quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Revisitando a ladainha

Na minha infância, em Rosário, eu tinha como ponto alto das festividades juninas as rezas de santantonho, como chamávamos, naquela época. Eu adorava os bolos, quisucos, guaraná, o chocolate, as pastilhas e tudo mais de comes e bebes típicos dessas festas de promessa.
Eu era verdadeira “vassourinha” das festas do Antônio Santo. Começava pela ladainha na casa do saudoso Domingo Banha, depois descía para a rua da Fonte do Mato, pois lá na ladainha da Manoca o bolo de tapioca era de primeiríssima qualidade. Depois íamos para a ladainha da dona Joaquina de Leopoldo surdo, como chamavam as pessoas da época. Nesta os bolos e o chocolate eram mais que deliciosos – surpreendentes.
Nessa minha romaria pelas ladainhas de Santo Antônio eu aprendi a gostar da reza, dos hinos, do modo como os rezadores desenvolviam o ritual da ladainha. Para encurtar a conversa, eu até hoje tenho verdadeiro fascínio pela ladainha, seja ela à capela (sem acompanhamento instrumental), ou com acompanhamento. Se pudesse faria um disco de ladainha só para de vez em quando escutar os hinos maravilhosos de Santo Antônio, de São Benedito, de Santa Bárbara, Santa Luzia, da virgem da Conceição, São João, da virgem do Rosário, minha Santa madrinha, cujo nome a minha mãe colocou em mim. Fico sempre muito emocionado quando ouço aquele hino celestial: “Oh, minha mãe senhora do Rosário... Até morrer vos hei de sempre amar”...
O nosso queridíssimo Santo Antônio era alvo das nossas brincadeiras de criança, que fazíamos paródia com o seu hino, cantando: “Meu Santantonho deixa de ser tolo, desce do altar e vem tomar café com bolo”... Por ser muito querido e cantado, Santo Antônio tem vários hinos, cada um mais bonito que o outro, variando de região para região aqui no Estado do Maranhão. Vi certa vez uns amigos de Penalva cantando para o milagroso Santo Antônio de Lisboa, o hino é simplesmente esplêndido. Os rosarienses não deixam a desejar, criaram um hino telúrico para o Santo, que sempre era o último a ser cantado em todas as ladainhas. “Milagroso Antônio, brilhante cruzeiro, enchei de alegria o Rosário inteiro”...
Jamais me esqueci daquela parte em Latim bem rezado por seu Inocêncio, dona Ana Brasil, ou por dona Mundica Rosa – que maravilha. Na minha adolescência, em São Luís este meu gosto pela ladainha foi fartamente nutrido nas ladainhas de Santa Bárbara que a minha mãe, dona Joana Palitó, fazia lá no bairro do Codozinho, quando dona Supriana e dona Conceição Quim desenvolviam o rito de forma magnífica. Quando a minha mãe fez a passagem dela e a festa de Santa Bárbara acabou pensei que as rezadeiras fossem seres em extinção, mas fui surpreendido quando conheci a dona Teté. Aquela rezava com maestria, arte, beleza. Mas, a rainha do Cacuriá também fez a sua passagem e nos deixou um mar de saudades, um Maranhão de saudades.
Sábado, dia 13 de dezembro, dia de Santa Luzia, a minha tia Chichita fez uma ladainha no seu bar, é isso mesmo, no seu bar. Como matriarca atual da família Linhares, Linhares dos Santos, Fontes e outros ramos dessa genealogia, tia Chichita colocou ordem no recinto, alí ninguém bebeu antes nem durante a ladainha. Isso mesmo, afinal a senhora é sobrinha de Joana Palitó.
Quando a ladainha começou veio a surpresa, um moço, um jovem moço, chamado Sebastião Cardoso, num impecável Latim me fez revisitar a minha Rosário de Inocêncio, de Mundica Rosa, de Ana Brasil; o meu querido Codozinho de Supriana e Conceição Quim. Nada que se compare àquele vozeirão de dona Teté, mas ele nos fez lembrar dela também. Tive imensa felicidade ao ver aquele jovem exercendo o seu papel de rezador, revitalizando o rito da ladainha, mantendo essa relevante tradição do povo maranhense, elevando a nossa autoestima com o exercício dessa maranhensidade – reza da ladainha. O moço é historiador, pesquisador da mais valorizada cepa, e, pelo que faz, um amante do Maranhão e das nossas tradições.
Obrigado, tia Chichita! Obrigado, Sebastião Cardoso! Vocês são responsáveis por esta viagem que me fez revisitar as reminiscências da minha vida, na infância e na adolescência. Transitando de Rosário às festas do Divino na Casa das Minas, onde algumas vezes eu tive a felicidade de ver a ladainha cantada com o acompanhamento encantador da orquestra do maestro Vital (pai do baixista Antônio Paiva e do popularíssimo Paulo Simonal).

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