sobretudo, livres de
qualquer vício.
A segunda sensação foi de alívio, não por ser meu
o samba escolhido pela Turma do Saco, mas pelo fato de o meu compadre Laurindo
ter gostado. Ele e a minha mãe sempre foram os meus maiores apoios e os meus maiores
críticos, carrascos às vezes. Desde que ele ascendeu da bateria mirim para a
bateria principal da TS, eu sempre lhe mostrava os sambas que eu fazia, em
primeira mão. Eu pegava o cavaco e ele, um repique de mão, de acrílico azul
transparente, que era uma cuíca, mas ele a transformou num repique. Ficávamos
tocando o samba na sala, enquanto a minha mãe fazia crochê. Ele sempre dizia
que parte tal estava ou não estava boa e eu o ouvia e ia trocando aqui,
remendando ali, até chegar no ponto. O ponto era aquele momento que a gente
tocava e a minha mãe não resmungava dizendo “esse samba tá triste”. Samba
triste pra ela era samba ruim, mas ela nunca dizia bom ou ruim, ela só dizia
que era triste. Então eu sabia que não ia tocar a alma das pessoas, porque dona
Joana Palitó era povão e, se ela aprovasse, eu sabia que tinha muita chance de
a rua toda gostar.
Meu samba sempre passava por três crivos, o do meu
compadre Laurindo, o da minha mãe e o do meu tio Serrote. Sempre que o meu
samba caía na graça do Serrote eu tinha a certeza de ter acertado. Serrote era
legal, porque se ele gostava, ele comentava, difundia e defendia. Ele era
simplesmente ótimo.
Coincidentemente, após a morte da minha mãe eu não
tive mais a oportunidade de fazer sambas para a Turma do Saco. Há exatos 30
anos eu fiz o samba “Mãe África”. A minha filha mais velha não conheceu nenhum
dos sambas que eu fiz para a TS, talvez por isso, quando ela escutou o meu
samba, de pronto mandou um recado pela internet dizendo que ela e os irmãos vão
desfilar em homenagem a mim. ADOREI! Vi naquele gesto um clone de Joana Palitó
dizendo, agora sim, o samba tá alegre. Depois, ainda pela internet, vieram os
elogios da minha prima Eliane de Serrote. Quando esta me falou que gostou do
samba, eu fiquei maravilhado. Depois foi a minha querida Aparecida Costa e
muitas outras pessoas.
A carga de serviço que eu tenho no dia a dia não
me deixa a oportunidade para curtir o
samba do modo como eu fazia antigamente. É legal ver o samba ser cantado por
outras pessoas, assim como é bacana ter como parceiro o meu sobrinho e afilhado
Luzian Filho, que nem tinha nascido quando eu fiz “Mãe África”. Ele só ouvia
falar que Luiz Prego fazia samba e sabe disso porque foi criado vendo as rodas
de sambas na família. Já fizemos partido alto juntos, mas samba de enredo,
acredito que nesse ponto eu era só uma lenda. Ele um exímio compositor,
excelente músico, foi o responsável pela harmonia do samba. Ele deu o toque
final na melodia para que o samba não tivesse altos e baixos. O cara é um craque.
Eis o samba, agora ele não nos pertence mais, é da
Mocidade Independente Turma do Saco, é de cada sacolense, de cada simpatizante,
de cada folião. Agora é só cantar, cantar, cantar, alegrar-se e ser feliz.
Mas não estaria na boca do povo se não tivesse a
aquiescência do Zé Roberto e do nosso presidente Márcio Cavalcante. Se não
contássemos com a elegância e delicadeza do Darlan, do Lucas e do
talentosíssimo Rakan. Se não tivéssemos o apoio e força mobilizadora da amiga
Rosário Costa. Por isto, eu externo a estas pessoas os meus agrdecimentos, o
meu respeito.
A
todos saudações sacolenses!
Obrigado por comentar.