sábado, 12 de abril de 2014

Criança e adolescente: o legal e o real



Há tempo eu observo a luta de entidades, promotores, juízes para assegurar a proteção de crianças e adolescentes, conforme preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente. Acho justo o esforço que no Brasil se faz para prevenir ou corrigir injustiças contra esse segmento da sociedade.
Consta na referida lei que “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade (...) à profissionalização” da criança e do adolescente. Observo o artigo que trata desse assunto, como de relevante sensatez.
Durante a minha fase de criança e adolescente era costume dos pais colocar os filhos em oficinas de mestres idôneos para que aprendessem um ofício. Era assim que se chamava o trabalho profissional manual – ofício. Eu passei por três oficinas: a alfaiataria do Sr. José Nogueira, onde eu fui aprendiz de José Henrique Ribeiro (Zé Henrique) e José de Ribamar Pereira (o Mascau). Ali eu me habilitei na prática dos serviços manuais ditos de acabamento: chuliar, fazer bainha, casa para botões, alinhavar, pregar botões, entre outros.
Depois eu fui para a Cafureca, como era chamada a oficina de marcenaria dos irmãos Reis – Nonato, Manuel e Zé de Topa. Nesta eu apenas aprendi a manejar serrote, martelo e lixa. Fazia serviços complementares como lixar, serrar e polir algumas peças. É importante que eu mencione que a minha passagem por estas oficinas foi no intervalo dos 10 aos 15 anos, de modo intermitente, uma vez que a minha afeição pelo futebol e a minha prioridade pelos trabalhos da escola comprometiam a minha assiduidade.
Aos 15 anos eu mudei de Rosário para São Luís e, como vivíamos apenas com o salário da aposentadoria da minha mãe, o início da nossa vida na capital foi muito difícil. Tive novamente que voltar à oficina. Primeiro, como auxiliar de alfaiate (Luís Carlos, um amigo e vizinho), fazendo os serviços que eu aprendi em Rosário. Segundo, como aprendiz de mecânico eletricista na oficina do mestre Pedro, nas adjacências do Mercado Central. Ali eu aprendi a desmontar e montar motores de arranque, geradores e alternadores de automóveis. Ganhei dinheiro o suficiente, para um dia a minha mãe me surpreender dizendo que eu sustentava a nossa casa e que os eletrodomésticos da casa ela havia comprado com o dinheiro que eu lhe dava semanalmente.
Hoje, entretanto, percebemos que há pouco interesse dos pais de baixa renda em colocar os filhos em oficinas para aprender um ofício. A modernidade impele os pais de família a trabalhar e deixar os filhos a mercê da escola, que em nosso país, de modo geral, só funciona em um turno. Famílias cujos chefes vivem do salário mínimo não têm como pagar alguém para tomar conta dos filhos. Por outro lado, as instituições ou entidades que cuidam dos interesses da criança e do adolescente não veem as oficinas como lugares adequados para a frequência das crianças.
A execução da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, com certo radicalismo, e a negligência do Estado no trato da questão, criou um hiato entre a aplicação desta e a realidade das famílias pobres, com filhos na fase infanto-juvenil. Mães e pais que trabalham e, habitualmente, saem às cinco da manhã e retornam às sete da noite. Adite-se a isto, o fato de que nos tempos atuais há uma significativa quantidade de pais e mães solteiros que, em muitos casos, quiçá na maioria, residem em áreas de relevante vulnerabilidade à ação marginal.
Cabe, então, perguntar: - a lei é boa? Sim, é ótima. Deve ser aplicada? – Claro, é necessário. Funciona dentro do espaço social cabível para a sua perfeita aplicação? – Não. Para tanto, é necessário que o estado transforme as escolas do ensino fundamental e as do ensino médio em escolas de tempo integral, com ambientes profissionalizantes adequados aos tempos atuais. Enquanto isso, um número imenso de crianças ficará sujeito a ação do crime, das drogas, da prostituição e, principalmente, do narcotráfico, que pode contribuir para todas as outras vertentes do crime.


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