sexta-feira, 11 de julho de 2014

O Brasil da Copa do Mundo



O Brasil da Copa do Mundo produz fatos que nos emocionam, que despertam o nosso senso cívico e nos inclina a fazer coro com a multidão que canta “eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”. Este é o Brasil da seleção, que nos faz torcer e sofrer durante uma partida de futebol em que a decisão passa por uma prorrogação e termina em pênaltis. É o Brasil acolhedor, hospitaleiro, festivo, que abraça todas as torcidas, mesmo aquelas cujas seleções vemos como rivais.
Brasil dos estádios suntuosos, das praias, dos bares, da caipirinha, da feijoada, do samba, do Olodum. Brasil de todos os povos, de todas as raças, de todos os credos – o Brasil da mistura. Bom demais seria se essa mistura fosse só de coisas boas, que nos orgulhassem. Infelizmente, não é assim.
O nosso Brasil é o país da contradição. É o Brasil que sustenta o Pelé como a legítima bandeira do futebol que nos orgulhamos, mas é este mesmo brasil que ergue e sustenta tetos de vidro sobre as cabeças de milhares de negros que apesar do êxito nos estudos não chegam aos patamares sociais condizentes com as suas formações.
O Brasil que possui uma eficientíssima polícia federal capaz de desmontar esquema internacional de venda clandestina de ingressos da Copa do Mundo, ao mesmo tempo em que, proposital, ou até forçosamente, deixa aquele que seria o maior símbolo hodierno da moralidade do país demitir-se do cargo de presidente do Supremo Tribunal Federal, sob pena de se ver desmoralizado por colegas mancomunados à maracutaia que apoia e luta pela liberdade de políticos corruptos presos.
O Brasil da Copa do Mundo, é o brasil que recebe muitíssimo bem os irmãos vindos de outras plagas, de outros continentes, de outros países, mas é indiferente aos filhos que morrem nos hospitais sem médicos, sem equipamentos, sem medicamentos, sem espaços em enfermarias, apartamentos, ou unidades de tratamento intensivo.
O Brasil da Copa do Mundo e dos estádios de futebol superfaturados, é o brasil que em seiscentos e quatorze anos é incapaz de urbanizar morros, favelas, palafitas, alagados, ou outro locais de pobreza e miséria habitados por brasileiros que jamais tiveram qualquer atenção social, embora sonhem com atenção padrão FIFA, de um Brasil mais brasileiro, Brasil que se envergonhe da violência, do analfabetismo, da educação de baixa qualidade, da corrupção que grassa em todas as instituições, das quais esperamos o zelo pela gestão coisa pública.
O Brasil da Copa do Mundo é o Brasil de todas as cores e, ao mesmo tempo, um brasil incapaz de colorir-se com as nuances das comunidades quilombolas que habitam terras de posse secular, jamais reconhecidas e tituladas, como as terras em posse dos irmãos de outras cores.
O Brasil da Copa do Mundo, é um brasil de duas faces, uma que integra os povos de todas as partes do mundo presentes no país, e a outra excludente, indiferente aos brasileiros pobres. Para entendermos este brasil de que falo, basta pensar no futebol. Durante o campeonato brasileiro, o Brasil que faz coro nas arquibancadas dos estádios é o Brasil da periferia, fanático torcedor, que cria palavras de ordem, músicas de amor aos clubes, que engorda as bilheterias pagando ingresso com parte do magro ganho que tem. É esse Brasil que sustenta o futebol brasileiro; para este Brasil, o brasil da Copa do Mundo deixou apenas a rua, porque os lugares existentes nos estádios para os jogos da Copa não cabem no bolso dele. Em síntese, o padrão FIFA não reservou lugares nos estádios para o Brasil que sustenta o futebol brasileiro. O Brasil para o qual torcemos, é o brasil do qual nos envergonhamos.
O brasil que afaga a FIFA é orientado pela lógica do lucro, do quanto mais, melhor. Nesse jogo, os ingressos são leiloados via internet visando os que têm mais dinheiro e dinheiro é a única coisa que interessa à FIFA.


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