O Brasil da Copa do Mundo produz
fatos que nos emocionam, que despertam o nosso senso cívico e nos inclina a
fazer coro com a multidão que canta “eu sou brasileiro, com muito orgulho, com
muito amor”. Este é o Brasil da seleção, que nos faz torcer e sofrer durante
uma partida de futebol em que a decisão passa por uma prorrogação e termina em
pênaltis. É o Brasil acolhedor, hospitaleiro, festivo, que abraça todas as
torcidas, mesmo aquelas cujas seleções vemos como rivais.
Brasil dos estádios suntuosos, das
praias, dos bares, da caipirinha, da feijoada, do samba, do Olodum. Brasil de
todos os povos, de todas as raças, de todos os credos – o Brasil da mistura. Bom
demais seria se essa mistura fosse só de coisas boas, que nos orgulhassem.
Infelizmente, não é assim.
O nosso Brasil é o país da
contradição. É o Brasil que sustenta o Pelé como a legítima bandeira do futebol
que nos orgulhamos, mas é este mesmo brasil que ergue e sustenta tetos de vidro
sobre as cabeças de milhares de negros que apesar do êxito nos estudos não
chegam aos patamares sociais condizentes com as suas formações.
O Brasil que possui uma
eficientíssima polícia federal capaz de desmontar esquema internacional de
venda clandestina de ingressos da Copa do Mundo, ao mesmo tempo em que,
proposital, ou até forçosamente, deixa aquele que seria o maior símbolo
hodierno da moralidade do país demitir-se do cargo de presidente do Supremo
Tribunal Federal, sob pena de se ver desmoralizado por colegas mancomunados à
maracutaia que apoia e luta pela liberdade de políticos corruptos presos.
O Brasil da Copa do Mundo, é o
brasil que recebe muitíssimo bem os irmãos vindos de outras plagas, de outros
continentes, de outros países, mas é indiferente aos filhos que morrem nos
hospitais sem médicos, sem equipamentos, sem medicamentos, sem espaços em enfermarias,
apartamentos, ou unidades de tratamento intensivo.
O Brasil da Copa do Mundo e dos
estádios de futebol superfaturados, é o brasil que em seiscentos e quatorze
anos é incapaz de urbanizar morros, favelas, palafitas, alagados, ou outro
locais de pobreza e miséria habitados por brasileiros que jamais tiveram
qualquer atenção social, embora sonhem com atenção padrão FIFA, de um Brasil
mais brasileiro, Brasil que se envergonhe da violência, do analfabetismo, da
educação de baixa qualidade, da corrupção que grassa em todas as instituições,
das quais esperamos o zelo pela gestão coisa pública.
O Brasil da Copa do Mundo é o
Brasil de todas as cores e, ao mesmo tempo, um brasil incapaz de colorir-se com
as nuances das comunidades quilombolas que habitam terras de posse secular,
jamais reconhecidas e tituladas, como as terras em posse dos irmãos de outras
cores.
O Brasil da Copa do Mundo, é um
brasil de duas faces, uma que integra os povos de todas as partes do mundo
presentes no país, e a outra excludente, indiferente aos brasileiros pobres.
Para entendermos este brasil de que falo, basta pensar no futebol. Durante o
campeonato brasileiro, o Brasil que faz coro nas arquibancadas dos estádios é o
Brasil da periferia, fanático torcedor, que cria palavras de ordem, músicas de
amor aos clubes, que engorda as bilheterias pagando ingresso com parte do magro
ganho que tem. É esse Brasil que sustenta o futebol brasileiro; para este Brasil,
o brasil da Copa do Mundo deixou apenas a rua, porque os lugares existentes nos
estádios para os jogos da Copa não cabem no bolso dele. Em síntese, o padrão
FIFA não reservou lugares nos estádios para o Brasil que sustenta o futebol
brasileiro. O Brasil para o qual torcemos, é o brasil do qual nos
envergonhamos.
O brasil que afaga a FIFA é orientado pela lógica
do lucro, do quanto mais, melhor. Nesse jogo, os ingressos são leiloados via
internet visando os que têm mais dinheiro e dinheiro é a única coisa que
interessa à FIFA. Obrigado por comentar.
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